quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Superpato Novas Aventuras parte 25

SUPERPATO 50 ANOS

PKNA 48 Le parti e il tutto


Edição publicada em 1 de dezembro de 2000, e que foi uma das que contou com a participação do conhecido artista Disney Andrea Freccero, que desenhou a história. Um caminhão de carga é alvo de uma quadrilha de assaltantes, que é rapidamente derrotada pelo Superpato. Logo vemos que as cenas fazem parte de um arquivo de Um, que lamenta que aqueles são os velhos tempos, e que não há mais lugar para heróis mascarados na Patópolis de 2188.

Nisso, no mosteiro de Dhasam-Bul, um idoso Everett Ducklair comanda a ordem de monges, mas deixa o lugar rumo à sua cidade. E, no tempo presente, dois trabalhadores da companhia telefônica encontram um estranho dispositivo das Indústrias Ducklair conectado a uma cabine em pleno deserto.

No presente, Donald verifica o habitual estado precário de sua conta bancária em um caixa eletrônico, sendo por isso gozado por Um. Um androide da Tempolícia o observa e busca obter informações no mesmo dispositivo, porém sofre um choque, e em seu rosto vemos uma expressão maldosa combinada a olhos vermelhos.

Na Patópolis de 2188 a Ducklair Tower virou a sede da Robolab, indústria que produz uma infinidade de robôs de todos os tipos projetados por Um. Mas nossa I. A. preferida se surpreende pela volta de seu criador, e Everett explica que sua longevidade é decorrente da vida saudável no mosteiro. Depois de dizer que sempre soube que esse dia chegaria, Ducklair afirma que está ali para dar a Um o que este sempre desejou.

Presente, e Donald comparece à redação do 00 Channel atendendo a um chamado de Lyla. Ela comenta sobre perturbações na linha temporal quando surge o outro androide, que subitamente desaparece em um salto temporal. O sintético aparece precisamente na Ducklair Tower e acompanha a conversa entre Everett e Um. O inventor diz à I.A. que sempre soube que seu estado seria transitório, que com a evolução de sua consciência surgiria o desejo por um corpo. Ducklair lamenta tê-lo feito solitário como ele mesmo. Um, por sua vez, fala de sua antiga parceria com o Superpato, como o amigo o fez apreciar as inteligências biológicas, e como adoraria andar entre eles, ser uma pessoa real.


No presente, Lyla recebe uma mensagem da Tempolícia sobre o androide que deveria observar o Superpato, mas com o qual eles perderam contato, e temem que possa exterminá-lo. Durante a conversa com Um o androide, que já descobrimos estar sendo controlado por Dois (gêmeo maligno de Um, conforme vimos ao longo deste especial), inadvertidamente dá outro salto, desta vez para o passado, sendo recepcionado por uma tribo de indígenas. Presente, e Superpato se prepara com Um, que alerta que o androide não aparece em seus sensores, e vai ao encontro de Lyla, que acrescenta ser aquele um modelo de batalha.

Em 2188 Everett termina o androide que irá conter Um, e no passado Dois se acostuma com os detalhes de seu novo corpo. Porém a transferência de Um para o androide de Everett não dá certo, e o monge considera até um componente transcendental para o problema. No presente Superpato e Lyla finalmente confrontam Dois, cujo corpo contém um armamento que se revela pesado demais para a dupla. Depois de temporariamente derrotar ambos, Dois salta novamente, disposto a confrontar Um.

Outra tentativa de Everett falha, e ele medita a respeito. No presente, Superpato explica a Lyla sobre Dois, e alerta Um para ativar todas as defesas da Ducklair Tower. Lyla então pergunta para a I. A. dados técnicos dele, Um faz uma piada sobre informações pessoais mas as transmite, e Lyla com elas modifica a arma que usou antes, sem sucesso, contra Dois.


O gêmeo maligno, a bordo do androide, consegue entrar no edifício e confronta nossa I. A. preferida. Durante o confronto chegam Lyla e o Superpato, e o trio combate Dois em uma sequência cheia de ação. Finalmente, a droide temporal dispara sua arma, atingindo Dois em cheio.

O efeito da arma é desprogramar uma I.A., e não funcionou antes por não estar regulada para algo tão complexo como Dois. Mas o gêmeo maligno reage, diz que Um não tem futuro e que já viu seu futuro corpo, criado para ele. Um afirma que isso não é lógico, já que se Dois destruí-lo ele não terá futuro. E a I.A. maligna percebe o paradoxo, saltando no tempo.

Nova tentativa de Everett de integrar Um ao androide não deu certo, ele afirma que algo indefinível ainda falta, e nisso surge Dois, ainda a bordo do androide da Tempolícia. Ele tenta destruir os dois e se apossar do androide, mas se comporta de forma cada vez mais errática, ditando fórmulas científicas e parecendo reviver seus primeiros dias. Em um último lampejo de consciência, lamenta ter ficado esperando em segundo plano, aguardando um problema com Um para entrar em ação e ser útil, o que nunca ocorreu. Antes que Dois desapareça, Um faz uma conexão e absorve o restante de sua personalidade, dizendo que nunca quis destruí-lo e não poderia permitir que desaparecesse por completo.


Everett pede que Um faça mais uma tentativa com o androide que construiu, e desta vez a transferência é bem sucedida. O monge explica que toda personalidade autêntica deve conter dentro de si elementos de seu oposto. Todos temos o bem e o mal, moralidade e imoralidade dentro de nós. E Um, tendo absorvido esses elementos de Dois, tornou-se afinal completo. Somente é necessária uma cobertura de aparência humana, que Um desenhou por décadas. E, em um momento de “unir-se à Força”, Everett Ducklair desaparece, deixando seu adeus e seu manto.

No presente Um, Superpato e Lyla conversam e comemoram que tudo acabou bem, e na Patópolis do futuro os trabalhadores da Robolab finalmente conhecem o fundador e chefe da empresa, Odin Eidolon.


Que história excelente! Podemos de imediato comparar os efeitos da arma em Dois com a desativação de Hal 9000 em 2001: Uma Odisséia no Espaço. E ao longo de toda a trama é muito comovente a solidão e o desejo por liberdade de Um, além das ações de Everett Ducklair para com o ser que criou. E claro, há a questão das viagens temporais, conforme as vimos em PKNA 43 Tempo al tempo (parte 22), quando o fenômeno da micro-contração no espaço-tempo contínuo havia impedido as viagens temporais. De fato, quem sabe o tempo transcorrido desde então, conforme ali explicado, já houvesse permitido a ocorrência da estabilização, tornando novamente possíveis as viagens no tempo?

Falta somente uma edição para a conclusão dessa série fantástica, e vamos a ela!

PKNA 49/50 Se...


Esta foi a última edição da série Superpato Novas Aventuras, publicada na Itália em 1 de janeiro de 2001. Um alarme toca na Ducklair Tower, e vemos uma série de recipientes de dispositivos tecnológicos. No mosteiro de Dhasam-Bul, por sua vez, os monges alertam Everett Ducklair que um de seus objetos igualmente deu alarme. O inventor não revela a eles, mas sabe que aquilo é devido a uma gravíssima ameaça, e ele medita sobre como sua dedicação à ciência e seu exílio no mosteiro foram tentativas de aliviar aquele fardo.

Ele, então, chega à conclusão de que ainda há uma chance de alterar o futuro, um poder incomensurável presente no mosteiro. Seus passos, entretanto, alertam o líder ancião dos monges, mas Ducklair está decidido. O poder é o Livro do Destino, e ele tentará reescrever páginas do passado a fim de alterar o futuro.


Sua primeira intervenção se dá em PKNA 1 Ombre su Venere, que a Abril publicou aqui como Sombras sobre Vênus. Revisitando o sequestro de Angus Fangus pelos evronianos, este é bem sucedido quando os invasores usam uma arma de pulso eletromagnético, impedindo momentaneamente que os sensores de Um captassem a situação de perigo. Com isso o jornalista desaparece, e com isso damos um salto para os eventos de PKNA 6 Spore (parte 6). Após uma discussão com o coronel Clint E. Westcock, o Superpato “empresta” um dos exoesqueletos de combate dos militares e começa a destruir os esporos evronianos. Nesse momento surge um guerreiro alienígena de máscara, extremamente poderoso, lembrando Trauma, que se revela como... Angus Fangus! O cientista Zoster fez experimentos com o jornalista, obtendo o apoio do chefe científico Gortham, que na linha temporal original criou o general Trauma. E esse Angus melhorado tira energia dos golpes que recebe, assim como outros guerreiros evronianos que atacam.


Superpato, ciente da situação, afirma que Westcock precisa ordenar a seus soldados que parem, e tenham pensamentos felizes. A insólita ideia dá resultado, e sem as energias que os alimentam os mutantes evronianos murcham. Everett, então, comprova que as mudanças não foram bem sucedidas, afirma que precisa de Angus Fangus e leva o Livro do Destino a outro local. Então decide analisar outra época, quando ele retornou para Patópolis a fim de ajudar Um e Superpato contra Dois (PKNA 2 Due, parte 2).

Após a experiência em realidade virtual do Superpato, este vai desconectar mas surge uma abelha vermelha (cor de qual I.A. mesmo?), que o pica. A saída é bloqueada, e Um inicia uma série de varreduras para descobrir o problema. O Superpato, tentando sair de qualquer forma da realidade virtual, vai piorando a situação. Finalmente, Um aponta uma saída para o Superpato, e sua consciência vai parar em uma esfera, tal qual aquela onde nos habituamos a ver Um. Nossa I.A. preferida explica então que descobriu uma invasão do sistema, e que o agora revelado falso Superpato se comportava de forma hostil e nada habitual. Após localizar a trilha para um local da memória onde estava a consciência do Superpato, Um conseguiu isolá-lo e expor o impostor que tomou a forma virtual dele.

Que, sem surpresas, é Dois. Surreal ver a I.A. maligna com o uniforme de nosso herói!


Sob a ameaça de Dois tomar o corpo do Superpato, a dupla de heróis o combate, mas Dois ameaça deletar os arquivos da personalidade do herói caso Um não se desative. Um está a ponto de iniciar o processo, quando Superpato ordena que pare, e o manda desconectar a energia. Sabe que está pedindo ao amigo para se deletar, mas é a única maneira de impedir Dois. A I.A. maligna afirma que isso irá apagar também a consciência do Superpato, e este completa dizendo que, caso vença, Dois o deixará como um mero programa, uma vida que o herói não quer.

Um está a ponto de cumprir a ordem quando Dois cede, troca de lugar com o Superpato, e a dupla de heróis vence. O vilão afirma que calculou todos os parâmetros de seu plano, menos a capacidade de auto sacrifício. “Por isso você sempre será uma máquina”, diz o Superpato. Nosso herói retorna ao mundo real, Dois permanece em stand by, e Um revela que, durante a ação, tentou copiar o arquivo de personalidade do Superpato para analisá-lo. Em outras palavras, agora existe em seu sistema um Cyber Superpato!

Everett Ducklair, entretanto, lamenta. A experiência não somente não o ajudou em seu problema da misteriosa ameaça futura, como deu ao Superpato um superpoder de consequências imprevisíveis. Aquelas páginas desaparecem como surgiram.

Os monges tentam encontrar quem levou o Livro do Destino, Ducklair utiliza o que aprendeu para se ocultar, enquanto há tempo para somente mais uma alternativa.


Ducklair analisa a figura do Lança-Raios, que além de pirata temporal por várias vezes foi um aliado do Superpato, inclusive capaz de se sacrificar de forma nobre. O inventor então se volta para Lyla, como ela se tornou amiga do Superpato, e questiona se ela, ao contrário, seguisse firmemente sua programação. Retornamos então aos eventos de PKNA 3 Il giorno del sole freddo (Superpato X Demolidor da Abril, parte 3), e em meio ao conflito no clímax da história Lyla auxilia a Tempolícia a manter a linha temporal original, na qual a explosão do reator destruiu Patópolis.

A sequência que se segue me deixou absolutamente sem palavras! Uma panorâmica da cidade mostra a bola de fogo da explosão se expandindo, enquanto moradores, nas páginas seguintes, tentam escapar. O efeito ficou incrivelmente similar à catástrofe de Nova York em Watchmen!


Sério, um abalo terrível.


Inacreditável.

Em Time 0, a base da Tempolícia, o conhecimento de Lyla é considerado essencial na captura de um novo pirata temporal, conhecido como Retaliador. Mas nesse momento o Lança-Raios e seu companheiro, Kronin, invadem o lugar, quase uma repetição dos eventos de PKNA 33 Il giorno che verrá, que vimos na parte 18. E os piratas temporais chegaram com companhia.

O Retaliador.

Que é o Superpato.

Lyla pergunta como ele pôde, e ele retruca dizendo que ela poderia ter salvado sua cidade, mas não o fez, e que viu a destruição enquanto escapava pelo fluxo temporal. Da catástrofe, ninguém restou. Os piratas seguem o plano de resgatar os companheiros presos, e o Superpato ainda diz que, como cronocriminoso, aprendeu que não é verdade que o tempo cura todas as feridas.

Lyla também lamenta por ter feito do Superpato um pirata, ao se aliar ao Lança-Raios para salvar os habitantes de Patópolis. No meio da confusão ela usou a altronave, a máquina que permite viagens entre universos paralelos, que alimentada pela energia da explosão transferiu os habitantes da cidade para outra realidade. A androide afirma que eles podem ter ficado amedrontados, mas estão vivos.

Superpato fica furioso com o Lança-Raios, enquanto o outro pirata, Kronin, se aproveita da confusão e atira em Lyla. Os piratas vão prender todos nas cronocelas, mas um comentário do Superpato para o Cronocomandante faz a maré virar, e são os bandidos que acabam em hibernação temporal. O Superpato ainda tem tempo de trocar poucas palavras com Lyla antes de sua desativação, chegam os técnicos que dizem que podem repará-la, mas nosso herói diz que não, ela não iria querer isso. “Máquinas podem ser reativadas, não ela”, diz, emulando palavras que já proferiu antes (podem pesquisar neste especial para saber em qual edição). O Cronocomandante ordena a prisão do Retaliador, mas nesse momento chega uma ordem.


Ele, nosso Superpato, deve ser libertado juntamente com o Lança-Raios, por haverem contribuído para a prisão de Kronin. De volta aos destroços da Ducklair Tower, o Superpato guarda a unidade central de processamento de Lyla.

Diante do edifício, em uma pira em honra aos habitantes de Patópolis, nosso herói queima o uniforme do Retaliador.


Everett Ducklair novamente fica desapontado, pois as alterações que realizou na linha temporal se manifestaram de forma ainda mais desastrosas. Ele queria eliminar o fardo sobre seus ombros, mas vê que o melhor curso de acontecimentos é o que já existe, e não há mais tempo para novas tentativas. Ele queima as páginas que escreveu e também o Livro do Destino, deixando definitivamente Dhasam-Bul. Ele lamenta ter desnecessariamente traído a confiança dos monges, mas vê as respostas que buscava em uma abelha deixando uma flor em meio á neve que ele atravessa.

A vida sempre encontra um meio.


Na Ducklair Tower, o alarme soa, enquanto o chip de Lyla se mostra ativo.

E termina assim a maior e última edição de Superpato Novas Aventuras. Uma das melhores, mais tocantes e mais terríveis de toda a série. As variações sobre temas que vimos anteriormente comprovaram a engenhosidade de nossos heróis, sua coragem, e também o que pode acontecer com eles ao se verem diante de uma tragédia que não puderam evitar.

Os eventos deste episódio final se ligam diretamente à série seguinte, PK2, que parte imediatamente após esses eventos. Nesta acontece o retorno de Everett Ducklair a Patópolis, comprando de volta do Tio Patinhas a Ducklair Tower e nela se instalando. Donald é forçado a buscar outro esconderijo e outro emprego, não tem mais o apoio de Um, e precisa lidar com muitos inimigos. O principal da série é a revelação sobre as origens de Everett Ducklair e a misteriosa ameaça sugerida neste último episódio.

A fabulosa série Superpato Novas Aventuras se mostrou, para mim, uma das melhores obras de Ficção Científica que já li! Convido os leitores a conferirem este especial e comprovar o que digo. Apesar de alguns episódios claramente “tapa-buracos”, boa parte das tramas propôs incríveis discussões sobre assuntos profundamente filosóficos e humanos. Amizade, dedicação, fidelidade, emoção, inteligência, espírito, consciência... como nos melhores livros, seriados ou filmes de nossa boa e velha Ficção Científica!

Além disso, sem a menor sombra de dúvida, apesar de todas as novidades apresentadas na vida de nosso grande herói, o Superpato, nosso Pato Donald, permaneceu exatamente o mesmo personagem que tanto amamos. Ainda o cabeça-dura, teimoso, turrão, mas corajoso, fiel, capaz de qualquer coisa para salvar o dia. O mesmo herói extraordinário que Elisa Penna visualizou há exatos 50 anos, e trazido para a luz pela genialidade de Guido Martina e Giovan Battista Carpi, na clássica história O Diabólico Vingador.

Superpato Novas Aventuras conseguiu manter todas as características de nosso herói, ao mesmo tempo em que o inseriu em um mundo novo, elevando exponencialmente a intensidade de suas aventuras. O resultado é primoroso, o que nos faz somente lamentar a decisão da Abril, em 1998, de encerrar a série.

Agora que a Panini está iniciando a publicação de grandes sagas Disney, entretanto, ainda resta uma esperança! O editor Marcelo Alencar recentemente comentou, no grupo Disneyanos do Facebook, que estuda uma forma de trazer o universo de Ficção Científica do Superpato de volta a nosso mercado. Diante das conhecidas dificuldades deste, mais as especificidades da série, de fato duvido muito de seu lançamento integral aqui.

Mas, conforme mostramos neste especial, a série italiana Paperinik Ultimate Collection pode ser uma opção. Suas edições, em um total de vinte, aglutinavam em média três episódios da série Superpato Novas Aventuras, e o lançamento de alguns volumes poderia ser uma forma de reapresentar esse fabuloso universo para novos leitores.

Mencionamos na série a edição 9, que traz a Trilogia de Urk, e também a 17, com a Trilogia Xadhoom. Para um panorama geral da série, eu sugeriria ainda a publicação dos volumes: 2 – Viagens no Tempo; 3 – Quarta Dimensão; 7 – Extraterrestres; 10 – Fascínio Alienígena; 18 – Não Aqui Não Agora; e 20 – Ato Final.


Tais edições têm 212 páginas, e a 20 tem 240, e poderiam ser lançadas a preços relativamente acessíveis. Seriam oito volumes com as melhores tramas da série Novas Aventuras, um grande presente para os muitos fãs do Superpato que existem em nosso país. Fica a sugestão.


Ler estas edições, mesmo que não em português no caso da absoluta maioria, e escrever este especial, foram ações que culminaram em uma viagem extraordinária. Espero que os leitores tenham apreciado, e de novo manifesto minha torcida e apoio para que, de alguma forma, ao menos parte deste material seja publicado no Brasil.

Já havia postado um resumo da série em agosto passado, e agora é adequado que sejam publicados abaixo os links para os leitores aproveitarem mais uma vez este especial:

Parte 1, PKNA 0 Evroniani e PKNA 0/2 Il vento del tempo

Parte 2, PKNA 0/3 Xadhoom! e PKNA 2 Due

Parte 3, PKNA 1 Ombre su Venere e PKNA 3 Il giorno del sole freddo

Parte 4, PKNA 4 Terremoto e PKNA 5 Ritratto dell'eroe da giovane

Parte 5, PKNA 7 Invasione! e PKNA 8 Silicio

Lembrando que os números até aqui foram os publicados pela Abril.

Parte 6, PKNA 6 Spore e Speciale 97 Missing

Parte 7, PKNA 9 Le sorgenti della Luna e PKNA 10 Trauma

Parte 8, PKNA 11 Urk e PKNA 12 Seconda Stesura

Parte 9, PKNA 13 La notte piú buia e PKNA 14 Carpe Dien

Parte 10, PKNA 15 Motore/azione, PKNA 16 Manutenzione straordinaria e PKNA 17 Stella cadente

Parte 11, PKNA 18 Antico futuro, PKNA 19 Zero Assoluto e PKNA 20 Mekkano

Parte 12, Speciale 98 Zero Barra Uno e PKNA 21 Tyrannic

Parte 13, PKNA 22 Frammenti d´autunno e PKNA 23 Vuoto di memoria

Parte 14, PKNA 24 Crepuscolo e PKNA 25 Fuoco incrociato

Parte 15, PKNA 26 Il tempo fuge e PKNA 27 I mastini dell'universo

Parte 16, PKNA 28 Metamorfosi, Pkna 29 Virus e Pkna 30 Fase Due

Parte 17, PKNA 31 Beato Angelico, PKNA 32 Underground e Speciale 99 La fine del mondo

Parte 18, PKNA 33 Il giorno che verrá e PKNA 34 Niente di personale

Parte 19, PKNA 35 Clandestino a bordo, PKNA 36 Lontano lontano e PKNA 37 Sotto un nuovo sole

Parte 20, PKNA 38 Nella nebbia, PKNA 39 Cronaufragio e PKNA 40 Un solo respiro

Parte 21, PKNA 41 Agdy days e PKNA 42 La sindrome di Ulisse

Parte 22, PKNA 43 Tempo al tempo e PKNA 44 Sul lato oscuro

Parte 23, Speciale 00 Super e PKNA 45 Operazione Efesto

Parte 24, PKNA 46 Nell'ombra e PKNA 47 Prima dell'alba

Quero deixar um enorme obrigado a todos quantos participaram da produção destas histórias maravilhosas, especialmente para os mestres Disney Francesco Guerrini, que tive a enorme honra de conhecer na edição 2019 do Festival Guia dos Quadrinhos (confira tudo a respeito, inclusive nossa entrevista com ele, no Corujice Literária) e para os também mestres Lorenzo Pastrovicchio e Marco Gervasio, que no Facebook muito me honraram com comentários sobre meus posts a respeito dos personagens Disney.


Obrigado a todos os leitores que curtiram este especial. E acima de tudo, todo meu carinho de fã para o Donald, que completou 85 anos, e ao Superpato, que também teve seu cinquentenário neste 2019.

O Escritor com R continuará aqui, breve com mais novidades, e sigam nossas mídias sociais para saber de tudo:

Instagram: @renatoa.azevedo, @mlzotarelli e @corujiceliteraria.

Obrigado!
Até a próxima!

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Vó Nena e os Caçadores: A Maldição da Caneta Azul

A movimentação em frente ao Grande Hotel, o maior da cidade, era intensa. O café diante dele, do outro lado da rua, não estava menos cheio, mas Daniel e Vó Nena conseguiram uma mesa de onde viam todo o panorama.
Uma dupla de adolescentes passou diante deles na calçada, e do celular que um segurava na mão saía a maldita música.

Nota do autor: Caro leitor, se quiser saber qual é a maldita melodia que representa o grande inimigo desta história, clique aqui por sua conta e risco. Não diga que não avisei.


Daniel viu que Vó Nena crispou a mão que segurava sua bengala de pau-brasil e ameaçou erguê-la, e disse:
- Calma, Vó!
- Calma é o caralho! – respondeu a anciã indignada. – Meu neto, estou caçando essa porra dessa caneta desde a década passada! Essa gentinha sem cérebro que fica fazendo graça e ouvindo essa merda de música não sabe com o que está mexendo!
O celular de Daniel tocou, ele atendeu, era Tatiana.
- Oi, amor. Ainda estamos aqui no lobby do hotel aguardando a “celebridade” – e os aspas ficaram nítidos com a entonação que Tati deu à palavra. – Alguma novidade?
- Vó quase acertou uns “aborrecentes” que passaram com o celular tocando a música maldita, e o Samuel ligou dizendo que conversou com Batista – disse Daniel após colocar o celular no viva-voz.
- Aqueles hackers de São Paulo? E o que disseram?
- Comentaram somente a teoria da conspiração de que as canetas são sondas alienígenas, e ele falou algo sobre Máquinas Von Neumann, algo assim.
- Uma máquina replicadora que aproveita os materiais do ambiente que se encontra para criar cópias de si mesma.
- Como você sabe disso!?
- Eu leio, amor, você não?
- Aqui temos máquinas que se multiplicam também – comentou Vó Nena. – São esses idiotas que se multiplicam conforme escutam essas merdas compartilhadas por outros idiotas.
- Vó – disse Tatiana – o Aristeu, aquele repórter da Tamara Bonfá, está aqui.
- Essa biscate quer a porra da caneta, claro. Chame se ela aparecer, filha, essa filha da puta não costuma sair no meio da multidão, mas todo cuidado é pouco.
Tatiana despediu-se e desligou, guardou o celular no bolso do blazer, ajeitou a blusinha propositalmente justa que usava por baixo e ficou olhando o movimento intenso no lobby do hotel. Jornalistas de vários veículos da cidade e da região haviam vindo cobrir a visita do autor da porcaria, melhor dizendo música de sucesso, e além deles vários curiosos e aproveitadores circulavam e conversavam em pequenas rodas.
Tatiana às vezes preferiria não ser vidente, pois algumas das impressões que tivera ali foram as piores possíveis.
Aristeu, o famoso repórter de Tamara Bonfá, discutia com a equipe do programa por vezes em tom ríspido. Tati já havia percebido que ele olhava para ela em algumas ocasiões com expressão de dúvida, e procurou se manter afastada. Sabia que Vó Nena e os meninos tiveram vários encontros com o sujeito, que a anciã dizia que tinha parte com tudo que é criatura das trevas, mas como ela era praticamente recém-chegada naquele grupo de caçadores, não era tão conhecida. Foi por isso que se voluntariou para aquela missão.
Um garçom passava com uma bandeja cheia de bebidas e ela pegou um copo de refrigerante. Enquanto bebia, reparou em mais uma figura que entrava no salão, e que desta vez a reconheceu de imediato e veio em sua direção. Não podia evitar, já que sua família e a dela eram próximas uma da outra, logo tomou um gole e armou seu melhor sorriso.
- Juíza Arlete, que surpresa!
- Você aqui, querida?
Apertaram-se as mãos. Arlete vinha acompanhada de duas garotas adolescentes, que Tati sabia serem suas filhas. Cumprimentou ambas e a mulher disse:
- Resolveu retornar à faculdade de jornalismo, meu amor?
- Ainda não, juíza. Mas o editor do Jornal da Cidade continua amigo do meu pai, e eu me ofereci para ajudar na cobertura deste evento.
- Entendo. Minhas meninas aqui são fãs do Mané Gomes, e ficaram insistindo para que viéssemos. Aliás olha o Aristeu ali, depois vou tentar conseguir um lugar no programa da Tamara. Quer que coloque você também, Tati?
A vidente quase engasgou com a bebida, mas se controlou a tempo. Depois de respirar fundo respondeu:
- Obrigado, juíza. Mas tenho outros planos para hoje à noite.
Arlete mandou as garotas circularem, se aproximou de Tatiana e disse:
- Tatiana, sei que não é da minha conta, mas parece que você continua namorando o Daniel, o neto da Nena.
- Acertou duas vezes, juíza – respondeu Tatiana bebendo o último gole e colocando o copo na bandeja de outro garçom que passava, ao mesmo tempo dizendo “obrigada”. – Estou muito feliz com o Daniel, e não é da sua conta com quem passo meu tempo.
Arlete a olhou com expressão espantada, mas em um instante já se mostrava a mesma juíza conhecida pela frieza no trato com as pessoas. Comentou:
- Não queria ofender, minha querida. Como sabe nossas famílias já tiveram uma história juntas, e eu gostaria muito que voltasse a ser como nos velhos tempos. O desentendimento com sua avó Esmeralda...
Poucas coisas realmente irritavam Tati, e aquela pessoa que ela sabia ser execrável, além das histórias que Vó Nena contava sobre os desentendimentos com a mulher, a faziam sentir como inaceitável que ela sequer se referisse à sua querida avó, também vidente e parceira de Vó Nena. Mas lembrando da missão controlou-se, sorriu e respondeu:
- Juíza Arlete, amava e amo minha avó mais do que tudo. Sei que ela teve excelentes razões para fazer o que fez. Assim como eu tenho. Com licença.
Virou as costas, mas deu dois passos e se virou:
- Aliás, minha avó sempre dizia que cada um escolhe seu caminho, e sendo assim merece totalmente o que vai encontrar ao final dele. Um bom evento, juíza!
Com as coisas horríveis que Vó Nena havia contado sobre Arlete se misturando à agonia que sentia pela proximidade com aquela mulher, Tatiana chegou ao ponto de se sentir tonta. Ficou muito claro para ela que a juíza queria a caneta, mas como sabia de sua existência e para quê a queria, a jovem vidente não conseguiu saber. Apanhou um copo d´água com outro garçom, bebeu tudo de um gole, verificou as canetas que trazia no outro bolso do blazer e ficou ao lado de uma janela para tomar ar.
Esforçou-se para rememorar tudo que Vó Nena havia contado na noite anterior a respeito da maldição da caneta azul.

- A caneta azul, meus netos – começou Nena na sala subterrânea de sua casa, que uma vez fez parte da maior fazenda da região – não foi sempre maléfica. No começo passou de mão em mão dos maiores compositores da música brasileira. A primeira, que me contou pessoalmente sua história, foi Inezita Barroso.


A anciã contou como a compositora, uma das maiores da música raiz, escreveu várias músicas de sucesso com a caneta. Depois, como se tornou comum ao longo de sua trajetória, o objeto foi passando de uma pessoa para outra.


- Uma porcaria de uma caneta esferográfica vagabunda! – prosseguiu Nena. – Mas como disse, desde os anos 60 até os 70, 80, a coisa foi passando de mão em mão em shows, encontros, bastidores... um emprestava pro outro que emprestava para o seguinte...


Apesar de não gostar nem um pouco, Vó Nena comentou que o auge mesmo foram os anos 80. Uma das mais criativas e prolíficas fases da música brasileira, principalmente o rock.


- O rock brasileiro dos anos 80 foi o melhor! – comentou Daniel.


- Tem quem goste – riu Vó Nena. – Mas concordo, meu neto, muito melhor do que o que se fez depois.
- A partir dos anos 90 começou a chuva de merda – disse Samuel.
O rapaz levou um cascudo de Vó Nena, que vociferou:
- Olha a porra da linguagem, caralho! Essa é a educação que sua mãe deu a vocês?
- Desculpa, Vó – disse Samuel massageando o cocuruto, bem onde a bengala dela havia acertado.
- Alimentada pela criatividade natural do brasileiro, a caneta nessa época não chegava a ser um objeto ruim. Mas de qualquer modo, foi quando começaram os rumores, e todas as coisas de poder como ela têm que ser tratadas com respeito, ou podem ficar perigosos. E foi isso que aconteceu a partir dos anos 90.
Quase ninguém havia se tocado, até então, que a caneta azul, além de nunca terminar, permitia que alguém talentoso desse livre fluir à sua imaginação e criatividade. Os rumores, correndo entre a comunidade mística e dos caçadores, chegaram enfim aos ouvidos de um empresário ganancioso, que em um golpe de sorte conseguiu obter a caneta.
- E foi aí que toda a merda começou – comentou Vó Nena. – Podem contar, meus netos, essas porcarias que o povo chama de música desde então, a partir dos anos 90 e começo dos anos 2000, a maioria absoluta foi escrita por essa caneta maldita.
- E conforme era usada para compor músicas cada vez piores, mais apelativas e “grudentas”, a maldição da caneta foi ficando pior, é isso? - perguntou Tatiana.
- Isso mesmo, minha querida – respondeu a anciã.
- Lembro quando começaram um pancadão lá no bairro – comentou Tatiana. - Os moradores se reuniram e reclamaram, mas nada dos folgados parar com o barulho. Nem chamar a polícia adiantou. Precisou o Seu Abílio, barbeiro conhecido de lá, dar uns tiros de espingarda para dispersá-los.
- Eu lembro – disse Daniel. - E o delegado Esperidião queria prender o Seu Abílio!
- O povo não deixou – acrescentou Tati. – Fez um cordão humano na frente da casa dele e o delegado teve que desistir. Aí na noite seguinte esse mesmo grupo começou a fazer barulho perto da Praça dos Pássaros, perto de onde estavam.
- Mas daí se estreparam, pois o José mora lá – disse Vó Nena. – Chamou toda a cambada de lobisomens dele e tocaram o terror com os filhos da puta dos funkeiros. Eles bem que tentaram chamar a polícia, mas o Esperidião nem se meteu a besta desta vez.
- Claro, quando tem algum Encantado envolvido ele acoberta tudo – acrescentou Samuel.
- E esses arruaceiros tentaram mais uma vez, mas como era perto da casa do Ramalho, ele no dia seguinte conseguiu aprovar na Câmara de Vereadores um projeto proibindo esse lixo de pancadão na cidade – finalizou Vó Nena. – Pra alguma coisa boa aquele pastor de merda serviu.
Todos riram. Então Nena passou os olhos pela ampla sala subterrânea, guardada por uma porta de carvalho muito sólida e cheia de trancas, além de vários feitiços. Ali estavam guardados livros, amuletos, e todo tipo de objeto místico ou mágico que a velha caçadora havia coletado ao longo das décadas. Apontou para uma caneta tinteiro exposta em seu estojo, sob uma cúpula de vidro, e acrescentou:
- Então, meus filhos, do jeito que está agora, a caneta azul só é menos perigosa que essa outra, que o calhorda do Vargas usou pra escrever aquela porra daquela carta testamento.
Os garotos se entreolharam. Também já haviam ouvido aquela história. O documento escrito pelo ditador é unanimidade entre a comunidade mágica e de caçadores como um dos objetos místicos mais maléficos do país. Vó Nena ouviu até mesmo de Esmeralda que, como parte de sua missão, ela um dia conseguiria destruí-la, ajudando a trazer novos tempos para o Brasil.
- E ainda tem a caveira de burro enterrada em Brasília – comentou Samuel.
- Isso mesmo, meu querido – aprovou Vó Nena. – E que, dizem os boatos, foi levada para São Bernardo durante os últimos dias de governo daquele outro filho da puta, poucos anos atrás. Disso não temos certeza, mas as buscas prosseguem.
Vó Nena se levantou apoiando-se na bengala de pau-brasil, olhou para os jovens e pensou como fora abençoada com aqueles meninos. Depois, com voz firme, concluiu:
- Mas nosso trabalho amanhã é a caneta azul. Vamos dormir, meninada, que teremos um dia cheio!

Samuel circulava com o Fusca Azul, apesar de continuar a não se sentir confortável no carro. Este tampouco gostava dele, fazendo brilhar os instrumentos do painel com uma luz vermelha, coisa que ele preferia ignorar. O semáforo fechou, e calhou que ele ficou parado junto à calçada, bem perto da mesa de Daniel e Vó Nena.
- Tatiana disse que encontrou a juíza Arlete, e sentiu que ela quer a caneta – veio dizer Daniel. Seu irmão respondeu:
- Só falta aparecer o Ramalho.
Fulgêncio Ramalho, autointitulado “pastor”, era vereador da cidade, enriquecera depois de fundar sua própria igreja, e era um dos maiores inimigos de Vó Nena. Daniel riu e comentou:
- A Vó duvida, porque o Ramalho é “carola” demais para usar um objeto mágico.
- Mas ele transformou o Vladimir, que ajudou Vó Nena por anos, em capanga. E o traíra deu a ele assunto para seus cultos. Dois filhos da puta que se merecem!
- O que você disse aí, moleque? – gritou Vó Nena da mesa.
- Nada Vó, tenho que ir, o farol abriu – respondeu Samuel.
Atrás já começavam as buzinadas, e o Fusca Azul acendeu os instrumentos e faróis com vermelho intenso, e chegou a engatar a ré para acertar o carro do impaciente que buzinara atrás, antes de Samuel forçar o câmbio, engatar a primeira e sair.
Ao lado, dois moleques que passavam ficaram se socando e dizendo “Fusca Azul”. Daniel riu e voltou para a mesa.

Tatiana ainda precisaria, após obter a caneta azul de Mané Gomes, escrever a matéria para o jornal do amigo de seu pai. Assim, após o começo da entrevista tomou notas em um pequeno caderno, fez uma pergunta genérica para a mais conhecida sensação da música brasileira, e escreveu a resposta esperando conseguir entender sua própria letra apressada.
Ela reparou que Mané estava acompanhado de um auxiliar, um rapaz forte de terno, e que carregava uma pequena bolsa que Gomes lhe havia entregado antes de sentar-se em uma cadeira diante dos jornalistas. E Tatiana observou também que foi dela que o candidato a músico famoso tirou algumas canetas a fim de assinar autógrafos para quem quisesse, ao final da coletiva.
Tati apanhou o celular, afastou-se até um canto e ligou para o namorado.
- Daniel, vou precisar de você aqui. Tenho uma ideia, mas seria bom contar com apoio próximo.
- Estou indo, meu amor – disse o rapaz desligando.
A vidente ligou em seguida para o outro irmão, pedindo que Samuel ficasse com o Fusca pronto para partir na viela atrás do hotel.
A equipe de Tamara Bonfá filmava tudo, Aristeu gravou uma conversa mais longa com Gomes após as perguntas dos demais jornalistas, que ficaram todos por ali aproveitando o coquetel servido e conversando. Tatiana reparou que Gomes bebera muitos copos das bebidas alcoólicas servidas, e viu quando ele se encaminhou para o banheiro, com o auxiliar atrás.
Ela viu Daniel nesse momento e apontou para a direção em que eles seguiram. Desviando-se das pessoas Tatiana chegou ao corredor isolado onde se situavam os banheiros, e viu que o sujeito alto aguardava na porta. Ela se aproximou, abriu o blazer e percebeu que chamou a atenção do rapaz.
- Oi, tudo bem? Estou cobrindo a coletiva do senhor Gomes para o Jornal da Cidade, e queria saber se poderia falar com ele.
- Não, o senhor Gomes só falará com exclusividade para o programa da Tamara Bonfá.
Tatiana fez cara de emburrada, aproximou-se mais do rapaz e passou a mão por seu braço, dizendo:
- Ah, por favor, vai. São só duas ou três perguntinhas... e claro que depois vou querer uma entrevista sua também, saber como é trabalhar para o novo astro da música brasileira. Vai ajudar a alavancar sua carreira com certeza!
Tatiana já havia descoberto que, aliada a um pouco de charme e lábia, sua faculdade permitia que tivesse certa influência sobre as pessoas, principalmente aquelas de “mente fraca”. “Mestre Obi-Wan”, era como Daniel às vezes a chamava. Conferindo-a de alto a baixo, o auxiliar de Gomes acabou cedendo.
Daniel, perto de onde o corredor começava, se misturava à multidão e assistia discretamente à “performance” da namorada.
Quando Gomes apareceu, Tatiana usou dos mesmos subterfúgios, e no estado em que se encontrava o projeto de músico não resistiu a ela.
- Você é mesmo uma graça, menina.
- Obrigada, senhor Gomes. Então, ao que o senhor atribui o sucesso da música?
- Ah, dou graças a Deus por isso, tenho mais de mil outras que escrevi, e espero que possa fazer sucesso com elas também!
- Que bom, torço para isso – respondeu Tatiana continuando a escrever no caderno. Ela então balançou a caneta que usava, e lançou um olhar sedutor para Gomes, ao mesmo tempo em que sinalizava discretamente para Daniel com a outra mão.
- Senhor Gomes, o senhor poderia me emprestar uma caneta? Acho que a tinta da minha acabou.
- Claro, minha querida – e o auxiliar abriu a bolsa, remexeu nela e tirou dali uma caneta verde.
Tatiana olhou para a caneta, depois para Mané e disse:
- Senhor Gomes... fico até sem graça de pedir...
- Tudo que uma moça bonita assim quiser!
- Sabe, sou uma jornalista muito meticulosa, e faço questão de escrever sempre em azul no meu caderno. Método profissional, sabe?
- Mas claro! – disse Gomes ainda enrolando a língua. – Sei bem o que é isso!
Ele remexeu na bolsa e tirou uma caneta azul. Tatiana no mesmo instante sentiu algo a respeito do objeto, ao que Mané acrescentou:
- Sabia que foi esta mesma a caneta azul com que eu escrevi Caneta Azul?
Tatiana segurou o objeto, esforçou-se por um instante para ignorar as energias que dela fluíam, e respondeu:
- Nossa, mas que honra! É bem rápido, senhor Gomes, muito obrigada!
Tatiana colocou a ponta da caneta sobre a folha, mas deixou o caderno cair ao chão.
- Como sou desastrada! – ela disse.
Gomes deu um cutucão no auxiliar, que se abaixou para apanhar o caderno. Ao mesmo tempo Daniel chegou fingindo que também havia bebido demais, e disse com voz enrolada:
- É aqui o banheiro? Acho que aquele último copo foi demais!
- É sim, moço.
E com os dois distraídos Tatiana aproveitou, enfiou a caneta azul maldita no bolso e escreveu no caderno entregue pelo auxiliar com uma esferográfica comum, que entregou a Gomes dizendo:
- Muito obrigada, senhor Gomes! O senhor não faz ideia de como me ajudou!
- Eu que agradeço, minha querida!
Gomes já foi abraçando Tatiana, ela retribuiu a contragosto mas logo conseguiu se livrar. O pretenso músico comentou:
- Vejo a menina bonita hoje no programa da Tamara Bonfá?
- Depois desta exclusiva, pode contar com isso!
O auxiliar guardou a caneta na bolsa e conduziu Mané Gomes de volta para os jornalistas. Ele não tirava os olhos de Tatiana, que aguardou pacientemente que eles desaparecessem para bater na porta do banheiro. Daniel saiu, e o casal foi andando no sentido oposto, passando por uma porta que era um acesso auxiliar à cozinha.
- Deu vontade de bater nesse safado – comentou Daniel.
- Oh, o cavaleiro quer salvar a dama em apuros – ironizou Tatiana.
Eles se deram as mãos, mas a vidente se mostrava cada vez mais incomodada com o objeto místico que estava em seu bolso. Por cima sentiu uma presença atrás deles, enquanto desviavam dos cozinheiros e outros trabalhadores da grande cozinha, e após cruzarem mais uma porta ela olhou pela pequena janela desta.
A juíza Arlete os seguia, e sua expressão parecia furiosa.
Depois de cruzarem mais alguns aposentos e corredores acharam a saída para a viela, onde Daniel os esperava. Arlete abriu a porta segundos depois e ficou olhando para o trio no carro.


O Fusca Azul acendeu instrumentos do painel e faróis em um vermelho intenso, e engatou sozinho a primeira, roncando forte o motor. A juíza se assustou, mas Samuel engatou a ré e eles se afastaram, entrando no trânsito sob uma saraivada de buzinas. Mais uma volta no quarteirão do hotel e apanharam Vó Nena, rumando em seguida para casa.
Arlete ainda olhava para a viela vazia, depois apanhou o celular e teclou um número.
- Esperidião, sou eu. Os netos de Nena pegaram a caneta. Olha a linguagem! Eu sou uma juíza, enquanto você é só o delegado da cidade. É, conversamos depois.
Arlete virou as costas e entrou pela mesma porta por onde saíra.

- Esse programa da Bonfá valeu a pena! – comentou Vó Nena descendo as escadas do porão. – A cara que a filha da puta fez quando voltou do intervalo foi a melhor!
Segundo a anciã sua história com a apresentadora vinha de longa data, mas nunca entrara em maiores detalhes. Os jovens esperavam que, quando sentisse a necessidade, a experiente caçadora falasse a respeito com eles.
A caneta azul foi depositada junto a outros objetos, incluindo outras canetas bem mais refinadas, um par de óculos, abotoaduras, alguns monóculos e um par de luvas femininas, em uma gaveta trancada a chave de uma velha escrivaninha de carvalho. Sobre esta, entre dois aparadores, vários livros que Vó Nena alertara a eles repetidas vezes para nunca abrir sem que ela estivesse presente, incluindo um que ela dizia que era a versão original do Necronomicon, do árabe louco Abdul Alhazred, dado a conhecer ao mundo pelo escritor e mestre do horror cósmico H. P. Lovecraft.
- Então, e agora Vó? – perguntou Tatiana.
A anciã se aproximou da garota, deu-lhe um beijo e acariciou lhe o rosto, antes de dizer:
- Agora a caneta azul maldita está segura, minha filha, assim como todas estas coisas. E você, tá melhor?
- Sim, Vó, obrigada. Carregar essa coisa me deixou cansada, só isso.
Vó Nena sorriu, deu um tapinha na lombada do Necronomicon e disse:
- Nem te conto como sua avó ficou quando conseguimos nos apossar deste aqui. Pela baba de Cthulhu! – e riu.
- Outra história que adoraríamos ouvir, Vó – comentou Samuel.
- Quando for o tempo, meu neto – disse ela. – E você, Daniel, agiu bem, gostei muito de ver como trabalharam bem em equipe.
Eles subiram as escadas, Vó Nena fechou todas as trancas e recitou um encantamento.

Noites depois, Tatiana acordou sobressaltada. Sentou-se na cama banhada em suor, tremores tomaram conta de seu corpo, e ela voltou a sentir as mesmas as energias negativas de quando a caneta azul maldita esteve em seu bolso.
Um rumor se aproximou, e ela percebeu que era um carro vindo pela rua. O som estava no último volume, e ela ouviu a música composta pelo instrumento maléfico.
A vidente suspirou, acalmou-se, bebeu um copo d´água e jogou-se novamente na cama.
Pelo menos da ameaça de coisas piores vindas daquela coisa estavam livres.

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