- Puta que pariu.
Vó Nena repetira várias vezes o xingamento, enquanto observava a placa amarela e enferrujada que tinha em mãos. O conteúdo, MZ 3192, mais a foto queimada que Otaviano exibia, combinada à imagem original na tela do celular não deixavam margens à dúvidas.
Tatiana não conseguia ficar muito perto do carro condenado, aturdida com o que sua vidência revelava, enquanto Daniel examinava o interior do veículo.
- É a fotografia original? - perguntou a Caçadora.
- Sim senhora - respondeu Otaviano, atual dono do pobre Fusca.
Vó Nena largou a placa original sobre uma bancada e conversou com os jovens.
- O que fazemos?
- Vó, eu só quero sair daqui o mais depressa possível. As coisas que vejo...
- Calma, filha. E você, Daniel?
O neto mais velho dela dirigiu-se ao dono do carro:
- Já contou pro seu amigo?
- Deus me livre! Já tive problema demais quando caí na besteira de comprar esse carro! Achava que valeria uma boa nota caso o l...
- Nem pense em mencionar o nome desse Voudemorte brasileiro do caralho! - berrou Vó Nena.
- Você achou mesmo que os seguidores desse filho da puta iriam pagar uma nota pelo carro? - perguntou Daniel. - Justo essa gente que vende até a mãe se ganhar algo com isso?
- Pelo amor de Deus, me ajudem!
- Melhor mandar essa porra de carro pro ferro-velho - disse Vó Nena.
- E perder o dinheiro que esse amigo quer me pagar pelo carro? Lógico que não!
Os Caçadores se entreolharam, conversaram um pouco aos cochichos, e Vó Nena finalmente fez que sim com a cabeça.
De uma bolsa a tiracolo Daniel tirou um lápis que parecia muito antigo, e o rapaz disse a Otaviano:
- Abra as portas, capô, porta-malas... você tem ferramentas? E um macaco jacaré?
O dono do carro estranhou, mas apressou-se em fazer o que o jovem Caçador pedira.
O lápis artesanal que Daniel segurava na mão era feito com madeira de pau-brasil consagrada, e com ele o rapaz escreveu breves encantamentos e desenhou símbolos arcanos por dentro daquelas partes do carro. Dentro do Fusca removeu parte da forração do teto próxima ao vidro traseiro e fez o mesmo, dizendo:
- Você comentou que seu amigo quer personalizar o carro, talvez queira instalar um teto solar, aqui é mais provável que o encantamento dure mais.
Daniel terminou o serviço se enfiando embaixo do carro e escrevendo os feitiços no chassis e no bloco do motor.
- Com isso ninguém vai saber que o carro foi usado por... ele?
- Você tá de brincadeira? – perguntou Vó Nena. – Se esse seu amigo é colecionador como diz vai pesquisar o documento do carro e vai achar o nome do tinhoso, ladrãozinho de merda. Esses feitiços são pra bloquear as más energias que podem incentivar o sujeito a desfazer o negócio, como você disse que aconteceu das outras vezes.
- Daí, já que o cara quer personalizar o Fusca, não deve se importar muito com essa história.
Os Caçadores foram embora depois de muitos agradecimentos de Otaviano, que naquela mesma noite mandou uma mensagem pelo celular dizendo que o negócio havia sido fechado.
- Puta que pariu – comentou Vó Nena quando saíram de São Bernardo do Campo, na viagem de volta a Boa Graça.
- Eu repetiria, Vó, mas estou aliviada por ficar longe daquele carro. O feitiço já estava funcionando, as más energias ficaram bem mais fracas.
- O que o Otaviano estava pensando?
- Só no dinheiro, achando que os animais que seguem esse corrupto iriam gastar dinheiro no carro. Justo essa turma que não liga nada pra História, ou cultura, ou nada que seja bom – comentou Vó Nena.
- Agora entendo o que você sente quando vamos pra Brasília, amor – disse Daniel. Tatiana segurou sua mão brevemente, apertando-a.
- São Bernardo não fica muito atrás – disse Vó Nena. – Também, não tem culpa, do canalha que escolheu viver e começar suas sem-vergonhices aqui.
- Pelo menos aquela foto rendeu bons memes – terminou Daniel.
Pelo resto da viagem eles conversaram sobre assuntos mais leves, como caça a vampiros, monstros e assombrações que eram sua especialidade.
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