quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

CÉU DE GUERRA: UMA NOVA AURORA


 

Sudeste da Inglaterra, 1 de janeiro de 1945.

A esquadrilha que invadira o espaço aéreo inglês era composta por seis bombardeiros Junkers Ju-88 de um novo tipo, que sequer havia recebido uma designação ainda. Eram acompanhados por dois dos novos bombardeiros a jato Arado Ar-234 Blitz, e quatro caças Messerschmidt Me-262.

Os versáteis Ju-88 traziam abaixo de cada asa cilindros que eram, na verdade, turbinas Junkers Jumo especialmente adaptadas, seguindo o modelo hibrido que a Inteligência alemã, apesar da crescente e alarmante carência de recursos, conseguira detectar em algumas aeronaves que os Aliados vinham usando. Com o misterioso desaparecimento recente do cientista Viggenstein, restara ao Alto Comando do Reich ordenar aquele tipo de medida desesperada.

O alvo daquela formação era a principal base em solo inglês onde eram realizadas as mais avançadas pesquisas em tecnologia e Inteligência. Antes de sumir, o cientista havia transmitido ao comando nazista as informações a respeito de sua localização, e esperava-se que aquela investida, em meio àquelas semanas em que os combates na Europa haviam arrefecido por conta das festividades de final de ano, pudesse surpreender os inimigos.

Um dos Me-262, biposto e dotado de radar, subitamente deu o alarme. Quatro aeronaves se aproximavam à frente do grupo, em curso de interceptação. Porém, sua velocidade era baixa, o que fez os oficiais mais graduados daquele grupo de ataque sorrir. A utilização de força total nos propulsores foi ordenada, e todas as aeronaves ganharam altitude. Daquela posição vantajosa os Messerschmidt a jato teriam a velocidade a seu lado, e os lentos interceptadores não teriam qualquer chance.



Base Ouro, nordeste de Oxford, Inglaterra.

Desde os incríveis acontecimentos entre julho e agosto passados, a vida de Ricardo Almeida havia mudado.



Suas responsabilidades como líder daquela base especial haviam aumentado com sua promoção a major, especialmente depois que Denise Landron fora transferida para uma unidade equipada com jatos Gloster Meteor, baseada na França. A tenente era agora líder de grupo, e já havia tomado parte em várias escaramuças contra Me-262 alemães e outros aviões avançados que os nazistas, no esforço de reverter a maré da guerra, vinham lançando nos últimos meses.

- Sim, secretário Malfoy, tenho pleno conhecimento da invasão do espaço aéreo por parte do inimigo. Como talvez saiba, os radares da Base Ouro são os mais avançados de que os Aliados dispõem.

Ricardo aguardou o que Malfoy dizia do outro lado da linha, gastando suas últimas reservas de paciência. Aquele sujeito havia sido apontado para o Alto Comando britânico por suas ligações políticas, o que já dizia quase tudo que se precisava saber sobre ele.

- Secretário – respondeu Almeida – seguramente sabe muito bem que até mesmo o Primeiro-Ministro Churchill foi contra a ideia de enviar nossos melhores grupos aéreos para as bases na França. As defesas da Inglaterra em seu próprio território ficaram enfraquecidas, graças à crença de que os nazistas estão nas últimas.

O político continuou vociferando coisas como hierarquia, cumprimento do dever e outros conceitos que ele próprio, seguramente, deixava de lado quando pensava em sua própria carreira. O brasileiro, enfim, interrompeu:

- Malfoy, esta situação surgiu graças à incompetência de tipinhos como você. Mas fique tranquilo, aqui na Base Ouro valorizamos quem tem talento e capacidade, ao contrário do que acontece na arena política onde você tem se dado tão bem. A situação com os invasores está tendo o tratamento adequado, fique tranquilo.

Ricardo desligou sem dar tempo que o outro respondesse. Certamente iria depois tomar algum tipo de reprimenda, mas seu prestígio depois dos eventos entre julho e agosto era quase garantia de que tudo continuaria como sempre esteve desde 1940, ano de sua incorporação à Real Força Aérea e a criação do então Grupo Ouro.

O major saiu de seu escritório e correu até a torre de controle. Pelas últimas informações os alemães estavam a ponto de detectar os interceptadores.

Entrou na sala repleta de equipamentos eletrônicos, telas de radar e do pessoal que os operava. Um e outro ameaçou ficar em pé para bater continência mas com um gesto ele pediu que continuassem o trabalho. Uma sargento lhe fez um sinal e depois apontou para sua tela:

- Major, os alemães subiram para 8.000 m de altitude, e os caças se separaram do grupo, avançando contra os interceptadores.

- Então estão mordendo a isca. Acho que Tony resolverá essa situação bem depressa.


O combate foi mais rápido e brutal do que esperavam.

Os alemães foram apanhados completamente desprevenidos pelas aeronaves híbridas do Esquadrão Ouro. Seus Me-262 mergulharam contra o que acreditavam serem interceptadores bimotores lentos, e foram surpreendidos quando os quatro Dumont D-84, bimotores a pistão construídos pela empresa brasileira fundada por Santos Dumont, acionaram eles próprios seus motores a jato auxiliares e quebraram formação.

Um deles se dirigiu diretamente ao Me-262 mais próximo, disparando com seus quatro canhões de 20 mm. O jato inimigo explodiu no ar.

Outros D-84 da mesma versão de caça pesado estavam aguardando próximo dos 10.000 m de altitude, e mergulharam sobre a formação de bombardeiros. Os Ju-88 não tiveram como escapar, porém dois deles conseguiram realizar pousos forçados, após o que suas tripulações se renderam às forças em terra.

Os Ar-234 mergulharam e passaram a voar rente ao solo, tentando enganar a cobertura dos radares britânicos. Mas nessa posição tinham pouquíssima manobrabilidade, o que os colocou a mercê dos Mustang P-51 comandados pelo tenente Tony Reynolds. O grupo de oito caças se dividiu em quatro duplas, acionaram suas turbinas auxiliares e perseguiram os invasores.



Os Blitz foram atingidos, e também um deles terminou por fazer um pouso forçado, com o piloto igualmente se rendendo às forças em terra.


Tony escrevia seu relatório, como era habitual, na sala de reuniões do prédio de administração da base. Ergueu os olhos quando Ricardo entrou, ficou em pé e bateu continência antes que o major tivesse tempo de lhe dispensar a saudação.

- Fique à vontade tenente – disse Almeida se sentando na ponta do palco.

Reynolds ocupava uma cadeira na fileira da frente, e em poucos minutos terminou de escrever. Entregou a folha ao major, que deu uma rápida passada de olhos e a depositou a seu lado.

- Então?

- Nada demais, senhor – começou a responder Tony. – Nosso pessoal continua muito bem preparado. Tem valido a pena manter o treinamento.

O tenente ficou em silêncio por um momento, e depois acrescentou:

- Os Me-262 deram um pouco de trabalho. Mesmo que nossos Mustang estejam sempre com a manutenção e os aprimoramentos em dia, o jato alemão sempre vai ser mais rápido. E nossa sorte é que o pessoal que os pilota tem mostrado queda de qualidade a cada nova batalha.

Ricardo continuou em silêncio, olhando para baixo. Tony sabia das preocupações que tomavam a maior parte do tempo de seu superior, mas sabia também que esperava que ele fosse o mais honesto possível.

- Se pelo menos eles permitissem que usássemos os novos jatos...

Almeida suspirou, ergueu o rosto e encarou o tenente. Abriu a boca para dizer algo, mas permaneceu em silêncio. Finalmente disse:

- Eu sei, tenente. Tenho brigado todos os dias, sempre com um sujeito diferente. Os Meteor, apesar de todos os problemas, conforme Denise tem comunicado nos raros contatos que consegue ter conosco, têm ido bem. Infelizmente a produção continua em ritmo lento, e eles têm preferido enviar os exemplares para a linha de frente no continente.

Os americanos, por sua vez, haviam começado a experimentar algumas poucas unidades de seu novo jato, o P-80 Shooting Star. Era um tipo totalmente novo, com uma só turbina, cujos testes aparentemente estavam sendo muito satisfatórios. Tony se lembrava do protótipo desse caça, que experimentaram na Base Ouro poucos meses antes.

- É verdade, major, um belo avião – comentou o tenente oriundo do grupo Red Tails, onde tivera destacada participação. – Mas o pessoal têm comentado ainda que há questões políticas que impedem que recebamos essas aeronaves.



- E como há, tenente! – comentou Ricardo levantando e andando pela sala. – Temos várias nacionalidades de pilotos e pessoal aqui na Base Ouro, que deveria ser um local de treinamento e pesquisa de elite, além de uma escola para os anos futuros, depois que a guerra acabar. E os políticos de todos os lados, o que fazem? Impedem que recebamos equipamentos mais avançados, por medo de sua tecnologia cair nas mãos de outras nações.

Os dois ficaram em silêncio por algum tempo, até que Ricardo se virou para Tony, apanhou o relatório recém-escrito e disse:

- Descanse, tenente. Você tem trabalhado sem parar desde que voltou em setembro. E claro, Feliz Ano Novo.

- Feliz Ano Novo, major.

Tony ficou ainda algum tempo pensando na sala de reuniões depois que Ricardo saiu.


Ricardo arquivou o relatório de Tony junto aos demais do grupo que participara da batalha. O piloto do Mustang que atingira o Me-262 biposto, dotado de radar, havia descrito algo aterrador. O jato alemão tivera uma das turbinas danificada e vinha para um pouso de emergência em campo aberto. O tenente da Base Ouro, voando a seu lado, relatou como o operador de radar, seriamente ferido no assento traseiro, havia empunhado uma pistola e atirado na cabeça do piloto. O avião mergulhou e explodiu no choque contra o solo.

O major brasileiro sempre se sentia terrivelmente mal ao se lembrar do fanatismo de muitos dos soldados e pilotos alemães que enfrentavam. O mesmo fanatismo que produzira a hecatombe da guerra que ainda travavam, e que ainda ameaçava cobrir o mundo com a escuridão do totalitarismo. 

No Brasil, pelo contrário, os surpreendentes eventos de poucos meses antes produziram resultados notáveis. O fim do governo ditatorial causou um impressionante florescimento cultural e social, e impulsionada pela Aeronáutica Dumont, a economia do país havia crescido em ritmo vertiginoso naqueles últimos três meses. O governo provisório restabelecera a liberdade de imprensa e expressão, e os crimes do regime anterior estavam sendo esmiuçados de uma forma impossível pouco tempo antes. Eleições estavam sendo organizadas para o segundo semestre de 1945, e o país respirava a liberdade e a democracia ansiadas havia tanto tempo.

Ricardo suspirou. Quem sabe, dessa forma, quando a guerra terminasse ele poderia finalmente voltar para casa.


O major procurou o engenheiro-chefe da Base Ouro, Matheus Kirk, no grande hangar principal que era o maior edifício da instalação.

Foi encontrar Matheus em um canto, atrás de um P-47 Thunderbolt que havia sido convertido para acomodar a turbina auxiliar Mattarazzo J-3, fabricada em São Paulo pela Mecânica Mattarazzo, comum a todos os tipos híbridos utilizados pela Base Ouro. E ele não estava sozinho.

O engenheiro abraçava e beijava ardentemente uma moça com uniforme de oficial. Ricardo, surpreso, observou a cena por alguns segundos.

As mãos de ambos passeavam pelo corpo um do outro, e pelo cabelo escuro e curto o major reconheceu a tenente Sara Morris, do serviço de Inteligência. O casal tornou a se abraçar, trocando um longo e apaixonado beijo, quando casualmente Matheus abriu os olhos.

Largou Sara no mesmo instante. A tenente ficou olhando para ele surpresa, mas quando percebeu que a atenção de Kirk estava integralmente para um ponto distante, a moça se virou lentamente. Arregalou os olhos ao dar com Almeida, ficou em posição de sentido e bateu continência.

- Major Almeida! – conseguiu dizer com voz decidida.

- Tenente Morris – respondeu Ricardo sorrindo.

A tenente não sabia onde pôr as mãos. Então se apressou em arrumar o cabelo ligeiramente desgrenhado, ajeitou a saia que subira com o entusiasmo dos dois, e por fim disse:

- Está tarde, e meu horário de folga terminou – olhou o relógio de pulso para reforçar. – Com licença, major Almeida!



Sara saiu andando depressa. Kirk se manteve na mesma posição, enquanto Ricardo se aproximou. O olhar do engenheiro se dividia entre a garota que desaparecia na distância e o amigo brasileiro.

Finalmente Almeida riu, enquanto Matheus disse:

- Pôxa, Ricardo, agora que conseguimos um tempo só para nós!

- E resolveram aproveitar que nesta hora do dia o hangar fica praticamente deserto, não é?

Kirk desconversou, arrumou a camisa que estava amassada, vestiu a jaqueta que fora jogada em um canto e saiu andando. Ricardo o acompanhou, e o engenheiro parou diante de duas aeronaves que haviam chegado após o Natal.

- Dumont D-115. Deve se lembrar dele depois de nossa recente visita ao Brasil.

Almeida se aproximou, deslizou a mão pela longa e afilada fuselagem, e admirou as linhas revolucionárias do caça a jato brasileiro. Os canards dianteiros, as curtas e largas asas em diedro, e as três turbinas J-3 na parte traseira.

- É, lembro sim – disse o major com tom saudosista na voz.

Suas memórias correram para os extraordinários dias passados no Brasil, o encontro deles com o Professor, e tudo mais que ocorrera. Eles haviam possivelmente vencido a guerra para os Aliados ao derrotarem a colossal ameaça que enfrentaram, e pouquíssimas pessoas sabiam o que de fato aconteceu naqueles dias.

- A cada dia que passa fico mais fulo com os burocratas do Alto Comando, que ainda não nos deram permissão de voar com estas duas belezas! – comentou Kirk. – Nunca precisamos desse tipo de coisa antes. Caramba, a Base Ouro alterou o rumo da guerra, e podemos muito bem ter garantido a vitória para nós! É isso que merecemos?



Os dois caças exibiam somente o cinza da base com que haviam sido pintados. Não tinham insígnia ou números de identificação, isso porque a burocracia, desejando privilegiar máquinas inglesas, alegava que já havia aeronaves importadas demais na Base Ouro. Porém, a indústria britânica continuava sobrecarregada, vindo daí a necessidade de importar equipamentos.

O primeiro-ministro Winston Churchill bem que tentava, pressionando sua equipe a buscar uma solução. Mas a burocracia, acreditando que o final da guerra estava próximo, aproveitava para deixar de lado qualquer escrúpulo e retomar seu comportamento habitual, levando em conta a política e não a realidade. E, atarefado com todos os assuntos que diziam respeito à administração do país e também do esforço de derrotar o nazismo, não se poderia pedir mais a Churchill.

- Um dos rapazes que interceptou os alemães hoje de manhã me perguntou quando poderemos voar com estes – comentou Ricardo. – Afirmou que só com estes dois poderiam ter dado cabo de todo o grupo sem demora.

- A depender dos burocratas não teríamos agido contra o cientista doido – respondeu Kirk. – Claro que enfrentamos oposição, mas conseguimos fazer o que precisava ser feito. Agora, temo que iremos enfrentar cada vez mais obstáculos que nada dizem respeito à solução dos problemas reais que precisamos resolver.

- E falando em problemas – comentou Ricardo – quero perguntar uma coisa.

Chamou o engenheiro para um canto mais discreto do hangar e disse em voz baixa:

- Continuam chegando aqueles relatórios esquisitos, as tais luzes estranhas que os americanos chamam de foo-fighters?

- Quase todo dia, conforme meus contatos no setor de Inteligência – devolveu Kirk. – Sara estava me dizendo que o pessoal está muito preocupado, e boa parte deles acredita ser uma nova arma alemã.

- Se é uma nova arma por que ficam somente voando ao lado de nossos caças e bombardeiros? O máximo que fazem é vir de encontro aos aviões e desviar no último instante, conforme os relatos. E quando os pilotos tentam segui-los logo desaparecem, com velocidades que nem mesmo nossos jatos conseguem igualar.

- Não acredito que sejam armas alemãs. Do jeito que estamos destruindo sua indústria e suas capacidades, não vejo como eles possam fabricar esses objetos. Poderiam ser até fenômenos naturais, caso não exibissem inteligência ao manobrarem para acompanhar e se evadir de nossas aeronaves.

Os dois ficaram em silêncio por algum tempo, e Ricardo por fim comentou:

- Ouvi rumores que os alemães também viram essas coisas. E se for verdade? Se não são nossas e nem deles, de quem são?



Kirk abriu a boca para responder, mas desistiu na mesma hora. Os dois saíram andando pelo hangar, observando o pessoal que retornava para mais um turno de trabalho. Um sargento chegou em meio ao pessoal técnico, olhou ao redor e pareceu satisfeito por ver Almeida. Aproximou-se andando rápido, bateu continência e disse:

- Major Almeida, correspondência que acabou de chegar para o senhor. Como tem um carimbo de urgente preferi vir entregar pessoalmente.

Estendeu o pacote para Ricardo, que agradeceu e o dispensou. O sargento se retirou enquanto Matheus, curioso, esticou o pescoço para olhar.

- Estou lendo o nome de Valentina aí!?

De fato, abaixo do nome da repórter constava seu endereço em Nova York. Ricardo ficou parado, olhando para aquilo, até que o engenheiro disse:

- Como é, não vai abrir?

Ricardo pareceu acordar, olhou para Matheus e sorriu. Enfiou o pacote no bolso da jaqueta e saiu andando.

- Vocês têm trocado muita correspondência nos últimos tempos, não é? Talvez seja algo especial que ela te mandou pelo final do ano.

O major se virou, sorriu de novo, depois retomou seu caminho. Aquele pacote era incomum, e ele queria privacidade quando o abrisse.

Matheus observou seu superior se afastar, e passou os olhos pelo hangar. Entre os vários veículos ali dispostos estavam vários que haviam sido capturados dos alemães. Decidiu voltar a examinar aqueles interessantes carros que haviam sido trazidos da França na semana anterior, e chamados de Kübelwagen e Kommandeurwagen.



Eles haviam sido abandonados intactos com a debandada alemã da França após o Dia D. E Matheus, desde o começo, ficou fascinado por sua construção simples e robusta, pela mecânica refrigerada a ar, e pela carroceria arredondada do último. Sabia que era derivado do tal Volksauto ou KDF-Wagen que deveria ser o Carro do Povo alemão, e ficou pensando se seria um bom carro particular.




Nova York, sede do East Coast Tribune.

- Agentes Smith e Harrison, isso é totalmente irregular e ilegal!

O editor-chefe do Tribune, Maximillian Scott, estava indignado. Os dois agentes do FBI haviam entrado no prédio e se dirigiram diretamente ao escritório de Valentina Sheridan, sua melhor jornalista.

Ambos estavam procedendo a uma rápida mas minuciosa busca no aposento, examinando gavetas, deslocando arquivos e outros móveis e procurando no assoalho por tábuas soltas que poderiam denunciar um esconderijo secreto.

- Senhor Scott, o FBI agradece sua cooperação – disse Harrison.

- Não estou cooperando com nada! – exasperou-se o editor. – Estou protestando contra esta invasão, pois os senhores entraram no meu jornal e estão vasculhando o escritório de minha repórter sem sequer exibir um mandado ou qualquer outro documento.

- São tempos de guerra, senhor Scott – comentou Harrison, cujo rosto era tão duro e inexpressivo quando o de Smith. – O Bureau está preocupado com certos rumores a respeito da recente viagem da senhorita Sheridan para a Europa.

Maximillian ia novamente protestar, quando sons vindos de fora chamaram a atenção dos três. Eles se viraram para a porta, prestando atenção.

Era o som de passos vindo do corredor. E de sapatos de mulher.



A porta se abriu, e Valentina Sheridan ficou parada, encarando os homens em seu escritório. Era bonita, alta e curvilínea, o cabelo loiro despontando por baixo do chapéu e caindo em cachos pelos ombros.

- Bom dia rapazes. E Feliz Ano Novo!

A moça entrou, andando sedutoramente ao som de seus sapatos de salto alto de encontro ao piso. Desviou-se do agente Smith, tirou o trench coat que vestia e o jogou no sofá que ocupava parte da parede dos fundos.

Vestia uma blusa justa e uma saia longa e rodada, e usava um colar que parecia totalmente incompatível com aqueles duros tempos de guerra. Sentou-se em sua cadeira giratória depois de tirar o chapéu e jogá-lo sobre o casaco, observou a mesa com arquivos, pastas e papéis que haviam sido mexidos, mas não desordenados, as gavetas abertas, e parou por alguns instantes na expressão aflita de Maximillian.

Em seguida girou a cadeira, ficando frente a frente com os dois homens do FBI. Cruzou as pernas de forma elegante, como uma musa de cinema, e ficou encarando todos.



- Então, alguém vai me explicar por que tive que interromper meu descanso, depois de uma agitada festa de reveillon, ao ser informada que o FBI estava bisbilhotando meu escritório?

Scott, agora, estava apavorado com outra coisa. Valentina era sua melhor jornalista. Mas era também a mais atrevida e indisciplinada, além de não ter o menor pudor em bater de frente com a hierarquia. Já havia se colocado em situações comprometedoras antes, mas sempre utilizara sua inteligência, astúcia e charme para se safar. Quase sempre retornando com uma reportagem incrível, que os leitores comentavam semanas a fio.

Mas havia algo desta vez, na determinação e nas palavras daqueles homens, que faziam o editor considerar que os tempos estavam mudando. E não necessariamente para melhor.

- O FBI está preocupado, senhorita Sheridan.

- Comigo? É muito lisonjeiro, agente Harrison. Mas como pode ver, retornei sã e salva de minha mais recente visita ao front europeu.

- Essa é a questão, senhorita – disse Smith. – Naturalmente o Bureau acompanha tudo que sai na imprensa, especialmente no tocante ao esforço de guerra, e as notícias das batalhas.

- E?

- E foi somente isso que a senhorita tem publicado em seus artigos recentes, desde sua viagem.

- Esse é o trabalho de um jornalista, agente. Ir até onde está a notícia, colher informações, de preferência em primeira mão, e escrever a respeito para o entendimento e deleite de seus leitores.

Os dois agentes se entreolharam, e Smith disse:

- O FBI sabe que esteve na Base Ouro, senhorita Sheridan. A principal unidade de Inteligência e desenvolvimento tecnológico dos Aliados na Europa.

- Esperava que eu revelasse alguns dos segredos com os quais travei contato ali? Sou uma jornalista responsável, agente Smith!

Os dois homens do FBI novamente trocaram olhares, e Valentina, sorrindo de forma atrevida, disse:

- É claro que vi coisas que sei que precisam ser mantidas em segredo, por enquanto! É o que qualquer profissional patriota faria! E sim, o que escrevi em meus artigos é somente uma pequena parte do que testemunhei em minha viagem!

- E o que mais aconteceu? – perguntou Harrison.

Valentina riu, descruzou e voltou a cruzar as pernas. A barra da saia subiu um pouco, revelando seus joelhos bem feitos, mas ela nem se importou. Recostou-se na cadeira, cruzando os dedos atrás da nuca, e tornou a passear com o olhar pelo escritório, demorando-se mais nos três homens. Sempre exibindo a expressão sedutora no rosto.

Maximillian engoliu em seco, aflito por ser deixado de lado daquela forma. E furioso pela garota continuar a fazer questão de provocar seus interlocutores. O editor sentia, por rumores que ouvira nos últimos tempos, que o relacionamento de muitos órgãos do governo com a imprensa vinha se deteriorando rapidamente.

- O que mais aconteceu, agente Harrison – finalmente Valentina começou a responder, depois de aparentemente se frustrar por seu charme não parecer afetar os homens – não vem ao caso.

- O diretor do FBI... – começou a falar Harrison.

Smith se virou para ele com expressão zangada, e Valentina se endireitou na cadeira, bateu palmas e disse, com um sorriso triunfal nos lábios:

- Pronto, Maximillian querido! Está aí a verdade!

Os dois agentes finalmente exibiram alguma alteração em suas expressões antes imutáveis. Valentina considerou que havia um nítido ar de surpresa em seus rostos, e decidiu que valia a pena aumentar sua perplexidade.

- Vocês do governo realmente acham que nós, jornalistas, não fazemos nosso trabalho, não é? Os autênticos entre nós, que sabem seguir pistas até onde está a informação, ao menos!

- Não entendo, senhorita Sheridan – disse Smith tentando se recompor.

- É muito simples, agente Smith! Seu diretor, o senhor Hoover, não gosta de não saber o que está acontecendo. E garanto a vocês, há muita, mas muita coisa mesmo que ele não sabe.

Ninguém comentou nada. Maximillian fazia sinais desesperados para Valentina se conter, mas a jornalista estava em seu elemento, e prosseguiu:

- Esta guerra está mudando a face do mundo, senhores! Novas tecnologias, armas secretas, segredos da natureza até então inimagináveis... As mudanças, como vimos recentemente no Brasil, estão ocorrendo em velocidade cada vez maior! Os nazistas não vão durar muito mais tempo e então, finalmente, o mundo despertará em um novo período de paz, e com desenvolvimentos até então não imaginados!

Valentina pensou que o Professor poderia muito bem ter pronunciado aquelas palavras, ou ao menos gostado delas. Sorriu, um sorriso de alegria e triunfo. Smith, por sua vez, respondeu:

- O diretor Hoover está interessado somente na verdade, senhorita...

- À custa de perseguir jornalistas e invadir redações?

- Como comentei com o senhor Scott, é um período de guerra, e devemos tomar todas as precauções. A verdade...

- Seu chefe, agente, é um político. Gosta de posar de defensor da lei, mas só se interessa por poder e política! E a verdade não depende da vontade política!

Os agentes ficaram calados. Valentina exibiu uma caprichada expressão de triunfo, e continuou:

- A verdade também é, na maior parte das vezes, inconveniente para os políticos! A verdade pode até, eventualmente, ser abafada, censurada, contida e acobertada. Até mesmo distorcida.

Os homens não se atreviam a dizer nada. Valentina havia tomado conta da situação, e concluiu:

- Sim, podem impedir que a verdade seja publicada, mas não por muito tempo. E a verdade, como qualquer jornalista sabe, só será autêntica se vier embasada em fatos. E qualquer fato, senhores, mais cedo ou mais tarde virá para a luz.

A repórter tornou a se sentar, sem olhar para eles. Mexeu em seus papéis, verificou as gavetas da mesa e fechou todas. Depois, ainda sem erguer os olhos, disse:

- Feliz Ano Novo, senhores, e boa tarde. A porta está ali.

Agora exibindo nítida frustração, os agentes tocaram levemente as pontas dos dedos em seus chapéus a título de cumprimento e se retiraram. Maximillian ainda ficou algum tempo no escritório, absolutamente pasmo com o que havia presenciado. Depois se virou para sair, ao que Valentina finalmente ergueu o rosto, olhando para ele.

- Querido Max, claro que o aviso sobre a porta não se refere a você. Fique, vamos conversar!

O editor olhou para a bela repórter, e a tensão ainda era nítida em seu olhar. Depois se descontraiu, e quase ameaçou sorrir. Lembrou-se do que a moça havia relatado a respeito de sua incursão no front de meses antes, mas mesmo ele não sabia de tudo. Ela havia prometido que um dia não só ele, nem os leitores do Tribune, mas o mundo todo saberia.

- Você ainda me mata do coração, garota!

Maximillian olhou para Valentina, e ambos trocaram finalmente o mesmo sorriso cúmplice. O editor saiu, fechando a porta atrás de si, enquanto a jornalista recostou-se novamente na cadeira, olhando para um pequeno quadro sobre a mesa.

Ela e Ricardo em Copacabana, antes da guerra mudar o mundo.

Valentina apanhou a foto e depositou um beijo sobre a imagem de Ricardo. Aquele era seu mundo agora, um mundo de segredos que somente eles e alguns poucos conheciam. Mas o que ela queria saber mesmo era quando veria novamente o homem de sua vida.



“Querido Ricardo”, iniciava a carta de Valentina que viera junto com o caderno, “Feliz Natal e um maravilhoso Ano Novo, meu querido!”.

Ricardo se surpreendeu ao abrir o pacote e reconhecer o mesmo diário que Valentina trouxera novo em sua visita de meses antes. Folheou as páginas e as encontrou totalmente preenchidas com a caligrafia caprichada da repórter, e surpreendeu-se com os desenhos e croquis que ocupavam algumas páginas.

Estava ali um relato completo da grande aventura em que eles mergulharam entre julho e agosto passados. A explicação para aquele caderno estar em suas mãos veio na carta anexa, datada de dez de dezembro.


“Tive que pedir muitos favores para fazer este pacote chegar a suas mãos em segurança. O ambiente aqui nos Estados Unidos está beirando a paranoia, muito provavelmente por causa daquele projeto secreto com energia nuclear. Eu soube até que o nome do Matheus foi comentado como um possível recruta para o projeto.

Sei também que muitos colegas têm sido seguidos e mesmo convocados para depor. Querido, nem parece que em agosto conseguimos uma vitória essencial para os Aliados e a liberdade! Claro, são muito poucas as pessoas que sabem a respeito. Informantes meus me disseram que J. Edgar Hoover está ficando maluco, pois seu acesso a essas informações confidenciais tem sido vetado. Logo ele, que tem dossiês sobre todo mundo.

E claro, eu tenho outro caderno cheio dos segredinhos íntimos e sujos dele...

Ainda estou organizando meus pensamentos a respeito do que vivemos, Ricardo. Foi tão incrível essa aventura, o cientista maluco, o Professor...  Mas o principal de tudo foi outra coisa.

Você.

E foi esse o segundo motivo de enviar o caderno a você. O primeiro, claro, para mantê-lo em segurança com alguém em quem eu sempre confiei. O segundo e principal, uma garantia.

A garantia que, não importa o que aconteça, iremos nos ver de novo.

Os acontecimentos que testemunhamos, e de que participamos, são grandes demais, querido! Muito grandes para um mero artigo de jornal, até mesmo uma série de artigos.

E claro, não são para esta época.

Mas algum dia, que eu espero que seja em breve, essa guerra vai terminar. E aí então o mundo poderá saber o que fizemos.

Já estou planejando um livro, o meu primeiro, sobre nossa grande aventura! E claro, se as lembranças estão ainda bem frescas em minha mente, de qualquer forma eu vou precisar do diário que está agora em suas mãos como apoio e fonte de informação.

E vou precisar ainda mais de você, meu querido.

Espero que fique bem, e que em 1945 finalmente essa guerra termine. Quero você, quero que fiquemos juntos, e vou lutar muito por isso.

Saudades.

Beijos.

Eu te amo, Ricardo Almeida.

Eternamente sua,

Valentina”.


Ricardo ficou olhando por um bom tempo para a carta, a letra dela, a marca do beijo depositado logo abaixo da assinatura.

Depois se demorou ainda mais na foto que, desde agosto, ocupava um canto de sua mesa, emoldurada em um pequeno quadro.

Ele e ela, juntos na praia em Copacabana.

O major foi até a janela. Uma esquadrilha de caças noturnos Mosquito estava decolando contra o céu multicolorido produzido pelo pôr do Sol. Foram seguidos por outro grupo com os D-84 também na versão de caça noturno, que patrulhariam os céus contra possíveis incursões do inimigo.

Aquele céu sempre evocava muito saudosismo em Ricardo. Sentia falta dos tempos mais simples, sem tantos segredos e responsabilidades.



Mas, naquele mundo que mudava tão rapidamente, ele se sentia seguro por existir ao menos uma constante em sua vida.

- Eu te amo, Valentina Sheridan – ele disse enquanto o Sol desaparecia além do horizonte.


As histórias de Céu de Guerra retornarão!

Lauren Bacall como Valentina Sheridan.

John Ridgely como Ricardo Almeida.

Para encerrar este ano de 2021 que para mim teve uma excelente notícia, o lançamento de meu terceiro livro, nada melhor que uma história inédita ambientada no mesmo universo deste. Espero que tenham gostado!

Quero novamente manifestar os maiores agradecimentos à Underline Publishing, que acreditou no projeto e publicou Céu de Guerra, um livro que já está sendo muito bem comentado pelos leitores!




Lembrando mais uma vez que Céu de Guerra está disponível, em e-book e como livro físico, na Amazon Internacional e na Amazon Brasileira.

E também na distribuidora Um Livro.

Aproveitando, deixo aqui também o vídeo completo do painel A estrutura do texto em prosa e verso, que aconteceu como parte do evento Conexões Atlânticas.


Finalmente, desejo a todos os amigos e colegas escritores muita imaginação, muita liberdade criativa, e muito sucesso. E para os leitores e todos que têm me honrado com sua companhia ao longo dessa história que todos escrevemos, chamada vida, um feliz 2022 com tudo de bom e do melhor!

Até a próxima!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

VÓ NENA E OS CAÇADORES: O JOGO DE NATAL


 

Dia 25 de dezembro, logo após o almoço na casa de Vó Nena. Tatiana ajudava lavando a louça. A velha Caçadora andava cansada depois de várias ocorrências nas últimas semanas que haviam exigido muito de todos eles.

A garota pensava nisso, e em tudo que acontecera nos últimos dias, quando alguém a abraçou por trás. Continuou ocupada com os talheres que estava enxaguando, enquanto Daniel a beijava no pescoço.

— Para, Daniel! Não quero agarramento na casa da Vó!

O rapaz ignorou seus apelos e prosseguiu com os carinhos. Tatiana colocou os talheres já livres do sabão para descansarem no escorredor, e apoiou as mãos na pia.

Permitiu-se sentir os beijos de Daniel, e como aquela proximidade e os carinhos lhe faziam bem. As caçadas das últimas semanas, mais os preparativos para as festas de final de ano, haviam tomado tempo demais de todos eles, e a vidente sentia falta dos momentos a sós com o namorado.

Ela não conseguiu mais resistir. Virou-se e abraçou Daniel, ao mesmo tempo em que o beijava ardentemente. Ficaram assim por um bom tempo, até que Tati o empurrou dizendo:

— Agora chega, preciso terminar de lavar a louça. Alguém poderia me ajudar, na verdade...

Jogou um pano seco para ele, e voltou a se dedicar a uma das travessas. Daniel, que mantinha um largo sorriso no rosto, suspirou e passou a secar os utensílios. Trabalhando em dupla o serviço foi logo terminado, e o casal voltou para a sala.

Vó Nena, que cochilava em sua poltrona, havia acabado de acordar. Samuel, irmão mais novo de Daniel, estava entretido com o celular em outra poltrona, em uma conversa online com amigos.

— E então, moçada? Se agarraram muito na cozinha?

Vó Nena fez a pergunta com voz séria, mas no momento seguinte já exibia um de seus raros sorrisos. Os dois namorados sentaram no sofá e Daniel foi logo dizendo:

— Imagina, Vó, a gente sabe que você gosta de tudo com respeito.

— Sei, sei, me engana que eu gosto, moleque!

Todos deram risadinhas, e Tatiana deu um beliscão no braço de Daniel. A Caçadora, então, perguntou:

— Tati, desde que chegou pro almoço estou notando que tem alguma coisa estranha. Sentiu algo diferente por aí, minha querida?

A expressão da jovem vidente, que antes era sorridente, ficou visivelmente mais tensa. Surpreendeu-se por Nena haver reparado naquela sombra que tentava esconder. A princípio considerou que não era nada, mas agora, diante do questionamento da Caçadora, sentiu a dúvida tomar seus pensamentos.

— Vó, acho que não é nada... coisas que ouvi a noite passada em casa, na festa da família.

— Quer contar pra gente, Tati?

O tom de Vó Nena era de incentivo, como ela usava muito raramente com os próprios netos. Tinha muito carinho pela jovem vidente, neta de Esmeralda, sua grande amiga e companheira de caçadas, de quem Tati havia herdado o dom.

A moça respirou fundo, olhou para os demais, inclusive para Samuel que passou a acompanhar a conversa com interesse, e finalmente iniciou seu relato.


Noite do dia 24 de dezembro, e a família estava toda reunida na casa dos pais de Tatiana. Alice e Valdemar haviam passado as últimas semanas organizando tudo, e a jovem auxiliava no que podia.

Seu irmão mais velho, Thales, estudava e trabalhava em São Paulo, mas havia conseguido uma folga do emprego e também viera para a reunião de família.

Tatiana sempre adorou o Natal, mas depois que sua avó morreu a festa perdera muito de sua graça para ela. Por cima, vários tios e primos costumavam falar demais e a dizer coisas que realmente a enfureciam. Nos últimos anos ela preferia passar a maior parte do tempo na cozinha, ajudando a mãe.

— Já terminou outra fornada de bolinhos de bacalhau, filha? – perguntou Alice.

Sua mãe provou um, saboreando o recheio branco e macio dentro da casca crocante. Segurou o braço de Tatiana e lhe deu um beijo na face, dizendo:

— Você está cada vez melhor, minha filha! Está igualzinho ao que sua avó fazia!


Tatiana a olhou nos olhos e não disse nada, mas seu sorriso transmitiu o que pensava naquele momento. Terminou a fornada, deixou os bolinhos secarem um pouco e os arrumou na bandeja. Sua ideia era que sua mãe os levasse para a sala, porém ela estava ocupada. A vidente suspirou, tirou o avental e carregou os bolinhos enquanto comia um deles.

Colocou a bandeja na mesa encostada junto à parede da sala. Espalhados pelas poltronas, cadeiras e sofás, vários parentes conversavam em uma cacofonia de vozes. Tio Ildefonso, que estava mais perto, a chamou.

— Tatiana, você que está fazendo os bolinhos? Estão ótimos, parecem os da sua avó Esmeralda! Já pode casar, menina, bela cozinheira está saindo!

— Você não sabe, Ildefonso? – perguntou tia Miriam. – Tati está namorando o neto da Nena.

— Da Nena? Aquela benzedeira, feiticeira, sei lá o quê?

— Tati sempre teve gosto por esquisitos, não é? – riu o filho de Miriam, primo Benício.

A vidente simplesmente virou as costas e voltou para a cozinha. Teve que fazer um esforço supremo para não mandar aqueles parentes a um lugar bem desagradável, ao estilo de Vó Nena. Ainda deu graças pela juíza Arlete, que sempre aparecia na véspera de Natal “em nome dos bons tempos quando nossas famílias eram mais unidas”, como sempre dizia, nesse ano somente telefonou dizendo estar gripada.

— Meu amor, você está bem?

Era Valdemar, seu pai. Tatiana o abraçou, e eles ficaram alguns momentos assim. A moça depois esfregou um olho onde uma lágrima ameaçou surgir, enquanto ele dizia:

— Não ligue pra eles, querida. Sabe como é essa gente fofoqueira.

— Se eles não sabem respeitar os outros, talvez a gente devesse organizar festas de Natal menores.

— Ah, meu amor, às vezes sonho com isso! – suspirou Valdemar. – Mas família é sinônimo de obrigações, não é mesmo? Falando nisso, Daniel vem?

— Não, também está ajudando a mãe dele, e depois leva Vó Nena em casa. Amanhã vou lá almoçar.

— Faz bem, minha querida. E não se deixe abalar por nada, combinado?

Tati fez que sim, e voltou para seu refúgio na cozinha.

Depois da ceia aconteceu a troca de presentes, e para variar Tatiana gostou dos que recebeu. Enquanto se preparavam para abrir o champanhe perto da meia-noite, a garota reparou na conversa entre Benício e seu irmão mais novo, Enzo.

— Depois que nos mudamos achei que tivesse perdido, mas encontrei no sótão semana passada. Como sei que sempre gostou, fica pra você.

— Nossa! Masmorras e Monstros, sempre quis jogar!

O mais novo abriu a caixa e examinou detidamente as figuras, dados e finalmente abriu o livro de regras. O mais velho sorriu e disse:

— Essa semana fui ao sebo do velho Hugo e achei um velho livro de feitiços, então combinei com uns amigos para jogarmos amanhã.

— Posso ir?

— Se conseguir criar um personagem bom até amanhã, vamos ver.

— Oba!


— Eu acabei acompanhando a conversa – descreveu Tati a Vó Nena e aos garotos. – E vi o livro que Benício disse ter comprado no sebo do Hugo. O título era Resumo de Feitiços para Encantados, algo assim.

— Ah, não, o Hugo não pode ter feito uma merda desse tamanho!

Todos olharam para Vó Nena, e a Caçadora prosseguiu:

— Filha, o título desse livro é Resumo de Feitiços e Recitais para Encantados. Um dos mais conhecidos entre os Caçadores, e pra variar um dos que os merdas da censura decidiram tirar de circulação durante a ditadura de 1964.

Nena comentou que o livro fora lançado no final dos anos 1950 em pequena tiragem, e se tornou muito valorizado entre a comunidade dos Caçadores por, entre outras coisas, descrever onde estão os portais conhecidos para realidades demoníacas, seres do folclore pouco conhecidos e outros elementos que o governo considerou perigosos demais.

— Pelo que lembro de ouvir, até do Livro Maldito e do grupo secreto de D. Pedro II esse livro fala – completou Vó Nena. – Caralho! Se for mesmo e os moleques ficarem brincando de feitiçaria, sabe-se lá que porra pode acontecer!

— E o que vamos fazer, Vó? – perguntou Daniel.

— Você e Tatiana descubram onde os moleques vão jogar, ou sei lá o quê essa juventude faz hoje em dia. Eu e Samuel vamos ver o Hugo.


Havia algumas livrarias e sebos, espalhados por todas as regiões do Brasil, que eram assiduamente frequentadas pelas pessoas envolvidas com as forças místicas, os Encantados e os monstros invasores tais como vampiros, Krampus (principalmente nas semanas anteriores ao Natal) e outros. Dirigidos por antigos Caçadores ou por pessoas iniciadas em tais mistérios, esses lugares costumavam ser um depositório seguro para saberes antigos, arcanos e proibidos, que os combatentes do lado da luz buscavam sempre que precisavam de informações sobre como vencer as trevas.

No estado de São Paulo os mais conhecidos eram o Sebo do Tobias na capital, e o Sebo do Hugo em Boa Graça. Foi diante deste que Samuel estacionou o Fusca Azul, e ele e Vó Nena desceram. A anciã tocou várias vezes a campainha, mas ninguém vinha atender.

— Hugo, cacete! Deve estar se embebedando de novo! Essa porra de época, também, não ajuda!

— Ele não gosta do Natal, Vó?

— Quando criança, no sítio do pai dele, vampiros atacaram bem na noite de Natal, meu filho. Felizmente os Caçadores chegaram, mas mesmo assim vários parentes morreram. Foi um custo para não espalhar a história, e Hugo resolveu virar Caçador. Trabalhou um tempo com o Tobias lá na capital, e acabou abrindo uma livraria aqui também.

Nena tocou de novo a campainha ao mesmo tempo em que prosseguia:

— Natal não é só alegria, meu neto. Muita gente fica deprimida nesta época, e muitos monstros se aproveitam dessas energias negativas.

A tarde estava ensolarada para o lado da cidade do qual tinham vindo, céu azul com nuvens. Porém, do outro lado, Samuel reparou em outra coisa.

— Vó, aquelas nuvens escuras não estão muito esquisitas?

A Caçadora olhou e o rapaz viu uma expressão de alarme em seus olhos. Nena respondeu:

— Esquisita é apelido. Vem cá, usa uma das chaves pra abrir essa porra de porta. Precisamos entrar!


No porão da casa de Alessandro, o amigo de Benício, cinco garotos participavam do jogo.

A mesa em torno da qual se sentavam era ocupada no centro pelo grande tabuleiro tomado por peças, dados e miniaturas dos personagens. Ao redor estavam dispostos livros e cadernos onde anotações eram feitas, e próximo a cada um dos participantes havia latas de refrigerante e potes de salgadinhos.


Benício estava lendo o livro que comprara, do qual muito se orgulhava.

— Lahspel gurrichtsch b´lzah! Aprimo portalis fortius! Uzhah ba mo rakh ni!

Os demais acompanhavam com atenção. Enzo havia trazido o amigo Miguel, e os dois de 12 anos eram os mais jovens do jogo. Os demais tinham entre 15 e 16 anos.

Seu irmão repetiu mais uma vez a leitura, e por fim jogou os dados. Alessandro, que morava na casa e era o melhor amigo de Benício, consultou suas anotações e o manual do jogo, e disse:

— Você conseguiu abrir o portão! Cuidado, estão entrando na fortaleza dos duendes!


Porém, nesse momento, algo inesperado aconteceu. Uma fortíssima explosão de luz veio da parede lateral, ofuscando-os por alguns momentos. Quando puderam olhar de novo, não conseguiram acreditar.

— Mas o que é isso?

— Essa coisa já estava aí?

— Que raios...

Na parede havia surgido uma abertura. De fato, o círculo negro cujas bordas pareciam girar lentamente não parecia atravessar a parede, e sim ocupar o mesmo espaço desta. A realidade havia se aberto, e aquilo era uma porta para outro lugar.

Cecílio, amigo dos dois rapazes mais velhos, se levantou e andou até a coisa. Os demais, depois de alguns instantes, o seguiram. O garoto ficou parado a centímetros do círculo, olhando fascinado para a abertura escura.

Olhou para os demais, sorriu, e subitamente pulou para o círculo.

Os demais gritaram, e segundos depois o amigo estava de volta.

— É incrível! Não sei como, mas parece o jogo! É como participar da aventura de verdade!

Os outros hesitaram, e Cecílio disse:

— Vão amarelar, é?

Ainda hesitantes, viram o rapaz voltar a cruzar a estranha abertura. Um a um eles terminaram por segui-lo.

Uma coisa que eles não haviam percebido riu e mergulhou no portal atrás deles.


A casa de tia Miriam ficava do outro lado da cidade, e foi um custo para a mulher encontrar o endereço do amigo de Benício. Por cima ela insistia o tempo todo em querer conversar sobre Daniel, que Tatiana pediu que esperasse no carro.

— Mas você trouxe esse rapaz, neto da feiticeira, bem aqui em casa, Tati? Menina, o povo fala coisas daquela velha que você nem imagina! Tem certeza que quer mesmo isso pra sua vida, meu amor? Não basta sua avó Esmeralda, o desgosto que deu pra família...

Eram bem poucas as coisas que irritavam Tatiana. Uma delas era alguém falar daquele jeito de sua avó, que ela absolutamente idolatrava. Sua mãe e poucos parentes sabiam a verdade e tinham orgulho dela, mas o restante da família nunca a perdoara pelas escolhas que fizera.

Miriam quase se arrependeu das palavras assim que terminou de falar. A mulher poderia jurar que nunca havia visto a sobrinha com tamanho ódio e desprezo no olhar.

Para Tatiana o que se seguiu foi quase involuntário. Sua faculdade despertou fora de seu controle, movida pela raiva que sentia, e penetrou como um raio na mente da tia enxerida. A vidente tomou contato com lembranças que depois desejaria jamais ter conhecido, e finalmente viu a casa do amigo do primo.

Aquilo durou um instante. A tia fofoqueira puxou o celular e disse o endereço do amigo de Benício. Quando terminou e ergueu o olhar se surpreendeu por ver que Tatiana já havia descido a pequena escada que separava a porta do portão gradeado.

Sem dizer mais nada a jovem vidente entrou no Dodge Charger branco. Daniel ligou o motor V8 que roncou alto, e o carro desapareceu depois de arrancar cantando pneus.

— Essa aí puxou mesmo a Esmeralda, esquisita que nem ela. Nem um obrigado, ingrata! – disse Miriam.

A mulher fechou a porta, e o pensamento de por que tamanha urgência de Tatiana em encontrar Benício sequer passou pela sua cabeça.


A livraria de Hugo era guardada, como boa parte dos lugares similares espalhados pelo Brasil, com feitiços de proteção. Mas havia bem poucos destes que Vó Nena, ela própria uma lenda na comunidade dos Caçadores, não conhecia.


Entraram graças ao encanto que ela recitara e a chave mestra, e tiveram que acender as luzes, pois mesmo por fora da casa era possível ver livros através das janelas, obstruindo a entrada da luz natural. A penumbra reinante no interior ainda continha um clima pesado que pessoas de sensibilidade alterada como os Caçadores conseguiam captar. Embora a maior parte dos livros fosse exatamente como se poderia esperar em qualquer livraria, a quantidade de grimórios e outros tomos místicos, encantados e blasfemos bastava para criar uma atmosfera carregada.

Passaram pelos estreitos corredores formados pelas estantes abarrotadas de livros de todas as épocas, tamanhos, assuntos e estados de conservação. O cheiro de pó e papel velho tomava conta do sebo, e ainda deveriam tomar cuidado com um e outro volume jogado pelo chão.

Vó Nena se tranquilizou ao ver que o estado da livraria era o mesmo que lembrava desde a mais recente visita, poucos meses antes. Temia que na verdade o lugar houvesse sido vasculhado e desarrumado.

— Vó, aqui! – disse de repente Samuel.

O neto mais novo da Caçadora havia encontrado Hugo caído no escritório dos fundos. O livreiro era gordo, já havia passado dos cinquenta anos, e sua cabeça calva era contornada por uma coroa de cabelos compridos. A barba por fazer e as roupas amarrotadas comprovavam que estava ali há um bom tempo.

— Arre, e que bafo desgraçado! – comentou Nena.

A Caçadora foi até a cozinha, que estava uma bagunça, e conseguiu encontrar uma caneca grande de metal. Encheu-a de água, retornou ao local onde o livreiro jazia, e despejou o conteúdo de uma só vez sobre seu rosto.

O efeito foi imediato. Hugo despertou, sentou-se no chão e se mostrou muito agitado. Nena disse:

— Sou eu, Hugo, vê se levanta devagar, porra!

Depois de alguns instantes o livreiro fixou o olhar nela, reconheceu-a e disse:

— Vó Nena... o que tá fazendo aqui? Ah, cacete, que dor de cabeça...

— Depois de toda a pinga que andou bebendo deve dar graças por estar só com dor de cabeça da ressaca!

Em alguns minutos Hugo conseguiu se colocar de pé. Samuel havia aproveitado para consultar o computador, e descobriu a venda que estavam procurando. Mostrou-a para a avó, que ficou ainda mais furiosa e disse ao livreiro:

— Hugo, sua besta, você vendeu antes de ontem um Resumo de Feitiços e Recitais para Encantados pro primeiro moleque que apareceu na sua livraria?

O livreiro veio aos trambolhões, ainda sem muito equilíbrio, para junto da máquina. Samuel o ajudou a se sentar na cadeira, e ele demorou um tempo bem maior que o normal para entender o que via na tela. Depois, já cansado das seguidas broncas da Caçadora, respondeu:

— Ah, nem vem! Você sabe que os negócios estão complicados pra todo mundo!

— No mínimo já devia ter tomado umas e outras, né?

— Tinha sim, e isso não é da sua conta! O moleque veio e ofereceu uma boa grana pelo livro.

— E como já estava de porre nem pensou nas consequências, né, seu porra-louca?

— Escuta aqui, ô velha, você não manda em mim nem em como eu comando meu negócio...

Hugo ergueu o indicador enquanto dizia essas palavras, mas no instante seguinte se arrependeu amargamente. Ele então se deu conta, mais uma vez, do que essa mulher representava para todos que caçavam monstros, assombrações e aberrações Brasil afora. E acima de tudo, de como não era nem um pouco recomendável contrariá-la.

Nena deu um passo, ficando bem próxima de Hugo. Apontou a bengala de pau-brasil, que um dia pertencera a sua grande amiga Esmeralda, para ele, e disse com voz controlada:

— Escute você, moleque, apesar de ter passado bem da idade de ser chamado disso. Não enfrentei os piores monstros, seja Encantados, aberrações ou humanos mesmo, para deixar qualquer um falar assim comigo. Gosto de você, Hugo, gosto mesmo. Você aprendeu muito com o Tobias, que Deus o tenha, e montou esta loja aqui que tem sido uma mão na roda pra muita gente. Mas nunca mais, nunca mais fale comigo desse jeito.

A forma como Nena pronunciou o segundo “nunca mais” fez Hugo sentir arrepios até a medula dos ossos. Não, na verdade até a alma. A Caçadora prosseguiu:

— Sei o que aconteceu com você no passado, bem nesta época do Natal, e sempre me admiro pela forma como tirou algo positivo dessa tragédia, se tornando um Caçador. Você já ajudou muita gente assim.

Vó Nena baixou a bengala e concluiu:

— E vai continuar ajudando. A partir de agora, toda semana eu vou vir aqui e você vai me prestar contas. Samuel, este meu neto, é bom de informática e matemática, e vai te ajudar a colocar as contas em dia.

Samuel concordou com um aceno de cabeça, e a um sinal da anciã se dirigiu para frente da livraria. Nena o seguiu, mas após alguns passos se virou e acrescentou:

— E quero ver este lugar limpo e arrumado, começando por aquela porra de cozinha. E aí de você se eu encontrar uma garrafa de pinga nesta casa!

— Sim senhora – respondeu Hugo com a voz trêmula.

Depois que o livreiro ouviu o ronco do motor do Fusca Azul se afastando, a primeira coisa que fez foi juntar todas as garrafas de bebida em um canto. Preferia se livrar delas o mais depressa possível, ou enfrentar uma horda de corpos-secos, do que encarar novamente a fúria que viu no olhar daquela mulher.


— Vai Enzo, atira logo!

Miguel, espada em punho, se esquivava dos botes da cobra enorme, de ao menos vinte metros de comprimento. Com habilidade já havia conseguido atingir o monstro, abrindo profundos cortes na cabeça e no pescoço. Sangue negro escorria das feridas, mas a coisa continuava a atacar.

Enzo, arco tensionado, tentava fazer mira, mas sempre era interrompido quando a luta colocava seu amigo entre ele e a serpente.

Os dois mais jovens do grupo estavam em uma câmara redonda, repleta de esqueletos de animais e de gente também. Eles haviam sido atraídos para lá pelo brilho das muitas joias incrustradas nas paredes, mas descobriram que aquilo era na verdade um poço de sacrifícios.

Os cinco haviam penetrado na grande torre juntos, mas paredes deslizantes os haviam separado. A dupla de ladrões, entretanto, estava se saindo bem, tendo repelido primeiro um ataque de mortos-vivos (que Miguel chamou de corpos-secos) e depois fugido de um grupo de duendes que gritava e brandia espadas.

— Enzo, rápido!

Miguel gritara de novo, e no momento seguinte, atingido pela cauda da serpente que chicoteava ininterruptamente no ar, caiu. A espada escorregou de sua mão e deslizou além de seu alcance, e o garoto ficou a mercê dos imensos dentes da cobra, de onde pingava um líquido esverdeado que ele sabia ser veneno.

Nesse momento uma flecha atingiu o pescoço da cobra. Ela sibilou e afastou-se, encostando-se em um adorno de madeira pendurado na parede. Enzo disparou mais duas flechas, que pregaram a cabeça ensanguentada na madeira.

Miguel correu, apanhou a espada, e deu um, dois, três golpes no pescoço do monstro. A cabeça permaneceu pregada, enquanto seu corpo decapitado ainda se moveu em estertores antes de ficar imóvel.

Os dois amigos se sentaram na entrada do túnel, ofegantes. Olharam um para o outro, começaram a rir e bateram as palmas das mãos sobre suas cabeças.

— É isso aí! Que jogo que seu irmão conseguiu!

— Isso é incrível! Mas onde será que estão os outros?

Gritos de duendes vindos desde a entrada do túnel os alarmaram. Eles se aproximaram e viram aqueles seres nojentos correndo em direção a uma grande porta. Gritos que vinham daquela câmara finalmente assumiram tons que eles conseguiram reconhecer.

— São os outros! — disse Miguel.

Enzo apanhou algumas das flechas que havia usado, e que poderia reutilizar, colocou-as na aljava e disse:

— Vamos lá!


Eulália e Orfeu, pais de Alessandro, hesitavam em responder a perguntas sobre o filho. Só confirmaram que estava no porão jogando com amigos, mas nem pensavam em permitir que Daniel e Tatiana entrassem.

— Que raio de história é essa!? Como querem entrar assim, na minha casa, sem mais nem menos?

O Fusca Azul estacionou na frente do Dodjão branco, e Vó Nena se encaminhou para a entrada da casa.


— Essa aí eu conheço! – disse Eulália. – A bruxa da Nena!

— Bruxa é o caralho! – disse a Caçadora. – Até já entendi o que está acontecendo. Mas vou fazer uma pergunta: já tentaram entrar lá onde estão os meninos?

O casal trocou olhares espantados, e finalmente Orfeu entrou para verificar. Nem um minuto depois voltou esbaforido e com ar de preocupação:

— Não consigo abrir a porta do porão!

Tatiana fechou os olhos por um instante e sentiu a escuridão que emanava daquele lugar. De um tipo estranhamente familiar, mas ainda assim amedrontadora. Além disso nuvens escuras estavam se formando acima daquele bairro, o mais a nordeste de Boa Graça.

Samuel veio, e lançou um olhar para o meio da rua de pouco movimento. As duas faixas de tráfego eram separadas pelos trilhos abandonados da antiga ferrovia, a mesma que atravessava o Morro dos Uivos e passava nos fundos do Casarão da Rua das Dores, os dois locais mais mal-assombrados de uma cidade que já tinha fama de abrigar uma enorme coleção de assombrações e monstros de todo tipo.

Nena olhou o casal exibindo a mais tranquila das expressões na face experiente. Depois, com muita calma, disse:

— Se valoriza a vida daqueles garotos, vai nos deixar entrar agora.


A porta do porão realmente não queria abrir, por mais que forçassem a maçaneta. Nena, conhecedora dos encantamentos mais obscuros, tinha certeza de poder abri-la. Mas a questão era quem deveria entrar para auxiliar os garotos.

— O filho da puta responsável por essa zona com certeza é algum coisa-ruim capaz de alterar a percepção das pessoas.

— Tem que ser eu então – disse Tatiana.

— Eu vou também – disse Daniel.

— Tenham cuidado, garotos – comentou Nena. – Se os sinais que percebi, e as energias que você sentiu, minha filha, estão certos, vocês podem usar sua concentração e imaginação para lutar contra isso. Mas a abominação sempre pode manipulá-los, ainda mais com as energias que correm por aqui.

A Caçadora sussurrou um encantamento ao ouvido de Tatiana, quando batidas na porta chamaram a atenção de todos. Além disso estava tudo escuro, tanto que precisaram acender as luzes. Eulália olhou pela janela lateral e deu um grito.

— Pelo amor de tudo quanto é sagrado! Um cavalo com a cabeça pegando fogo!

— O puto ainda está fraturando a realidade, deixando os demônios passarem! – disse Vó Nena.

A anciã fez Samuel virar e, da mochila que o neto carregava nas costas, tirou a peixeira que decapitou Lampião. O rapaz, por sua vez, examinou a balestra que carregava, verificou que a aljava dentro da mochila estava cheia de flechas, e junto com a avó se encaminhou para a porta.

Barulho de motor, de batidas e urros e uivos pavorosos diziam que mais coisas estavam acontecendo.

— O Fusca já está combatendo as mulas-sem-cabeça – disse Samuel. – A assombração dele odeia esses monstros.

Diante da dona da casa, os dois abriram a porta e se lançaram ao combate.

Orfeu, por sua vez, viu Tatiana recitar os versos ensinados por Vó Nena. A um sinal da vidente Daniel pôs a mão na maçaneta e a porta abriu. O casal desapareceu por ela no mesmo instante.


Cecílio, o amigo de Alessandro e Benício, se mostrou muito hábil no manejo de machados. Com eles desmembrava, decapitava ou dividia em dois qualquer dos duendes que se aproximasse. Ele empunhava também um escudo, mas contra a clava manejada pelo troll enorme que acompanhava os monstros menores não se arriscava.

Quando o gigante de ao menos três metros de altura penetrou na câmara, ele e os amigos ficaram na defensiva. Benício, com uma espada em cada mão, matava duendes ao mesmo tempo em que se esquivava do monstro. Já Alessandro, que estava mestrando o jogo, tentava não ser atingido enquanto se atrapalhava com o grande chapéu pontudo e o cajado de mago, mais uma espada com que se defendia das hordas de duendes.

Haviam entrado naquela câmara procurando pistas para a sala do trono da imensa torre, onde encontrariam o grande inimigo e o prêmio. Cada um deles gritava para o outro, mas pouco podiam fazer além de se defender dos monstros.





Subitamente, os duendes passaram a ser mortos por flechas disparadas de fora da câmara. Barulho de cascos alarmou a todos, e então uma carroça puxada por dois cavalos entrou velozmente, arrebentando o que restava do portão. Miguel conduzia o veículo, enquanto Enzo manejava um aparato giratório sobre a carroça que atirava flechas em sequência. Os três garotos maiores se abaixaram, e os duendes foram mortos à profusão por inúmeras flechadas.

O troll, muito mais lento, tentava atingir a carroça mas errava todos os golpes. Enzo fez mira e disparou uma saraivada de flechas no gigante, que por fim, sangrando abundantemente pelas inúmeras feridas, balançou várias vezes enquanto gemia de dor, e por fim caiu morto com estrépito.

Os meninos pararam a carroça e desceram. Os demais se ergueram ainda trêmulos, contemplando a câmara repleta de cadáveres dos inimigos.

— Cacete, o que está acontecendo?

Alessandro não sabia o que mais dizer. De repente todos começaram a falar ao mesmo tempo, os meninos menores animados com aquele jogo tão real, enquanto os demais só queriam discutir como sair dali.

— Calem a boca! – disse Cecílio. – Não enxergam o que está acontecendo? Deve ter sido aquele livro esquisito do Benício! Bem que eu falei pra não ir naquele sebo, ali só dá os malucos que falam de lobisomem, vampiros e essas besteiras.

— “Besteiras” que agora você tem matado com gosto, não é? – questionou Benício.

Cecílio ergueu um machado ameaçadoramente em direção ao outro, que respondeu pondo a espada em riste. Alessandro se pôs entre eles dizendo:

— Antes de descobrir o que está acontecendo temos é que sair daqui!

— Ah, falou o mestre do jogo! – ironizou Cecílio. – Belo mago que não ajudou em nada! Está pensando que ainda está no comando?

— Eu estou no comando! – disse subitamente uma voz cavernosa que vinha de todos os lugares e de nenhum. – Vocês, guerreiros, derrotaram minhas legiões, com o que provaram seu valor! Agora devem vir até mim para nosso épico confronto final! Sigam as tochas!

Um forte vento soprou, e os cinco amigos viram no corredor fora da câmara uma tocha se acender na parede. Caminharam até lá e constataram que, metros adiante, havia outra tocha acesa e assim sucessivamente. Eles se entreolharam e, sem opção, seguiram a trilha luminosa.


Assim que atravessaram a porta, o que deveria ser um porão atulhado se revelou como algo completamente diferente para Tatiana e Daniel. Ambos se viram entre os muros do que deveria ser uma fortaleza, e diante deles uma torre muito alta construída em espiral.

Tatiana olhou para o namorado e viu que suas roupas haviam mudado. Vestia uma capa escura sobre uma blusa de tecido verde, calças de tecido enfiadas em botas de couro, e carregava no cinto espadas e adagas de variados tamanhos.

Então percebeu que Daniel sorria e a olhava com evidente satisfação no olhar. A vidente então percebeu que vestia somente um biquíni de couro coberto com detalhes metálicos redondos, botas, uma capa vermelha e de seu cinto pendia uma espada do quadril esquerdo, e uma longa adaga no direito.


Olhou para Daniel, que ainda sorria, e disse:

— O senhor anda imaginando muito, hein? Pois eu vou começar a ver você com uma sunguinha de bárbaro, pode ser?

Daniel ficou sério, e no instante seguinte as roupas de Tatiana mudaram. Agora usava uma blusa de couro com alças e sem mangas e calça justa de tecido. O restante não havia mudado.

— Bem – disse Daniel. – Estamos prontos, ou é o que parece.

— Ahã, sei.

— Os guris devem estar nessa torre, acho que só nos resta escalar.

O casal olhou ao redor, estranhando não haver guardas. Tati ainda observou sobre a amurada, e na antiga cidade lá embaixo não havia ninguém. Os dois, então, iniciaram a subida.

Avançaram devagar, por vezes usando suas armas para se apoiar melhor e obter mais apoio.

— Como é mesmo aquela frase? – perguntou Tatiana em meio ao esforço de escalar a torre. – Dois tolos que zombam da morte?

— Quando você assistiu a esse filme?

— Ah, vá! Com o que lidamos ao lado de Vó Nena eu não ia ter interesse em filmes de magia, espada e bruxaria? Melhor do que perder tempo com vampiros românticos que brilham, eu, hein?



Depois de passar por corredores, pontes sobre abismos, mais corredores, outras pontes e inúmeras portas, finalmente os cinco amigos pararam diante de um enorme portão. Artisticamente esculpidas nas barras de ferro havia figuras de pesadelo, fogo, grandes batalhas e bem no centro, uma aldrava composta por uma caveira segurando uma argola.

Como ninguém se prontificava, Alessandro terminou por bater.

O portão enorme se abriu rangendo, dando passagem para o que parecia um imenso salão às escuras.

A companhia entrou de armas em punho, alertas contra tudo. Estranhavam que, ao longo de todo o caminho, não haviam cruzado com nenhum outro inimigo, monstro ou ser.

— Finalmente chegaram!

A voz, como da outra vez, se fez ouvir de todos os lados. Uma luz surgiu à esquerda deles, e quando se voltaram para aquela direção raios de luz os atingiram e fizeram com que derrubassem as espadas, arcos, adagas e machados.

— Não, não! – berrou Benício.


Samuel disparava flecha atrás de flecha. Os vampiros e corpos-secos que haviam invadido o bairro atraídos pela escuridão caíam em grande número.

Vó Nena recitava feitiços e atingia alternadamente um e outro monstro com a bengala e a peixeira, buscando abrir frestas nas nuvens escuras. Quando conseguia, a luz natural que penetrava queimava os vampiros instantaneamente.

Quem vinha sendo de grande valia era o Fusca Azul. O carro assombrado, que havia involuntariamente sido a origem da infame brincadeira de trocar socos, ia de lá para cá na rua, dando cavalos-de-pau e atropelando as mulas-sem-cabeça e os outros monstros sem hesitação.


Vampiros e corpos-secos já haviam sido todos mortos ou fugido, e somente as aberrações quadrúpedes continuavam surgindo dos rasgos místicos na realidade.

— Cacete – disse Vó Nena. — Quanto tempo mais isso vai durar?


Daniel matava duende atrás de duende, enquanto Tatiana buscou um local mais elevado para se concentrar. O namorado a protegia, evitando que aquelas aberrações repugnantes se aproximassem.

A vidente descobriu uma direção geral, mas ainda insistia com suas faculdades, buscando mais detalhes.

Um duende subiu pelo outro lado, fora da atenção de Daniel, empunhando sua espada tosca mas mortífera.

O monstro lambeu os lábios secos em expectativa e ergueu a espada.

Foi decapitado pela espada de Tatiana um instante depois. A moça, claramente furiosa, se adiantou ao namorado gritando:

— Eu estou tentando me concentrar, suas pestes!

Lançou-se ao combate para espanto de Daniel, que finalmente a seguiu. Quando terminaram suas espadas gotejavam sangue negro, e eles se entreolharam.

Os dois se beijaram ardentemente a seguir. Depois Tatiana apontou:

— Eles estão lá, vamos rápido!


— Não, não – continuava Benício a gritar e choramingar.

O grande inimigo diante deles era enorme. Maior que o troll que enfrentaram, tinha um rosto animalesco, grandes chifres que ladeavam um boné vermelho, patas de bode e um corpo peludo e musculoso.

— Vocês não foram bons este ano, garotos, e agora vão pagar – rosnou a criatura.

Alessandro, Enzo e Miguel tornaram a apanhar suas armas, enquanto os outros dois pareciam paralisados de terror.

O monstro andou na direção deles, e os três, embora trêmulos, mantiveram as armas em riste.

— Acham mesmo que podem me vencer com essas armas ridículas?

— Não, mas podem te vencer com a força da mente.

Todos se viraram. Tatiana e Daniel haviam acabado de entrar, e a vidente prosseguiu:

— Garotos, não se deixe enganar. Essa coisa aí não é o que estão vendo.

— Como assim? – berrou Alessandro. – Estamos vendo o Krampus bem ali! Benício, Cecílio, parem de choramingar como maricas e venham ajudar!


Os dois continuavam caídos quase aos pés do monstro, que se aproximou mais deles e estendeu a mão monstruosa em sua direção.

— Ah, o pavor... não há coisa mais doce! É alimento para mim! Sim, tenham medo!

Daniel se cansou de esperar. Atacou, acertando vários golpes no monstro com sua espada. Ele rosnou, e deu seguidos golpes com a mão grotesca cujos dedos terminavam em garras afiadas.

Os três garotos criaram coragem, e passaram a também atacar a coisa. Tatiana se aproximou dos outros dois, ainda prostrados no chão, e disse:

— Essa coisa, garotos, não é o Krampus! É outra aberração, uma que se alimenta da imaginação e do pavor de vocês. E também das energias que fluem nesta época, acho que sabem que muita gente se sente muito mal durante as festas de final de ano!

Cecílio estava apavorado demais para responder, mas Benício finalmente abriu os olhos e pareceu demorar para reconhecê-la. Finalmente arregalou os olhos e disse:

— Prima Tatiana!?

— Eu mesma!

Ela puxou o outro garoto e o sacudiu.

— Vamos! O medo está só na sua mente! Se você o combater irá enfraquecer a coisa!

Cecílio lentamente abriu os olhos. Olhou para a moça com ar inseguro, ainda tentando se proteger com os braços.

— Tati, melhor andar rápido! – gritou Daniel depois de cair diante de um golpe do monstro.

— Todos vocês! — A vidente gritou ao se pôr em pé. – Essa coisa não é o que parece! Nem tem esse tamanho todo! Vocês precisam esquecer o medo, só assim podem combatê-lo! Tudo isto é produto dele, ele tem o poder de alterar a percepção de qualquer um nas proximidades! Usem sua imaginação e sua razão, e não tenham medo!

O ambiente ao redor começou a tremer e a quebrar. Rachaduras luminosas percorriam não só as paredes, mas todo o espaço daquele universo de pesadelo onde estavam.

O monstro reagiu, redobrando seus ataques. Cecílio, subitamente, agarrou um machado e partiu para cima da coisa gritando. Os garotos menores corriam pra lá e pra cá, golpeando-lhe as patas, enquanto Alessandro e Cecílio o distraíam com golpes alternados, avançando e recuando.

— Mas prima... como isso é possível? – perguntou Benício se pondo ao lado de Tatiana.

— Muita coisa que você acha que é somente lenda urbana ou folclore existe de verdade, Benício. Depois te explico, mas primeiro você precisa se esforçar!

Os dois primos se entreolharam por um instante. Subitamente o monstro, tendo afastado os atacantes, avançou contra eles. Tatiana ergueu a espada, e Benício recolheu a sua do piso.

Mas não precisaram fazer mais nada. Daniel, tendo subido a um patamar mais alto, se lançou no ar. A coisa ainda se voltou para ele, mas o Caçador deu um golpe com a espada e girou, rolando no chão ao cair.

Daniel se pôs em pé o quanto antes, ainda de espada na mão.

O corpo decapitado balançou de um lado para outro, os braços se movendo espasmodicamente, antes de desabar no chão. A cabeça ensanguentada rolou e parou próxima aos pés de Daniel.

Em um piscar de olhos todos estavam novamente no porão da casa de Alessandro, e diante deles o que parecia um grande cachorro cadavérico desapareceu em cinzas. A cabeça horrenda teve o mesmo fim.

Lá fora os rasgos na realidade desapareceram, e o Fusca Azul atropelou e exterminou as duas últimas mulas-sem-cabeça.


— Moleque, nunca, nunca, mas nunca mais mesmo se meta a ler o que não deve! Melhor dizendo, leia sim, e muito, pra ver se abre essa sua cachola e entra um pouco de juízo! Livro de feitiços nunca mais!

Vó Nena apanhou o livro que Benício havia comprado no sebo de Hugo e acrescentou:

— Este aqui vai comigo.

— Não sei não, Vó Nena – comentou Tatiana depois de cutucar o primo. – Até que o Benício se saiu bem para um novato. Quem sabe no futuro possa virar um Caçador?

— Nós queremos ser Caçadores – disse Enzo todo animado, ao que Miguel acrescentou:

— Sim, detonamos duendes e trolls assim, ó! – e fez um gesto com as mãos como se brandisse uma espada.

Nena olhou para eles e exibiu um leve sorriso. Depois, muito séria, disse:

— Moleques, a vida de um Caçador é dura e difícil, e não pensem que tudo dá sempre certo como hoje. Já vi muita gente conhecida, que era boa mesmo, ter um fim horroroso. As coisas lá fora não são de brincadeira não!

Depois, sorrindo de novo e em tom mais leve, concluiu:

— A melhor coisa que vocês fazem é estudar. No futuro, depois de crescidos, quem sabe? Afinal, acabam de descobrir que tudo é possível. Ou quase tudo!

A anciã entrou no Fusca Azul, e com Samuel dirigindo se afastaram. Daniel cumprimentou os rapazes e ocupou o assento do motorista do Dodge Charger. Tatiana olhou os garotos e Benício perguntou:

— Então essa é sua vida? Essa era a vida da vó Esmeralda?

— Sim.

— Afinal, o que era aquela coisa? – perguntou Enzo.

— Um bicho-tutu. Ele é quase um parente do bicho-papão, mas tem a forma que vocês viram, ao contrário do outro que é só uma sombra quando não se transforma em seu pior medo. E como eu disse, se alimenta de seu pavor e sua imaginação, fazendo você ver o que ele quer.

O garoto meditou por alguns instantes, e depois disse:

— É errado o que muitos na nossa família dizem a respeito dela. E de você.

— Eu sei.

— Me desculpa.

Tatiana abraçou o primo, e depois olhou para os demais. Alessandro já havia entrado, e Cecílio foi para casa, na rua dos fundos, ambos não querendo muita conversa. A vidente disse:

— Não vou repetir o que Vó Nena disse. É melhor não comentarem nada a respeito. As pessoas têm a tendência de deixar de lado esses assuntos, racionalizando e inventando teorias para tudo fazer sentido. O melhor que vocês fazem é continuar levando suas vidas como se nada de mais houvesse acontecido.

— Tá bem. Obrigado prima. A gente se vê?

— A gente se vê, sim! Feliz Natal!


A moça entrou no carro, o motor roncou alto, e o Dodge saiu pela rua.

— E você, moço, tem uma imaginação muito fértil, hein? – disse Tatiana agarrando o braço de Daniel.

— Até que gostei dessa aventura – comentou ele. – Trouxe muitas lembranças dos jogos de RPG de tempos atrás.

— Quem sabe possamos jogar um pouco? De repente, se você se comportar, posso até pensar em fazer um cosplay daquela personagem guerreira de biquíni.


— Ah, é?

Parados no semáforo os dois se beijaram ardentemente. Quando o verde surgiu, o Dodjão virou uma esquina e desapareceu pelas ruas tranquilas da cidade do interior.

Vó Nena e os Caçadores retornarão.


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E quero aqui deixar os melhores votos de um Feliz Natal, e um excelente Ano Novo a todos! Eu e os demais autores da Underline Publishing, no vídeo abaixo:


Até a próxima!