terça-feira, 20 de abril de 2021

Vó Nena e os Caçadores: Daniel, Tatiana, João e a Caveira de Burro



            Daniel dirigia o velho Fuscão vermelho, ano 1971, com Tatiana no assento do passageiro. A jovem vidente disse:

            — Ainda não consigo acreditar que este carro ficou tão próximo do portal do Morro dos Uivos, esteve diante de uma das crias tentaculares, e mesmo assim não consigo sentir absolutamente nada nele!

            O neto mais velho de Vó Nena reavivou a memória, relembrando o estranho caso de George Angelo. Respondeu:

            — Tem muita coisa nesse caso que ainda não entendemos, amor, mesmo anos depois.

            — Foi logo depois que começamos a namorar, lembro de pararmos diante da casa do Angelo com o Dodge.

            — Vó Nena vive examinando aquela maquete que ele construiu e que guardamos na sala segura, mas não diz pra ninguém o que descobriu. Nem se descobriu algo.

            Tatiana suspirou. Daniel havia instalado faróis auxiliares no carro que também fora de Angelo, e não tinham problema em percorrer a estrada escura. Bem adiante deles, na escuridão da noite, a mancha luminosa que sabiam ser Brasília crescia a cada metro percorrido.

            — E Vó Nena? – perguntou a garota. – Ficou muito brava por termos decidido aceitar o convite do João?

            Daniel reduziu uma marcha, ligou o pisca, foi para a pista da esquerda e ultrapassou um veículo mais lento. Depois de olhar pelo retrovisor deu seta novamente e retornou para a pista da direita. Foi a vez dele suspirar antes de responder:

            — Ela não gostou nada quando falei que iríamos aproveitar esse evento aircooled, de Fuscas e derivados, para encontrar o João. Mas saí antes de ouvir mais broncas.

            — Ela não deixa de ter razão, Daniel! Vó Nena e minha avó procuraram muito por essa coisa enterrada em Brasília e nunca encontraram! Vocês já me falaram muito do João, mas será mesmo que ele descobriu um meio?

            Daniel sorriu. Estendeu o braço para o lado e acariciou a face da namorada. Ela retribuiu beijando a palma de sua mão.

            — Fique tranquila, Tati – respondeu ele. – O João pode ser meio maluco mas é uma figura, e já enfrentou muita coisa ao lado de Vó Nena. É quase uma lenda entre os Caçadores!

            Percorridos mais alguns metros, com o motor do Fuscão roncando forte, o rapaz acrescentou:

            — Além do mais, é uma oportunidade de ficar algum tempo sozinho com você!

            A jovem vidente sorriu, disfarçando o sentimento ruim das energias negativas que já captava, vindas da capital federal. A mão de Daniel segurando a sua era um conforto muito necessário.

 

            O amanhecer no Planalto Central era realmente magnífico. Tati e Daniel levantaram cedo, pagaram a dona da pensão onde passaram a noite depois do café da manhã caprichado que tomaram, e se dirigiram para a Esplanada dos Ministérios. Era ali a concentração para o evento, ao lado da Catedral de Brasília.


Crédito: @capitalvolks

            Era a primeira edição do Aircooleds no Planalto, e vários Fuscas, Kombis e outros derivados do Carro do Povo já estavam alinhados ao longo do caminho. Originais ou customizados, dividiam espaço com uma crescente multidão que ainda podia visitar barracas de lojas e dos mais variados tipos de comida.



            Depois de se identificarem e ganharem uma placa para colar no para-brisa do impecável Fuscão vermelho, encontraram uma vaga e estacionaram. Tatiana comentou:

            — Só queria ver o Fusca Azul da Vó aqui.

            — Não sei não, amor. Todas as vezes que viemos a Brasília com ele a assombração se comportou muito mal.

            — Eu sei. Apesar de aqui estar tudo bem, as pessoas confraternizando e se divertindo. Já as energias vindas dali estão difíceis de suportar...

            Tatiana havia apontado discretamente com o queixo na direção da Praça dos Três Poderes. O rapaz não precisou perguntar o que a namorada sentia. Fazia uma boa ideia.




            Ficaram perto do Fuscão, sendo cumprimentados e cumprimentando pessoas que passavam e elogiavam o carro. Daniel conversou um pouco com conhecidos de outros eventos, pois havia tomado gosto por essas reuniões já que todos os Caçadores utilizavam carros antigos, muito mais confiáveis que os modernos contra assombrações e coisas do outro mundo. Não era incomum esbarrar com colegas que trabalhavam com o sobrenatural nesses encontros.

            Foi quando viu. Uma inconfundível Kombi pick-up amarela, para-choques vermelhos e uma surrada lona formando um baú sobre a caçamba. O veículo, com vários pontos de ferrugem já aparecendo, veio falhando um pouco e estacionou ao lado do Fuscão deles.

            Da pick-up desceu um sujeito magro, vestindo jeans e camisa xadrez que já viram melhores dias. Barba por fazer, rosto ossudo, um par de velhos óculos redondos sobre os olhos castanhos muito vivos, chapéu também surrado e um cigarro de palha na boca. Foi direto para Daniel, que já sorria, e trocaram um forte abraço.

            — Mas Daniel, neto da minha amigona Nena, como está? Caramba, como você cresceu, moleque!

            O jovem deu um murro de mentira no braço dele, respondendo:

            — Qual é, João!? Nem faz tanto tempo assim!

            O velho Caçador ignorou os protestos do neto de Nena e olhou para Tatiana. Perguntou:

            — E quem é essa moça bonita aqui?

            Daniel ia responder, mas Tati se adiantou:

            — Oi, seu João – disse estendendo a mão. – Meu nome é Tatiana, e sou...

            — A neta da Esmeralda? – perguntou ele. – Nossa! Agora lembrei que a Nena me disse que o neto dela estava te namorando!

            Envolveu Tatiana em um abraço carinhoso, que ela retribuiu. Foi inevitável sentir toda a dureza da vida de caçador de João, mas também uma incrível energia e desejo de fazer o bem. A jovem vidente estava sorrindo quando o homem a largou e olhou para seu rosto:

            — Que saudades dos bons tempos, das caçadas com Nena e sua avó, menina! Você é a cara dela!

            Ele pareceu se lembrar de alguma coisa, tirou o chapéu com uma mesura e disse:

            — João Ramirez, seu criado!

            Outros participantes do evento passavam, e um e outro mostrou conhecer João pois vieram cumprimentá-lo. Um deles disse:

            — Você ainda anda com essa trapizonga, João!? E o que andou fazendo que a lona aqui tá toda rasgada?

            — Caçando, meu velho! – disse João entabulando uma rápida conversa com o sujeito. Depois que se despediram e ele se afastou o Caçador se virou para os jovens e acrescentou:

            — Um bicho-tutu dos grandes, estava atazanando uma comunidade na periferia de uma cidadezinha lá na fronteira da Bahia – disse, passando a mão pelos compridos rasgos. — Mas ele não vai mais incomodar o povo de lá não. E aí, o que é que tem pra se comer aqui?

            Diante da pergunta de João eles trancaram os carros e saíram andando pelo evento. A Catedral de Brasília ao fundo compunha um belo panorama, e Daniel cumprimentou outros conhecidos enquanto passeavam. Em determinado momento João se aproximou de uma Kombi 1963 saia e blusa, azul com teto creme, e trocou rápidas palavras com o dono. Depois voltou para o lado dos jovens e disse:

            — Alfredão, amigo de outras paragens. Gente fina, e também metido em coisas esquisitas.

            — Que coisas? – riu Tatiana.

            — De outro mundo, menina.

            — Nós também – comentou Daniel;

            João soltou um suspiro e completou:

            — É, cada um no seu ramo...

 

            Vários food trucks e barracas formavam a praça de alimentação do evento, e enquanto comiam em uma mesa mais afastada João disse:

            — A Caveira de Burro, crianças! A aberração enfeitiçada que foi enterrada aqui em Brasília enquanto a cidade estava sendo construída!




            Tatiana e Daniel se entreolharam e depois de beber um gole de refrigerante a vidente disse:

            — Conhecemos a história, seu João...

            — Só João, menina, quê que é isso?

            — Tudo bem – respondeu a vidente. – Vó Nena nos contou essa história. Uma caveira de burro que foi enterrada em Brasília pelos inimigos do governo. A intenção era nunca deixar o país prosperar e ir para frente, para que a facção política dos que enterraram essa coisa pudesse denunciar as dificuldades e vender facilidades.

            João deu uma dentada em seu sanduíche, mastigou com gosto e disse ainda de boca cheia:

            — Tá certo, garota. Todo Caçador conhece a história.

            — E um monte de Caçadores, em todos esses anos, tem tentado achar essa coisa para salvar o Brasil – completou Daniel. – Vó Nena contou tudo pra gente, das vezes em que veio para cá com Esmeralda para tentar encontrar e dar fim nessa uruca.

            — Algum feiticeiro muito poderoso na magia negra deve ter sido o responsável por encantar essa coisa, Daniel – disse João e deu mais uma dentada no sanduíche. – Se nem a Esmeralda conseguiu achar onde enterraram a Caveira é sinal que foi uruca da brava!

            — Tudo nesta cidade exala uma energia ruim – disse Tatiana esfregando os braços como se desse um abraço a si mesma. – Vocês não fazem ideia do que eu sinto se me concentro o suficiente...

            — Eu sei sim, Tati – disse João terminando de comer. Tomou um gole do copo da cerveja, esperou outros participantes do evento passarem ao lado da mesa deles e prosseguiu em voz baixa: — O povo reclama da vida, mas continua inventando de votar nos piores dos piores, e o resultado não podia ser outro!

            Depois de alguns instantes pareceu se lembrar de alguma coisa e se virou para Daniel:

            — Sua avó continua a não querer ter uma Brasília, o carro?

            Daniel riu, olhou para Tati e respondeu:

            — Você não faz ideia! Um tio me deixou uma Brasília branca, ano 1974, que preciso manter na casa da minha mãe. Vó Nena não quer nem ouvir falar daquele carro! “Acha que quero na minha casa um carro que tem o nome daquele lugar amaldiçoado!?” ela sempre diz!

            Os três deram risada, e João perguntou:

            — E da época quando ela ajudou os militares a combater os grupos de comunas que praticavam magia negra?

            — Claro que contou! – disse Tatiana. – Aliás também explicou como foi em uma dessas missões que conseguiu o Fusca Azul. Andei nele logo que conheci Vó Nena e Daniel.

            João ficou espantado e Tatiana contou rapidamente a história, que envolvia um vampiro invadindo uma festa de formatura e raptando a namorada de um amigo. Finalmente, Daniel retomou o assunto:

            — Mas você ainda não disse o que viemos fazer aqui, João! E nem explicou como, se nem Vó Nena e Esmeralda conseguiram encontrar a Caveira de Burro, por que acha que nós conseguiremos?

            João olhou para os dois, terminou sua cerveja, pousou o copo na mesa e manteve silêncio por mais algum tempo. Depois respondeu:

            — Porque dessa vez sei onde procurar! – Depois de consultar o relógio acrescentou: — Vamos pegar minha Kombi que já está quase na hora!

 

            — Conheci esse advogado, moleque novo que nem vocês, enquanto caçava uns vampiros lá por Luziânia – contava João. – Ele contou que é elemento de ligação institucional do governo com o Congresso e o Supremo, além de fazer uns serviços pra um grupo dentro da Agência Brasileira de Inteligência. Que já foi o SNI, ah, lembro dos bons tempos!

            Começou a contar histórias da época da ditadura militar, quando setores do governo queriam investigar os Caçadores e todo tipo de ocorrência estranha. Daniel e Tatiana se olharam e lembraram dos amigos de São Paulo que tinham a empresa de informática e secretamente espionavam os políticos.

            Estavam sentados na Kombi, Daniel no meio entre João e Tatiana. O veículo foi estacionado a pouca distância do Supremo Tribunal Federal e João enfim disse:

            — Então esse informante, que eu salvei de um ataque de vampiro, fiquei na cola dele e conversa vai, conversa vem, me contou como esse grupo descobriu umas cerimônias secretas, parecendo de magia negra mesmo, que acontecem nos subterrâneos aqui de Brasília.

            Aquilo era novidade para os jovens, e Tatiana perguntou:

            — Você quer dizer que nos porões do STF eles praticam magia negra?




            — Isso sim. O rapaz descreveu um tipo de culto, e hoje graças a sua vidência podemos dar uma espiada!

            — Um culto em pleno sábado, João? – perguntou Daniel incrédulo. – E hoje ainda é dia 14, na sexta-feira 13 faria muito mais sentido!

            João olhou para Daniel e deu uma risada. Lá fora as pessoas aproveitavam o dia ensolarado para passear, tirando fotos diante do edifício do Supremo. O velho Caçador, finalmente, respondeu:

            — E alguma coisa em Brasília faz sentido?

            Daniel se virou para Tati. A vidente trocou um longo olhar com o namorado, sentindo também a expectativa de João. Soltou um suspiro, olhou para o imponente prédio lá fora e disse:

            — Bem, já que estamos aqui, não custa tentar...

 

            Tatiana não sabia se a cena que descrevia para eles estava acontecendo naquele momento ou minutos ou horas antes. Uma névoa parecia encobrir sua visão, e ela estremecia cada vez mais diante das intensas energias negativas que permeavam toda a Praça dos Três Poderes. Também havia demorado bem mais do que o normal para obter um grau de concentração suficiente para sua vidência funcionar.

            — Estão mesmo no subterrâneo... passaram por uma escada, paredes de concreto sem revestimento e bem desgastadas... entraram por uma porta de aço...

            Daniel, preocupado, viu que Tatiana estava se esforçando mais do que o normal. Sua testa estava banhada em suor, e ele apanhou um lenço em sua mochila e a secou.

            — Seis figuras de capa preta, com capuz... – Tatiana continuou. – Dois cobertos por panos brancos no meio deles... depois de cruzarem a porta estão em uma caverna, paredes de rocha nua, dois dos de capa preta com lanternas entraram e acenderam velas espalhadas pelo lugar...

            Tatiana continuou descrevendo o que via. A caverna natural tinha outras duas saídas, cujas direções ela não soube determinar. Os participantes da estranha cerimônia se colocaram em semicírculo diante de uma pedra de cerca de um metro de altura em um dos cantos da caverna, quando Tatiana gritou:

            — A caveira! A caveira! A Caveira de Burro!

            Daniel e João se agitaram, e o velho Caçador perguntou em tom ansioso:

            — Tem certeza menina? Ali mesmo, embaixo do Supremo!?

            O neto de Vó Nena fez sinal para que ele se calasse e Tatiana, suando muito devido ao esforço, disse:

            — Uma Caveira de Burro... eles estão próximos dela... ajoelhados diante dela e se abaixando até tocar as mãos no chão, saudando a coisa... ela é pequena...

            — Pequena!? – soltou João. – A lenda diz que era um burro que foi sacrificado em uma cerimônia de magia negra, e...

            — João, espera! – disse Daniel impaciente.

            Tatiana continuava de olhos fechados, trêmula, descrevendo a visão. Os seis participantes de preto finalmente se erguem e removem os capuzes.

            — Um deles é careca, e está chamando os dois que estão de branco – disse Tatiana com esforço.

            — Deve ser aquele ordinário do Bruno de Nogueira – comentou João. – E meu informante disse que ele tem umas preferências bem estranhas...

            Isso foi confirmado quando a vidente descreveu a cena seguinte. Nogueira se aproximou de um tablado coberto com panos e almofadas e o apontou para as duas figuras de branco. Estes se aproximaram e deixaram cair os panos que os cobriam.

            — É um rapaz e uma moça e estão sem roupa nenhuma.

            Tatiana seguiu descrevendo como o ministro Nogueira se livrou de seu manto negro, revelando também estar nu, e no instante seguinte estava no tablado com o casal bem mais jovem que ele.

            João estendeu o braço e sacudiu Tatiana. A vidente despertou e os olhou com expressão exausta.

            — Acho que aconteceu faz poucos minutos. O que foi que eu vi, João?

            — Tem certeza que a Caveira de Burro era pequena?

            Tatiana olhou para o velho Caçador, depois para Daniel, e em seguida pelo para-brisa da Kombi lá para fora. Respirou fundo algumas vezes, lembrando das cenas absurdas que testemunhara e finalmente respondeu:

            — Um dos caras de manto negro acendeu velas pretas ao lado dela. Sim, era uma caveira de burro pequena.

            João observou os dois jovens, pôs as mãos no volante, suspirou e ainda manteve silêncio por mais alguns instantes. Daniel chegou a abrir a boca para dizer algo quando ele disse:

            — Vamos voltar pro evento.

 

            O alto astral do encontro de colecionadores de carros melhorou o ânimo de Tatiana. Ela aproveitou e foi até o banheiro para trocar a blusa empapada de suor, voltou e guardou a roupa usada em sua bagagem no porta-malas do Fuscão. Encontrou os dois e foram novamente para a praça de alimentação. Um doce era tudo que ela queria agora.

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            — E então? – perguntou a vidente após algum tempo.

            João era magro mas tinha um grande apetite. Depois de comerem e encontrarem mais amigos, quando souberam que o Fuscão vermelho e a Kombi amarela eram candidatos a prêmios do evento, o Caçador finalmente disse:

            — Pelo visto meu informante estava certo.

            — Por quê? – quis saber Daniel.

            — Ele teve conversas com algumas pessoas que trabalham no STF e reuniu aqui e ali partes do que vimos hoje.

            — Mas o ministro Nogueira... – disse Tatiana. – Com aquele casal...

            — Parece que dopam servidores, secretárias ou auxiliares jovens que escolhem e os usam nesses cultos. Coisa típica de magia negra, sempre acaba envolvendo sexo. Culto blasfemo de magia negra sempre vale tudo. E depois eles não lembram de nada.

            João bebeu outro gole de cerveja e acrescentou:

            — E tem gente ingênua que acha que esses urubus só estupram a Constituição, não é mesmo?

            — E o que mais esse informante disse? – perguntou Daniel.

            João olhou para ele, depois para Tatiana, e em seguida os arredores com expressão de devaneio. Ficou assim por algum tempo, até que se voltou para os jovens novamente e respondeu:

            — Que fez o mesmo tipo de investigação no Congresso Nacional, e aí ele conseguiu chegar ao local do culto. Esteve diante da Caveira de Burro. E, pelo que descreveu, era pequena. Assim como a que a Tatiana viu.

            — Tem outra no Congresso!? – Tatiana e Daniel fizeram a pergunta em uníssono.

            João virou o restante da cerveja e olhou para eles.

            — Faz algum tempo que alguns Caçadores desconfiam que pudesse existir mais de uma Caveira de Burro. E faz sentido! Pensem: sempre que algum governo começa a fazer alguma coisa boa, lá vem o Congresso ou o STF melar tudo. Se o Legislativo ou o Judiciário começa a trabalhar pelo povo para variar, lá vem um dos outros colocar dificuldades...

            João descreveu, com essas poucas palavras, a realidade do país desde a redemocratização, conforme o casal bem sabia. Tati expôs outra dúvida:

            — O Supremo tem ministras mulheres. E elas aprovam tudo isso? Esse culto dos infernos onde pessoas são abusadas?

            — Isso eu e alguns Caçadores sempre nos perguntamos – comentou João. – Mas conforme fui reunindo, desse informante e outras fontes, os participantes dessa missa negra são sempre poucos, justamente para controlar o segredo. Teve época em que esse culto não envolvia nenhum ministro, claro, e quando tem alguns dos maiorais são sempre no máximo 3 ou 4. E respondendo a você, Tati, são sempre homens. Mulher só entra nessas barras pesadas para... bom, você viu.

            João pareceu lembrar de alguma coisa e perguntou:

            — E os outros, você reconheceu?

            Tatiana fez que sim, sacou o celular e fez uma rápida pesquisa. Depois mostrou o aparelho para eles e apontou:

            — Este e este.

            — Mas claro! – comentou João. – Os mais ligados aos comunas filhos da puta que enterraram a Caveira, ou Caveiras. O Sérgio Mayerovic, advogado daquele ladrão imundo desde sempre, e o Tadeu Dorneles, moleque de recados daquele... como sua avó chama, Daniel?

            — De terrorista imundo e filho da puta, que ela lamenta até hoje não ter matado quando teve chance.

            — Gentalha da pior espécie – confirmou João. – E mergulhada até o pescoço no pior do pior do pior que o ser humano é capaz de inventar!

            João se virou para Tatiana e estendeu a mão dizendo:

            — Por isso sei bem o que você tem passado, menina. Desculpe ter trazido você aqui.

            Tatiana pegou a mão de João e de novo experimentou a mesma sensação. Uma vida inteira combatendo as trevas para tentar trazer alguma luz, por menor que fosse, e ajudar as pessoas. Ela sorriu, agradecendo sem palavras o bem que lhe fazia aquilo.

            Terminaram de comer e ficaram alguns minutos em silêncio olhando o movimento. Resolveram sair andando pelo evento, olhando os carros e conversando com várias pessoas. Não só a vidente, mas todos eles sentiram as boas energias que circulavam por ali, em meio a gente de bem que só queria aproveitar um belo e ensolarado dia e mostrar o resultado de seu trabalho. Os carros eram os mais variados, desde originais de fábrica parecendo novos, até ostentando as mais radicais personalizações.

            Eles retornaram para junto de seus veículos e continuaram apreciando o movimento. Depois de alguns minutos Tatiana perguntou:

            — Então para onde vamos?

            João olhou para ela, depois para Daniel, e por fim para a direção da Praça dos Três Poderes.

            — Para a verdadeira Casa do Espanto – comentou.

 


            O evento terminou às oito da noite. O Fuscão vermelho de Daniel ficou em terceiro lugar na categoria originalidade para o início dos anos 70. Já a Kombi de João levou um troféu de segundo lugar na categoria “ratwagen”, para carros com aparência enferrujada e desgastada. Muitos desta eram produzidos em oficinas, mas a pick-up de João e o Fusca primeiro colocado tinham as marcas de corrosão naturais.




            — Esse povo é maluco! – comentou João com eles. – Eu não cuido da Kombi do jeito que queria porque estou sempre na estrada caçando. Já essa turma vai no esmeril para enferrujar o carro de propósito!

            Tatiana e Daniel deram risada. Sentiram que aqueles momentos de diversão eram mais que bem vindos diante do que ainda tinham pela frente.

 

            Já passava das nove e meia da noite e ainda tinha gente e carros do evento circulando pelos arredores. O trio deixou a Kombi estacionada nas proximidades da Catedral e se aproximaram do Congresso Nacional com o Fusca vermelho. João, no banco traseiro, fez questão de trazer uma mochila velha da qual sobressaía uma espada estranha em uma bainha.

            — Nunca se sabe – disse ele.

            Parados a pouca distância do Parlamento, aguardaram Tatiana se concentrar. Como da vez anterior a vidente se preparou com todo cuidado, sabendo que energias escuras e negativas circulavam em abundância por ali.

            Os dois homens aguardaram pacientemente, e por isso se assustaram quando Tatiana soltou um grito lancinante.

            Ela chorava e se debatia, e felizmente as poucas pessoas à vista estavam longe o suficiente para não ouvir o grito. Daniel pôs a mão no braço da namorada, e como acontecera algumas vezes antes teve um vislumbre do que ela via.

            Cenas de horror, a corrupção humana em seu ponto mais baixo e vil, segredos inconfessáveis, complôs durando décadas com o único fim de explorar incessantemente as pessoas, a morte de toda esperança...

            O rapaz soltou Tati um segundo depois, e ela lamentava:

            — É demais... vejo tudo... tudo... é horrível!

            — Tati! – gritou Daniel.

            A mão da vidente pousou em seu peito, e ele se surpreendeu pelas visões não voltarem. Tatiana disse com voz surpreendentemente segura :

            — Não... eu aguento... tenho que fazer isso.

            Quando pronunciou estas palavras aconteceu algo que eles não esperavam. Um brilho fantasmagórico e esverdeado surgiu, envolvendo Tati e se espalhando pelo carro. Daniel, espantado, abriu a porta e saiu, no que foi seguido por João.

            — Mas que porra é essa? – gritou o jovem Caçador.

            — Eu já esperava... – respondeu João.

            Daniel olhou para o amigo incrédulo, aproximou-se dele e perguntou:

            — Como é?

            João apontou para o Fusca, agora coberto pelo leve brilho esverdeado, e disse:

            — Você e sua avó me contaram sobre o que houve com este carro. Esteve perto de dois portais para dimensões infernais, uma delas a das crias tentaculares, um dos piores pesadelos de que se tem notícia. Claro, o dos bichos-homens não é nem um pouco melhor. Acha que não restaria nem um traço de energia dessas abominações?

            Daniel olhava para João sem acreditar. Subitamente avançou sobre ele vociferando:

            — Seu filho da puta! Você sabia desse mal e não nos disse nada! Deixou Tatiana se arriscar!

            — E quem disse que ela não sabia, moleque?

            Os dois estavam a ponto de se engalfinharem, quando a vidente disse pela janela aberta de sua porta:

            — Estou vendo... outra cerimônia... é parecida com a do STF...

            Os dois acabaram esquecendo a quase briga e se aproximaram.

            — Uma caveira de burro, um altar escavado na parede de rocha... velas pretas ao lado dela, é pequena também...

            O culto reunia dez pessoas de preto, e com as energias residuais do Fusca sua vidência era ampliada. Tatiana desta vez deu nomes:

            — Senador Salin Dorneles... deputado Manuel Rabello... quatro pessoas de branco... mulheres que se descobrem agora, estão sem roupa... uma delas é a deputada Tânia Cardoso.

            — Meu informante me disse que do culto sempre participa o presidente do Senado, ou o da Câmara de Deputados, ou os dois – comentou João. – Assessores poderosos e influentes também, e funcionários de carreira do Congresso.

            — Esse povo nunca larga o osso – comentou Daniel.

            Cada um dos líderes do culto ficou com duas das mulheres, em um canto com duas camas de tamanho grande com lençóis e almofadas luxuosas. Os dois prestavam atenção à descrição de Tatiana, quando Daniel foi agarrado e lançado para trás.

            O jovem Caçador se ergueu depressa e viu um sujeito jovem como ele, engravatado e de terno. Este abriu a boca e ficaram nítidos dois caninos se prolongando em um tamanho anormal.

            Daniel puxou do bolso um canivete que abriu, expondo a lâmina afiadíssima de prata. Uma lâmina menor na outra ponta e um espigão que sobressaía entre os dedos do Caçador quando empunhou a arma completavam o conjunto.

            — Vampiro, você escolheu a hora errada para aparecer!

            Dizendo isso, Daniel partiu para cima do monstro. Acertou um soco que abriu um profundo rasgo em sua face e deslocou sua mandíbula. O vampiro deu um golpe, mas o jovem se desviou e acertou uma punhalada no peito dele. A prata consagrada não mataria o vampiro mas causava intensa dor, e o monstro o derrubou com outro golpe.

            Enquanto eles lutavam João correu para o lado do motorista do carro e enfiou o braço em sua mochila que estava no banco de trás. Puxou da bainha a espada que havia trazido e avançou contra o vampiro. Daniel ainda lutava com este, e quando viu João se aproximando procurou distrair o monstro, apunhalando-o diversas vezes e escapulindo de seus golpes.

            João se aproximou rápido pelas costas do vampiro e desferiu um só golpe com sua espada. O monstro foi decapitado, a cabeça caiu e rolou pelo chão enquanto se desfazia em pó, e o corpo estrebuchou antes de tombar e também se desfazer.

            Os dois olharam para onde o monstro estava um momento antes, ofegantes. Daniel perguntou:

            — Que raios, de onde veio essa coisa?

            João espetou a espada no solo do gramado onde estavam, respirou fundo e acendeu um cigarro de palha. Respondeu:

            — Esse aí era meu contato... Alguém deve ter desconfiado e tomado providências. Canalhas.

            Soltou baforadas e pegou a espada. Uma katana que chamou a atenção, pela riqueza e beleza de detalhes, de Daniel. O velho Caçador completou:

            — Uma Sadayoshi, feita por um dos únicos orientais da comunidade dos Caçadores. Bom sujeito, grande amigo.

            Tatiana continuava concentrada. E fez outra coisa incomum: falou com Daniel quase de forma normal, ainda de olhos fechados:

            — Daniel, não se preocupe. Consigo controlar isso. Entrem vocês dois aqui.




            Depois que João se acomodou no banco traseiro e Daniel no assento do motorista, mais uma coisa surpreendente aconteceu. Imagens surgiram esmaecidas no para-brisas do Fuscão, e eles puderam contemplar a cena descrita antes pela vidente. Depois de finalizado o culto as mulheres foram conduzidas até gabinetes, se vestiram e saíram como se não houvesse acontecido nada. A deputada Cardoso chegou mesmo a sair conversando com o colega Rabello, que antes a havia violado durante o culto blasfemo.

            A imagem mudou, mostrando a Praça dos Três Poderes vista do alto. Energias fluíam entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, entre as duas Caveiras de Burro mantidas em seus subterrâneos. Rastros dessas energias de trevas e escuridão fluíam até o Palácio do Planalto, mas eram muito mais tênues. Correntes desse mesmo fluxo se dirigiam a outros lugares, e João explicou:

            — Ouvimos boatos entre os Caçadores de que fizeram algum feitiço, talvez mesmo até enterraram outra Caveira de Burro perto da sede da Polícia Federal. Isso pode ter acontecido depois que aquela turma de Curitiba, o juiz e os procuradores, começou a desafiar os ladrões e corruptos do país.

            Tatiana abriu os olhos finalmente, esfregou o rosto e tomou água de uma garrafa que estava a seus pés ao lado de sua bolsa. No momento em que interrompeu a intensa concentração o brilho esverdeado que permeava o Fuscão desapareceu. Respirou fundo algumas vezes e disse:

            — Sempre foram três Caveiras de Burro. Durante a construção de Brasília uma burro fêmea foi sacrificada em uma cerimônia de magia negra, e com ela suas duas crias de alguns meses de vida. Uma Caveira Mestre e duas satélites, enterradas e veneradas aqui, no centro de poder do país.

            Os dois a ouviam atentamente. Tatiana bebeu novamente, olhou para eles e completou:

            — A Caveira Mestre foi tirada daqui em algum ponto da metade dos anos 80. Foi mantida nas proximidades, mas não consegui encontrá-la. As energias presentes aqui no Fuscão me permitiram ver tudo isso e muita coisa mais, mas há um limite para o alcance de minha visão, mesmo assim. Além dos feitiços que sempre acompanham cada passo que essa gente dá.

            Tatiana se virou para João e disse:

            — Obrigada, João. Você fez o que era certo. Nós, os Caçadores, precisávamos saber disso!

            — Mas ninguém sabe onde a Caveira Mestre está – objetou Daniel.

            Tatiana se virou para ele, tomou seu rosto nas mãos e o beijou com ardor. O rapaz não sentiu mais qualquer indício de que energias da escuridão estivessem presentes ali. Compreendeu que aquilo havia representado um crescimento e tanto para sua amada, e que finalmente disse:

            — Os Caçadores estão espalhados por todo o país, meu amor. Um dia vamos achá-la!

 

            Pararam em um grande posto de gasolina com restaurante na beira da estrada para comerem alguma coisa, e na hora das despedidas João disse:

            — Desculpem, crianças. Deveria ter avisado vocês.

            — Tudo bem, João – disse Tatiana dando-lhe um abraço. – Terminou por valer a pena.

            — Sim, agora sabemos bem mais sobre tudo isso – completou Daniel. – Mas da próxima vez vê se avisa, hein?

            — Vou fazer isso, Daniel, pode deixar. Dá um abraço na sua avó por mim.

            — Depois da bronca que vamos tomar? Claro!

            — Ah, ela vai é ficar feliz! Descobrimos algo que nem ela nem Esmeralda conseguiram!

            — Não sei se eu ficaria tão confiante assim – comentou Tatiana.

            — E vocês cuidado com esse portal das trevas ambulante.

            — Cruz de pau-brasil pendurada no retrovisor interno – respondeu Daniel. – Vó Nena certamente dará uma solução definitiva.

            João fez que sim e embarcou na Kombi depois de trocar um aperto de mão com o rapaz. O motor falhou algumas vezes mas terminou pegando.

            — Vai pra onde agora? – quis saber Daniel.

            — Pensei em dar uma passada no Mato Grosso, tem uns amigos Caçadores com problemas com bichos-homens, e vamos ver se damos um jeito nos desgramados.

            — Se cuida, João.

            — Vocês também, crianças. Até mais!

            A Kombi amarela foi se afastando, tomou uma saída lateral e por fim desapareceu na noite.

            — É sério o que disse? – perguntou Daniel entrando no Fusca vermelho. – Vó Nena já sabe o que descobrimos?

            — Você ainda não aprendeu a nunca subestimar sua avó, querido?

            Tatiana sorria para ele. Daniel, encucado, ligou o Fuscão e eles mergulharam na noite da estrada.

 

            Vó Nena rezou um terço, recitou cantigas que eram na verdade antigos feitiços, e depois colocou duas medalhas no painel do Fuscão vermelho. Presas por ímãs as peças traziam as imagens de São Jorge e Nossa Senhora. A anciã saiu do carro e Daniel fechou a porta. Depois o jovem segurou a mão de Tatiana e seguiram silenciosamente atrás da Caçadora.

            Nesse momento Vó Nena se virou e disse:

            — Mas que porra vocês estavam pensando!? Ir assim praquele lugar de trevas e escuridão como se fosse um passeio?

            Os dois continuaram de mãos dadas e em silêncio. Ela continuou:

            — Até você, Tatiana? Sempre te achei mais madura e sensata que esses moleques desses meus netos!

            — Mas Vó Nena, – começou Tatiana – o que descobrimos...

            — Acha mesmo, menina, que eu não sabia?

            Depois de finalmente se instalarem na sala da casa, Vó Nena prosseguiu:

            — O João é muito mais esperto do que parece! Sim senhor, eu desconfiava que o Fuscão pudesse ter retido alguma energia, seja do Casarão da Rua das Dores, seja do Morro dos Uivos, até mesmo das crias tentaculares daquela noite. Nem faz tanto tempo assim... O João foi esperto mesmo!

            E, brandindo sua bengala de pau-brasil a apontou para os dois:

            — O que não é desculpa para terem passado por tamanho risco, moleques!

            — Vó... – disse Daniel, inseguro. – Como descobriu?

            — Como? Com Esmeralda, é claro! Aquela lá era mesmo especial, vocês nem fazem ideia! A última vez que fomos juntas a Brasília foi numa abertura de ano legislativo, quando todos os putos estão reunidos, e claro que as energias das trevas aumentam e muito. E Esmeralda viu as mesmas coisas. Os cultos profanos na porra do Supremo e também debaixo daquele antro de escuridão do Congresso. E na época havia sinais fortes também no pardieiro do Planalto!




            — E não tentaram fazer nada, Vó? – perguntou Tatiana.

            Nena, sentada em sua poltrona vermelha preferida, apoiou as duas mãos na bengala que um dia foi da amiga vidente. Ficou em silêncio por algum tempo e depois respondeu:

            — Sua avó Esmeralda, minha filha, se esforçou muito nesse dia e teve um colapso. Desmaiou e tive que pedir ajuda, e passamos dois dias no hospital até ela se recuperar.

            Os dois jovens ficaram assombrados. Tatiana levou as mãos à boca e seus olhos se encheram de lágrimas. Nena, pela primeira vez, olhou para os dois com ternura e carinho, depois seu olhar se perdeu na distância, relembrando aqueles tempos.

            — Nunca contamos para o restante dos Caçadores. Não acreditariam em nós, pois a lenda fala de uma Caveira de Burro. Não de uma fêmea e seus dois filhotes jovens. É por isso, inclusive, que os filhos da puta que participam do culto são homens, para equilibrar as energias e garantir que as trevas continuem mais fortes.

            Nena ficou em silêncio mais algum tempo. Tatiana, enfim, disse ainda chorando:

            — Vó, desculpa, eu não sabia...

            — Tudo bem, filha – disse a anciã saindo da poltrona e vindo sentar com eles no sofá. – Vou contar uma coisa a vocês: a Caveira de Burro é um troço horrível, onde derramaram toda a maldade e malícia possíveis. Coisa de gente ruim que nem deveria ser chamada de gente em primeiro lugar!

            Depois de mais uma pausa continuou:

            — Mas nem precisaríamos nos preocupar com ela, essa abominação não teria o poder que tem, se esse povinho de merda votasse direito! Puta que pariu, entra eleição sai eleição, um merda como o Salim Dornelles está sempre lá! Esse aí e todos os outros cretinos que continuam usufruindo de suas mamatas!

            — Se houvesse ao menos uma maioria de políticos, de juízes, de funcionários públicos que quisessem mesmo o bem do povo, essa porra dessa Caveira de Burro já teria perdido seu poder faz tempo! É como o Grande Inimigo, meninos! Ele, o coisa-ruim que aproveita a mania do brasileiro de levar vantagem em tudo, já teria voltado pros quintos dos infernos de onde saiu se esse povo tivesse vergonha na cara e parasse de votar nos mesmos filhos da puta de sempre. Não admira as energias das trevas que essa cidade amaldiçoada exala!

            — Claro que já ouviram dizer que esses bostas providenciam dificuldades para depois vender facilidades. E é assim mesmo! Oposição, situação, acha que estão ligando pro povo? Estão se lixando pra ele! Um dia estão de um jeito, outro dia invertem, tudo que interessa é continuar enganando e explorando o país, e ainda tem idiotas que brigam por políticos!

            Nena se levantou e andou até a grande janela. O pôr do Sol já tingia o céu com belíssimas cores. Ela suspirou e concluiu:

            — Meninos, a verdade é que existe gente que é muito pior, muito pior mesmo que qualquer monstro ou assombração que caçamos...

            Ouviram barulho de motor lá fora, e em seguida Samuel, irmão mais novo de Daniel, entrou. Olhou para todos e disse:

            — Oi! Todos em casa finalmente! Tudo bem?

            Lá fora estavam estacionados lado a lado o Fusca Azul e o Fuscão vermelho. Os faróis do primeiro brilharam levemente em um tom vermelho. Já os do outro carro foram tomados por um tênue brilho esverdeado.

 

            Em um gabinete em um dos Ministérios, dois homens de terno examinavam fotografias. Nelas aparecia um Fusca vermelho com uma jovem dentro, enquanto fora do carro, no gramado, três homens se enfrentavam. Um deles chegou com uma espada por trás do que estava de terno e cortou sua cabeça. Na sequência seguinte o corpo simplesmente sumiu.

            — Mas o relatório não falava que o tal Fusca era azul? E por que não temos um filme disto?

            — Até parece que você não conhece nossa situação no tocante a verbas.

            — O que sabemos dessa gente?

            O outro acendeu um cigarro, colocou os pés sobre a mesa e se refestelou em sua cadeira. Respondeu:

            — Conhecemos alguns que parecem se envolver na caçada a essas criaturas no sudeste e aqui no centro-oeste. Depois de terem saído daqui não sabemos para onde esses três foram.

            — Ele já sabe?

            O outro soltou baforadas e terminou por apagar o cigarro em um cinzeiro já cheio de bitucas. Respondeu:

            — Como se você também não fizesse questão de falar com ele o mínimo necessário. Aquela voz rouca dele sempre incomodou todo mundo com quem trabalhou. O homem é quase uma lenda aqui em Brasília, dizem que conhece mais segredos do que qualquer um.

            — O que fazemos, então?

            Os dois se entreolharam e por fim o outro disse:

            — Mande essas fotos pela secretária. É para isso que ela é paga.

Esta é uma obra de ficção. Toda e qualquer semelhança suposta e alegadamente maliciosa com pessoas vivas ou mortas não passará de coincidência. 

Vó Nena e os Caçadores retornarão.


 Espero que tenham gostado de mais esta aventura de Vó Nena e os Caçadores. Minha torcida é que tenha sido tão catártica para vocês lerem como foi para mim escrevê-la. Convido os leitores a conhecer também os dois e-books disponíveis:

Vó Nena e os Caçadores: O Fusca Azul



Vó Nena e os Caçadores: O Livro Maldito



E claro, continuem nos acompanhando: @renatoa.azevedo, @mlzotarelli, @corujiceliteraria e @2sobrevoandoporai.

Até a próxima!