quarta-feira, 26 de junho de 2019

Tudo está conectado

Av. Luis Carlos Berrini, São Paulo
Sede da BLF Informática
11 de junho de 2019, 15:04h.

Ligia falava depressa ao telefone, a indignação que sentia parecia ter eliminado sua necessidade de respirar.

- E esse filho da P. responsável por hackear o celular do Moro agora fica posando de “isentão” e defensor da lei. Qualquer um sabe a quem ele está servindo, claro, aquele desgraçado candidato a ditador apodrecendo na cadeia em Curitiba!

Batista ia suspirar, mas pensou que o som poderia irritar ainda mais a policial federal. Observou a mesa diante da qual estava sentado em seu escritório, girou a cadeira e olhou através da janela para a avenida da zona sul de São Paulo lá embaixo.

- Ligia, todos sentimos a mesma coisa, claro...

- Só me diga que não é coisa do Leandro!


- Claro que não! Depois de tudo que aconteceu ele entrou em umas paradas estranhas, mas nunca faria isso. Sabe muito bem que sempre estivemos atrás de outro tipo de informação.

- Sei, alienígenas, conspirações...

Batista fechou os olhos. Aqueles foram outros tempos. Roberto ainda estava ao lado deles, a pesquisa ufológica realmente dava frutos, e o tema tinha apelo junto à sociedade. Tudo começou a mudar depois de 2001, e piorou ainda mais a partir de 2003.

- Ainda buscamos, Ligia, você sabe. Aqueles babacas do lance de 2017 do Pentágono, por exemplo, revelado pelo tal De Longe. Tudo mentira o que disseram, nem o nome do tal projeto era autêntico. Mas mesmo assim o tal sujeito, Elizondo, fez de tudo para obter informações sobre nossos casos, e não sei quem deu o nome do Roberto pra ele. Nosso amigo jornalista, claro, mandou ele tomar naquele lugar, mas por algum meio ele nos ligou aqui, na BLF. Quando viu que não ia obter nada, simplesmente cancelou a vinda para a conferência da qual ia participar no sul do país.

Batista ouviu Ligia suspirar. No laptop aberto à sua frente o CEO da empresa consultou o programa de embaralhamento, e constatou que a conversa continuava segura. Ligia havia feito carreira brilhante na Polícia Federal na última década, tendo até atuado em várias operações e diligências da Lava Jato, e se tornara uma figura muito visada.

Diante da situação, evidentemente, não seria nada bom que a conversa deles fosse ouvida.

- Eu acompanhei – comentou a policial federal. – Fiquei surpresa quando a revista Ovni acabou, depois de tudo aquilo.

- Gonçalves começou a se achar o dono da ufologia brasileira – disse Batista com amargura. – Desde que passou a seguir a linha dos tais místicos perdeu completamente a credibilidade, o Roberto já não falava mais conosco mas acompanhamos a briga deles de longe. Tudo simplesmente desmoronou, e ninguém liga mais para isso.

Batista finalmente soltou o suspiro que estava segurando, e completou:

- As coisas ainda acontecem, mas tudo ficou muito mais difícil. Nem tanto pelas informações, mas pelas mentiras e mistificações que infestam a internet. Afugentam qualquer um que quer levar a coisa com seriedade.

- Em todos os campos, como nessa crise de agora – comentou Ligia.

- Tenho a impressão de que o Leandro pode saber o nome do responsável, vou falar com ele. Só não prometo que você chegará a saber.

- O Leandro mudou muito.

- Todos nós mudamos.

Ligia ficou em silêncio, e finalmente perguntou:

- E o Roberto? Tem notícias dele?

- Exceto o fato de que continua a escrever para aquele jornal em Brasília, nada. Volta e meia vasculho suas redes sociais, mas é só trabalho e comentários políticos. Da vida pessoal, nada.

O executivo e membro original da equipe dos Faroleiros completou:

- Sinto saudades. O Farol, as investigações, tudo o que vimos.

- Eu também. Mas o passado só retorna para nos assombrar.

Ligia hesitou um pouco, e acrescentou:

- Preciso ir. Assim que souber de algo me ligue.

- Pode deixar. Se cuida.

A policial desligou.

Batista se levantou e ficou olhando pelas amplas janelas. Preferia aquela vista da Berrini, Marginal Pinheiros, Morumbi e além do que a selva de prédios do centro de São Paulo, na antiga sede da BLF Informática.

Ao lado de seus amigos Leandro e Franco, haviam erguido aquela empresa auxiliando precisamente as figuras mais execráveis da política brasileira, ao mesmo tempo que roubavam seus segredos. Ele sorriu da suposta incoerência, pois o que o tal Greenwald fez não era muito diferente do que eles conseguiam em seus bons tempos.


Mas com uma diferença vital: eles jamais se deixaram contaminar ou guiar por qualquer ideologia ou agenda partidária. E pouco se interessavam por picuinhas da luta política, buscando na verdade pelas informações inconfessáveis que nenhuma autoridade, não importando o partido ao qual estava vinculada, jamais admitiria.

O auge foi a pesquisa sobre informações de contatos alienígenas, e eles de fato obtiveram várias vitórias nesse campo. Foram anos em que a pesquisa de discos voadores prosperou, baseada em fatos concretos. Muitos desse meio criticavam o veículo clandestino que eles publicavam, O Farol. Mas ninguém ficava indiferente a suas revelações.

O acidente de Roberto no final de 2001, seu desaparecimento por semanas, e os novos e lamentáveis rumos do país de 2003 em diante haviam mudado tudo aquilo. A BLF conseguiu sobreviver, mas os três amigos, embora continuassem sócios, tomaram rumos diferentes.

Porém, Batista precisava saber. Os anos não haviam sido gentis com Leandro, que se tornara instável demais para aquele serviço, mas continuava a ser um dos melhores hackers do mundo.

Pegou o velho celular com flip, ativou o sistema que impedia qualquer rastreamento, e teclou um número.

Cercanias do Campo Belo
Zona sul de São Paulo
11 de junho de 2019, 15:30h.

Uma campainha soou em um cômodo na parte traseira da pequena casa. Esta se situava na metade posterior do terreno, separada das construções vizinhas por muros altos com grades eletrificadas.

A campainha soou três vezes, até que Leandro atendeu.

- Espero que seja importante – disse o hacker negro.

- Sabe que nunca ligo se não é, meu amigo – respondeu Leandro.

- Pode dizer para Ligia que não tive nada a ver com o vazamento da conversa descuidada do Moro e seus amigos.

Leandro deixou escapar uma exclamação de surpresa, para depois perguntar:

- Como sabe!?

- Só sei que vocês continuam a se falar. Agora sei que ela suspeita de mim. Com razão, devo reconhecer.

- Mas e então?

- Sabe muito bem que nunca me deixei levar por ideologia. Mas todos erramos. Só precisa saber que estou lidando de forma adequada com a situação.

Os dois permaneceram em silêncio por um tempo, até que Batista disse:

- O próprio Moro ligou aqui na empresa ontem. Agora, depois da porta arrombada, e estou começando a soar como você, eles se preocupam com segurança informática.

- Agora eu estou surpreso, não sabia que a BLF continuava com contatos tão bons.

- Ajudamos muito a Lava Jato, conforme se lembra.

- Fazendo o mesmo que esse Greenwald cometeu agora – disse Leandro com amargura. Um sinal soou em uma das telas que tinha à sua frente, e ele acrescentou:

- Espere na linha. Tenho que resolver uma coisa.


Largou o telefone, e Batista manteve o silêncio, ouvindo tudo que era dito do outro lado. Ouviu o colega dizer com voz sarcástica:

- Georgina, há quanto tempo!

Leandro olhou para a tela, que exibia o rosto de uma conhecida ainda dos tempos em que a sede da BLF era no centro.

- Não tempo suficiente.

- Com certeza insuficiente para você aprender de uma vez por todas que temos por norma não nos envolver com ideologias nem com política.

A moça riu, olhando para Leandro com expressão zombeteira. Respondeu:

- Até parece! Cansaram de espionar os figurões da República, cobrando caro por uma proteção que só não os protegia de vocês Faroleiros, não é mesmo?

A hacker exibiu um pendrive e disse:

- Está tudo aqui, Leandro. Tudo que peguei de vocês nos tempos em que era sua funcionária. Sabe que comentei com o Greenwald a respeito, e ele me ofereceu muita grana pelo que descrevi como “um escândalo que vai fazer parecer os crimes do Moro soarem como roubo de ninharias no mercadinho da esquina”.

- E os crimes dessa gente a quem você está se associando?

- Pelo menos foram crimes em nome do povo!

Foi a vez de Leandro rir.

- Agora é a parte em que você diz que o bandido de Curitiba deve ser libertado, né?

O rosto de Georgina assumiu uma expressão de fúria. Mas instantes depois relaxou, ela voltou a sorrir e respondeu:

- É claro que é o principal objetivo do senhor Greenwald, junto aos partidos políticos envolvidos. Não se pode admitir que o maior líder popular do país continue preso. E isso, claro, envolve a luta contra todos que não aceitam este fato.

- Pela última vez, Georgina – pediu Leandro. – Deixe disso. Essa gente é criminosa, e assim que não precisarem mais de você vão te descartar. Como fizeram com o tal israelense que foi preso, o Tal Prihar. E seguramente farão com seu amiguinho russo, Evgeniy Mikhailovich Bogachev, vulgo lucky12345.

Georgina não conteve a expressão de espanto.

- Achou realmente que eu não descobriria tudo? Que não conseguiria as provas do dinheiro que os políticos pagaram a vocês? Que não saberia que usou a tecnologia que roubou da BLF?

A moça voltou a rir e retrucou:

- Pois saiba que os recursos que temos são vastos, e mesmo que um e outro caia, as revelações continuarão saindo. E garanto que uma das próximas será a respeito de uma próspera firma de segurança informática, uma fachada para ladrões de informações e cúmplices de autoridades que cometeram crimes, e colocaram na cadeia um ex-presidente inocente.

Ela abanou o pendrive diante do rosto. Leandro sacudiu a cabeça e respondeu:

- Já não posso fazer mais nada por você.

Um ruído parecido com um assobio foi ouvido, Georgina arregalou os olhos, olhou para o peito, onde havia um buraco de saída, e desabou sobre a mesa. Outro rosto surgiu na tela depois que o corpo da hacker foi retirado da cadeira e depositado com cuidado no chão.

- Serviço feito, sêo Leandro.

O hacker negro não manifestou a menor emoção. Disse apenas:

- Obrigado, Genésio, eficiente como sempre. Providenciarei o depósito em sua conta. Queime tudo conforme combinamos, e me traga esse pendrive.

O matador, nome temido por todo o sertão nordestino, tocou na aba do chapéu, mexeu em alguns comandos e a imagem sumiu. Leandro voltou a apanhar o celular.

- O que aconteceu não é o que está parecendo, né? – perguntou Batista.

- Como falei, tudo estava e está sendo tratado de acordo. Nada com o que se preocupar.

Um pesado silêncio desceu, antes que Leandro perguntasse:

- E o Franco, falando nisso?

Batista voltou a suspirar, respirou fundo por alguns segundos na tentativa de retomar o autocontrole e a conversa. Finalmente, com estudada calma, respondeu:

- Está com aquela amiga, Vó Nena, que o chamou para lidar com uma situação no Acre. Foi só o que me disse.

- Vó Nena, aquela caçadora de monstros do interior? Daqueles casos do carro fantasma no sul de Minas Gerais, e do milionésimo Fusca produzido, presenteado aquele ex-nazista que rastreamos no sul do país?

- Ela mesma.

Leandro sentou-se na ponta do assento e disse, com tom interessado:

- Eles estão no Acre, então? Isso é interessante! O que mais sabe?

- De nada.

- Quando tiver mais informações me mande sem falta! – disse Leandro, olhando para outras das telas à sua frente.

Batista, mesmo depois de tanto tempo, não havia se habituado aquela nova versão de seu amigo e sócio. Leandro sempre fora discreto, mas desde 2004 andava diferente. Sabia que escondia coisas, mas evidentemente também sabia que cada um dos três tinha segredos que jamais revelara aos outros.

- Recebeu as informações que enviei? – perguntou Leandro cortando seu raciocínio.

Batista se sentiu perdido, quase perguntou “o quê”, mas se lembrou a tempo e finalmente respondeu:

- Ah, sim. Até já montei, estou mandando agora.

Momentos depois, tendo passado os olhos sobre o arquivo, Leandro comentou:

- Muito bom. Isso traz lembranças dos bons tempos.

Batista não conseguiu evitar uma risada, e disse:

- Estou ouvindo direito? Você, Leandro, que nunca foi de remexer o passado, se referindo aos “bons tempos”?

Leandro soltou um “humpf” e perguntou se havia mais alguma coisa. Eles conversaram sobre as novas movimentações e possíveis passos futuros, e combinaram uma conversa para algum dos próximos dias.

Em inúmeras telas de computador e celulares
Por todo o Brasil
12 de junho de 2019, ao longo do dia

O FAROL

E não existem conspirações!?

Caros leitores dO Farol, novamente cumprimos o dever de lhes trazer as notícias que eles não querem que vocês saibam!
Eles sempre usam de toda força, autoridade, legitimidade e credibilidade que pensam que têm para afirmar com falsa segurança que não existem conspirações, e que se movem única e exclusivamente pelo interesse de bem servir o povo que os elege.
Eles estão mentindo!
E, quando apanhados em flagrante ato de imoralidade administrativa e especialmente financeira, dizem que não sabiam de nada!

Retornamos ao ar com esta edição, esperando que seja mais uma longa colaboração com todos que se ocupam da busca pela verdade. E desta vez, ao contrário de nossas denúncias habituais, nos ocuparemos de outros indivíduos.
Gente perigosa, amoral, e capaz de tudo para servir a sua ideologia.
Sim, estamos falando do senhor Greenwald, que chegou a acreditar que conseguiria escapar impune de sua própria teia de mentiras.
Nesta edição apresentaremos provas sobre como o patético site sensacionalista e criminoso de Greenwald é financiado por outro grande elemento nocivo para a liberdade mundial, o bilionário George Soros.
Comprovaremos como se deu a negociata para um troca-troca de mandato entre alguém ligado a Greenwald e certo ex-deputado.
E revelaremos as ligações do mesmo Greenwald e seu conhecido parceiro, Edward Snowden (que da praticamente totalitária Rússia ousa hipocritamente afirmar que defende a liberdade de informação) com partidos brasileiros que têm por objetivo final o estabelecimento de um regime totalitário em nosso país.
O senhor Greenwald achou que se daria bem em nosso jogo. Mas ele sequer chega a ser um aprendiz, quando nós, dO Farol, somos os mestres.

Leandro leu o cabeçalho e ficou satisfeito. Talvez um pouco arrogante e pretensioso, mas ele gostou mesmo assim. Depois fechou o arquivo e se dedicou às demais telas dispostas diante de sua cadeira.

Cada uma delas era continuamente alimentada com mensagens, arquivos de todo tipo e documentos. Não havia nada de muito extraordinário em todos estes, é verdade, e boa parte deles seriam considerados até corriqueiros em suas fontes de origem.

Mas ali, guardados em vários dos dispositivos de memória de Leandro, e na nuvem alimentada por seus vários servidores remotos espalhados pelo planeta, não eram nada corriqueiros. Especialmente pelo fato de serem provenientes de inúmeros universos paralelos.

Foi em 2004 que Leandro recebera o misterioso convite, de alguém que se intitulava O Moderador, para participar de um fórum de discussão e rede social intitulado somente A Lista. A princípio espantou-se mais pela mensagem haver passado por todos os softwares de segurança que ele próprio havia criado, do que pela impressionante realidade exposta nas mensagens que passou a receber.

Foram anos a fio de estudos, durante os quais se afastara de quase tudo. Estava ali toda a prova que eles incessantemente haviam buscado por muito tempo com O Farol.

E estavam ali, especial e principalmente, as razões pelas quais se lançara obstinadamente àquela nova cruzada. Desistiu de contar em quantas realidades o Brasil mergulhara em desastres dos mais variados, golpes militares, totalitarismos de todos os lados, guerra civil, até conflitos com os países vizinhos.

Em não poucas realidades, tais conflitos chegaram a descambar em guerras mundiais.

Era um esforço descomunal tentar elaborar um caminho coerente, a fim de evitar qualquer daqueles desenlaces a partir de situações incrivelmente semelhantes àquelas que seu próprio Brasil estava experimentando.

Leandro suspirou. Torcia ardentemente, como nunca fizera, para que aquela edição dO Farol cumprisse seus objetivos.



Nota do autor: Naturalmente, aqueles que têm lido minhas obras ao longo destes anos reconheceram o fato de que esta singela história mistura os principais universos aos quais tenho me dedicado.


Universos como o dos livros De Roswell a Varginha e Filhas das Estrelas.

O Multiverso dA Lista. E não relacionado no texto, mas temos um pouco de Steampunk também!

E o mais novo universo de magia e criaturas fantásticas e do folclore de Vó Nena e os Caçadores, além de uma participação muito especial de certo matador que surgiu nas aulas do curso de Oficina de Roteiro do Senac, e protagonista de meu primeiro roteiro cinematográfico.

Os leitores que frequentaram os bons tempos do primeiro blog Escritor com R talvez se lembrem ainda de O Plantão do Farol, no qual, em histórias curtas montadas como um newsletter, aproveitando notícias de grande repercussão, explorei variadas conspirações. Desnecessário dizer que, de alguns anos para cá, a tarefa de criar conspirações fictícias se tornou muito dura, bastando acompanhar o noticiário político para perceber que o mais imaginativo escritor ainda será um principiante perto de nossos ditos “homens públicos”...

Não posso afirmar que este será o caminho a seguir. Busquei aqui somente um pouco de experimentação, brincar com personagens e conceitos já conhecidos, e presentear vocês leitores. Espero que tenham gostado!

A série sobre os 50 Anos do Superpato retornará em breve, podem aguardar!


E naturalmente, espero que sigam o Coletivo de Letras, nosso jornal literário, na Rede Premium TV, no Facebook e no Instagram.

Naturalmente este Escritor com R e também o Corujice Literária também estão no Instagram, sigam-nos!

Até a próxima!

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