quarta-feira, 15 de abril de 2020

MENSAGENS DA LISTA


De: Jade
Para: A LISTA
Assunto: A doença que veio da China

Amigos e colegas, aconteceu! Não adiantaram protestos, alertas, nem muito menos serviram de aviso contra as epidemias e pandemias anteriores.
Uma nova ameaça surgiu, um vírus que ataca o sistema respiratório e se dissemina com velocidade impressionante.
Como aconteceu nas ocasiões anteriores, o governo totalitário da China acobertou e tentou impedir a divulgação de informações sobre o surto em seu território, contando com a cumplicidade da Organização Mundial de Saúde. O resultado é que, cinco meses depois, a quarentena forçada de boa parte da população mundial não tem data marcada para terminar.
Dois milhões já morreram em meu mundo, e os hospitais estão sobrecarregados. Mas não é esse o principal problema.
O problema é que a China usou, evidentemente, da brutalidade própria de uma ditadura para manter as pessoas em casa, e seus métodos têm sido mais e mais copiados pelo restante do mundo.
Quando a doença se tornou um problema insolúvel de saúde pública em seu país de origem, os chineses puseram os militares na rua, atirando nas pessoas que saíam de casa.
Mas em países mais desenvolvidos as coisas foram muito diferentes. Afinal, nos tornaram dependentes de celulares, cuja função de geolocalização não pode ser desligada. E para quê arriscar a saúde de soldados quando se possui drones armados?
O pior mesmo foram aqueles que sempre alegaram defender a democracia e serem “antifascistas”, e que aplaudiram tais determinações de vários governos. É impressionante a quantidade de gente, tanto aqui quanto nos mundos dos colegas da Lista, que acreditam que é benéfico, diante de certas circunstâncias, abrir mão de direitos ou de alguma liberdade.
Ou mesmo de toda liberdade.
Pois se todos estão sendo monitorados, por que não se aproveitar disso e manter vigilância cerrada contra adversários? Críticos do regime? Artistas que se recusam a ajoelhar-se diante dos donos transitórios do poder?
As notícias sobre estranhos desaparecimentos de opositores, dissidentes e artistas independentes só aumentam. Isso quando circulam, claro, pois com todos em casa usando a internet, lentidão na rede e eventuais quedas se tornaram comuns, facilitando o controle.
Ainda mais com tanta gente se dizendo “a favor da vida” e disposta a controlar a vida dos vizinhos, denunciando qualquer um que não respeite as regras.
A liberdade e a democracia, por vezes, morrem debaixo de aplausos. Estou a cada dia mais apavorada, não com o vírus mas com as pessoas.


De: Elton
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Isso é de verdade? Mesmo?
Vocês estão, cada um de vocês, em uma dimensão paralela diferente da minha?
Isso... isso... Nem sei o que dizer! Faz meses que não tenho contato com um ser humano!
Estou abrigado em um antigo bunker, construído na época da última guerra. Na minha última saída em busca de comida, não vi qualquer outra pessoa. A pequena cidade do interior na qual estou também foi atingida pela doença.
O mundo inteiro, meu mundo inteiro, foi.
Este bunker foi transformado em uma biblioteca, e eu era um dos bibliotecários. Os livros, milhares deles, têm sido minha companhia por esses meses que estou aqui.
Comecei a anotar os dias e montar um calendário em papel, com medo de que a energia acabe. No meu mundo as máquinas operam automaticamente, o que tem permitido que nos comunicássemos nos últimos tempos, quando eu ainda conseguia falar com os outros.
Devo estar aqui há quase um ano, saindo somente quando a comida se aproxima do final. E tenho sido obrigado a caminhar cada vez para mais longe para encontrar meios de sobreviver.
Aqui o desastre global teve início de forma muito parecida com o que Jade comentou. A diferença é que medidas autoritárias foram implementadas mais depressa, pois o vírus se espalhava com maior velocidade. O primeiro surto global da pandemia passou depressa, mas em um mês outro teve início, e o ciclo se repetiu depois.
Foi a partir do terceiro e último surto que decidi me refugiar na biblioteca, pois a violência e os saques se tornavam piores a cada dia. Boatos de que o vírus, nessa fase, desencadeava comportamento violento provocaram pânico e todos queriam se armar.
Faz dois meses que não tenho qualquer contato com alguém. Sites de notícias estão desatualizados ou fora do ar. Não achei qualquer comentário novo nas redes sociais ao longo de todo esse tempo.
Até surgir A Lista. Ler suas mensagens e trocar informações com vocês tem sido um alento em minha solidão.

De: Kai Jaho
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China
Anexo: Vídeo Manifesto de Kai Jaho

Meus amigos, tenho participado muito da Lista, e quero agradecer a todos vocês por todo esse tempo de convivência.
Como sabem, além de escritor nas horas vagas, sou biólogo e virologista. O que ainda não lhes havia revelado é minha participação no programa de armas biológicas da China, meu país.
Mal posso começar a descrever a vocês o controle estrito aplicado por nosso governo contra a sociedade. Muitos dos amigos de outras realidades descreveram situações bem similares. É sufocante, assustador, aterrorizante.
Por meio de minha ficção, eu conseguia me libertar um pouco. E, como alto funcionário governamental, ainda gozo de um fiapo de liberdade a mais que meus concidadãos.
O que faço? Trabalho no programa chinês de armas biológicas. Coisa que me enche de vergonha, transformar a ciência que aprendi em arma. Mas das pouquíssimas liberdades de que desfrutamos, recusar o chamado de auxiliar no desenvolvimento dessas armas obscenas, quando se é brilhante na área, não é uma delas.
Aqui, assim como em muitos outros mundos conforme as descrições dos colegas da Lista, igualmente aconteceu uma pandemia. Evidentemente meu governo chinês também acobertou por todo tempo quanto foi possível, permitindo como resultado que o mundo fosse atingido pelo vírus.
Colegas médicos, como meu querido amigo Li Wenliang, foram censurados por seu desejo de alertar a comunidade internacional. E meu amigo pagou o preço final, sendo deixado para morrer quando contraiu a doença. Claro que todos nós, experts em biologia e virologia, fomos chamados para combater a ameaça quando esta se mostrou séria.


Além disso, como funcionário de um programa bélico estratégico, a filiação ao Partido Comunista é obrigatória. E nesse meio, entre as discussões sobre a epidemia que já se espalhava além de nossas fronteiras, surgiram as primeiras sugestões de como transformar esse desastre em algo favorável para a China. Os resultados... bem, os amigos estão descrevendo em suas mensagens, e em meu mundo, em graus variados de similaridade, muitos desses fatos se desenrolaram da mesma forma.
Amo meu país. Amo meu povo, minha família e amigos. Mas não posso mais tolerar que essa mentalidade prossiga. Prejudicar o restante do mundo em nosso benefício é intolerável, e sinto uma vergonha imensa por isso. Os protestos contra a China se intensificam, e afirmo com toda convicção que são absolutamente justificados.
Isso não pode ficar sem punição. E não ficará.
O Congresso do Partido Comunista está se aproximando, estou em um hotel em Pequim, e devo sair em instantes para participar. Comigo levo uma cápsula da mais mortífera bactéria já desenvolvida por nossa engenharia genética, apelidada de “devoradora de carne”, com grau de letalidade e velocidade de propagação que não ouso comentar com vocês.
Depois que eu ingerir a cápsula, quando estivermos todos reunidos no Congresso, será questão de minutos. A ação da bactéria será rápida, e ela atacará boa parte de Pequim. Colegas meus estão preparados para fazer o mesmo, em várias cidades importantes, caso o governo chinês não concorde em assumir sua integral responsabilidade neste desastre.
Conforme afirmo no vídeo que em breve será espalhado pela internet, faço isso por vergonha das ações de meu governo. Um governo que em suas ações de autêntico terrorismo mostrou ser uma ameaça para o mundo. Esta ameaça acabará hoje.
Muito obrigado, meus amigos, e adeus.

De: Daniel
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Kai, lamento muitíssimo sua partida, e torço para que seu sacrifício não seja em vão!
Em minha realidade a disseminação do vírus foi rápida, a pandemia afetou todos os países e a China, detendo o monopólio de equipamentos, produtos e remédios contra a doença, prosperou enquanto o restante do mundo penava.
Adquiriram empresas, aumentaram sua influência global até governos começarem a implementar seus métodos de controle totalitário sobre a sociedade.
Alguns resistiram, como Estados Unidos e Grã-Bretanha, além de focos em vários outros países.
Meu Brasil, infelizmente, foi uma das nações que não se livrou do aumento da influência chinesa, da censura e do totalitarismo.
Já são quatro anos vivendo, ou melhor, sobrevivendo assim.
Mas o progresso e o dinheiro deixaram o governo chinês arrogante. Compram tudo e todo mundo, até seu próprio povo, mas deixaram de lado o desenvolvimento científico que possibilitou esse progresso.
A astronomia foi uma das baixas nesse período insano. Mas nós, aqui fora, continuamos trabalhando. E, se não conseguimos fazê-los pagar pelo que fizeram, ao menos poderemos vingar aqueles que eles, na prática, mataram.


Todos perdemos alguém. Muitas vezes mais de um ente querido.
Uma missão, anunciada como científica, foi lançada cerca de dois meses atrás. Mas o contato foi interrompido horas depois do lançamento. Isso foi o que anunciamos, claro.
As pequenas sondas se comportaram exatamente como previsto. Encontraram o asteroide 14MAR2020 na posição prevista, pousaram em sua superfície firmando-se bem, e acionaram seus propulsores.
Trata-se de uma rocha espacial de cerca de 300 metros de extensão no lado maior. E feita quase inteiramente de ferro.
Conhecido há um bom tempo, é um dos muitos corpos que se aproximam da Terra periodicamente. E que nesta ocasião é invisível na porção oriental do planeta, pela aproximação máxima se dar no lado diurno de nosso mundo.
Dois meses de manobras para tirar o asteroide de sua órbita.
E fazê-lo rumar para Pequim, no preciso dia do Congresso do Partido Comunista.
Uma rede de astrônomos amadores ao redor do mundo, claro, observou o estranho comportamento do asteroide. Mas a maioria deles também perdeu pessoas para essa doença maldita. E por isso nada disseram quando fizemos circular as notícias.
Até Estados Unidos e Grã-Bretanha estão nos ajudando.
O asteroide está entrando na atmosfera enquanto digito estas apressadas linhas para vocês.

De: Mariy
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Falar com meus amigos da Lista tem sido um alento nestes tempos. Meu mundo, da mesma forma que os de vocês, foi atingido pela pandemia vinda da China.
Estamos há quatro meses em confinamento, saindo somente para comprar o que é estritamente necessário. Passo os dias com medo, e escrevo nos momentos de folga para fugir um pouco desta realidade.
Publico meus textos em um blog e nas redes sociais, mas também aqui, como muitos de vocês descreveram, governos têm seguido o exemplo totalitário das ditaduras. Vários de meus escritos foram apagados, e sequer se pode escrever “China” com conotação negativa para também sofrer censura.


Um amigo meu, forte crítico do comportamento do governo chinês, chegou a ser banido da internet por um mês. Imaginem, todos obrigados a ficar em quarentena, e ele um mês incomunicável! De nossa turma fazia parte um hacker, e ele conseguiu elaborar perfis falsos para aquele amigo manter-se conectado.
Mas até isso o governo está combatendo. Alegando defender a sociedade contra “fake news” e boatos, investiram uma quantia considerável para contratar hackers a fim de rastrear, localizar e identificar quem pratica o que consideram ilegalidades. Dinheiro que poderia ir para a saúde gasto para nos censurar!
Estamos criando uma rede social livre, mas dois protótipos já foram neutralizados pelos agentes cibernéticos.
Nas ruas, então, a situação está cada dia pior. Vigilância por meio de localização de celulares, drones patrulhando as cidades, eles se preocupam mais em tolher nossa liberdade do que investir em uma cura, ou em melhoras para hospitais.

De: Samanta
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

De todas as consequências dessa pandemia que os colegas descreveram, não vi ainda uma sequer que se compare a do meu mundo.
A doença se alastrou a partir da China, como nas realidades de vocês. Medo, morte e desespero faziam parte de nossas vidas, enquanto enclausurados em casa esperávamos por uma cura.
A pandemia, por incrível que pareça, desapareceu depois de poucos meses. Mas algo pior, muito pior, surgiu.
Também a partir da China, chegaram relatos para os quais custamos a dar crédito. Os comunistas sempre foram mestres na arte das mentiras contadas como se fossem verdade, ou notícia. Mas logo fontes independentes confirmaram os boatos.
Primeiro Wuhan, e depois Xangai, foram devastadas por ataques inexplicáveis. Sombras imensas apareciam nos poucos vídeos que vazaram, pois o governo chinês, mais uma vez, tentou de todas as formas acobertar o fato.
Correspondentes internacionais em Pequim e nas proximidades relataram impressionantes movimentações militares, e na periferia da cidade sombras colossais, contra os quais os tanques disparavam, foram avistadas.


Já havia sido descoberto que o vírus fora resultado de uma mutação, e que atacava animais também. Insetos, répteis e moluscos eram os mais suscetíveis.
O que eles tanto tentaram esconder, muito mais do que o vírus, o mundo tomou conhecimento de forma absolutamente brutal. Seres colossais, derivados de seus parentes menores das classes mencionadas, passaram a percorrer a China devastando tudo.
Só posso dizer que quem teve familiares perdidos por causa do vírus, cuja pandemia poderia ter sido evitada não fosse o acobertamento pelo governo chinês, não ficou tão triste pelo ataque dos insetos monstruosos.
Quanto mais os militares chineses matavam os monstros, mais destes surgiam. Lagartos gigantescos lutavam contra imensas aranhas nas cercanias das maiores bases da Marinha chinesa, e eles decidiram enviar todos os seus navios de guerra para o mar. Porém foram todos dizimados por colossais cefalópodes que os encontraram.
Outros navios foram atacados no Pacífico, e agora o mundo inteiro tenta formar uma coalização para tentar combater essa ameaça. A China entrou em total colapso, não se sabe mais quem está no governo, se é que algum membro deste sobreviveu, e há um temor muito forte quanto a seu arsenal nuclear.
Lembro bem quando, anos atrás, alguns mundos de membros da Lista foram atacados por criaturas gigantescas. Será que algum desses colegas pode se manifestar e apresentar sugestões?

De: Elton
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Ainda estou abismado com tudo isso! Outras realidades, outros universos!
Como isso acontece? Como suas mensagens, fotos, vídeos e arquivos chegam até meu computador? Não há absolutamente nada diferente nele! Já li mensagens falando de um Moderador.
Quem é ele? O que quer? Além da troca de informações e experiências, o que mais pretende conseguir com esse contato entre universos?
Desculpem a demora em responder. Fui fazer a ronda no bunker, e o tamanho dele é considerável.
Adquiri o hábito de ler clássicos do terror, pois chegam a me confortar nestes tempos sombrios. Não consigo acreditar que estou totalmente sozinho aqui?
Nada, nenhuma notícia do mundo exterior tem chegado. E como disse antes, faz tempo que não vejo mais ninguém.
Em minha ronda pensei ter ouvido ruídos no portão dianteiro. Algo como batidas. Ou posso estar somente impressionado com suas histórias. E os livros que tenho lido.
O que foi isso?
Parece que vi movimento!
Tenho algumas câmeras ligadas ao computador, focalizando vários pontos da área externa. Acho que vi alguma coisa se movendo.
Não, deve ser minha imaginação.
Estou chocado com as notícias de seus mundos! Guerra, mortes, tanto medo, tanta desgraça! Será por isso que existe a Lista? Para nos confortarmos?
De novo! Agora tenho certeza! Barulho na parte externa, no portão da frente!
Amigos, preciso ir. Há saídas secundárias, e caminhos que posso percorrer sem ser visto, se é que existe algo lá fora que possa me ver.
Estou com muito medo, mas não tenho escolha. A comida está no fim mesmo, preciso sair.
Torçam por mim.

De: Zhi Tao
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Olá, amigos da Lista. Sou a substituta de Kai Jaho, pois como devem ter antevisto, pela última mensagem dele e pelo vídeo que enviou, o plano custou sua vida, mas funcionou como previsto.
Ele ingeriu a cápsula e minutos depois, em meio à reunião do Partido Comunista, seus efeitos se instalaram. As bactérias se espalharam com rapidez, mesmo em meio ao pânico, com os membros correndo para tentar escapar, e todos no anfiteatro estavam mortos em questão de minutos.


Aqueles que conseguiram sair contaminaram militares e oficiais de segurança, além de outros funcionários na parte externa do anfiteatro. Ao final boa parte do centro de Pequim foi devastada, e o vídeo de Kai circulou sem controle pela internet. A alta cúpula militar, presente ao evento, foi igualmente exterminada, e militares de ranking mais baixo não souberam o que fazer, apesar de alguns, alegando se tratar de ataque estrangeiro, ameaçarem com uma retaliação nuclear.
As potências de meu mundo ameaçaram então com uma resposta devastadora, e diante dos fatos revelados no vídeo de Kai, estão obrigando a China a pagar reparações pelo que fez ao mundo.
Enquanto isso associados nossos continuam de plantão, anônimos e dispostos ao auto sacrifício, nas mais importantes cidades. O perigo ainda não passou, mas tenho esperança que o sacrifício de Kai Jaho não será em vão.

De: Ariel
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Colegas da Lista, meu mundo também foi atingido pela doença, e também existe a certeza, embora alguns não a reconheçam, de que foi uma tramoia dos malditos comunistas. Muitos são contra uma retaliação, alegando interesses políticos e econômicos.
Em minha realidade a pandemia já dá sinais de diminuição na velocidade do contágio, e agora o mundo começa a sentir os efeitos da dura recessão que já se instala. Milhões de desempregados, poupanças de toda uma vida esgotadas, desespero total. Enquanto isso a China, com o monopólio de alguns dos produtos necessários para uso nos hospitais, ainda cresce.
Vozes falam de guerra, ao menos de sanções e reparação, mas são rapidamente caladas. Os políticos no Ocidente prosseguem com sua covardia disfarçada de pragmatismo.
Eu e muitos colegas cansamos disso.
Trabalhei muito tempo em um programa secreto de armas orbitais, chamado por alguns de Varas de Deus, mas entre nós conhecido como Lanças do Destino.


São lanças de tungstênio, extremamente densas e resistentes, de cerca de seis metros de comprimento e 20 cm de diâmetro. Tanto elas quanto o satélite que as abriga são cobertos por tinta refletora de ondas de radar, e fortemente protegidos do infravermelho. Conseguimos suplantar os programas de segurança, e o estamos acionando agora.
O satélite orbita a quase 1.000 km de distância da superfície terrestre. Impulsionadas a foguete, as lanças literalmente caem verticalmente, em velocidade hipersônica, e o impacto causa uma devastação comparável a uma arma nuclear de potência média.
Acabo de receber a confirmação, as primeiras já foram lançadas. Os chineses terão de volta o prejuízo e a dor que causaram ao restante do mundo.

De: Otávio
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Onde está mesmo aquela outra, tão preocupada com o meio ambiente?
Por onde anda a Greta Thunberg, mesmo?
Eu posso responder, já que nenhum dos colegas descreveu se seus duplos, que algum tempo atrás pareciam se alastrar em outras realidades como uma praga, reclamou que a China “roubou seus sonhos”.
Aqui, durante a pandemia, como imagino que tenha acontecido nas realidades dos amigos, o meio ambiente mostrou uma melhora considerável. A poluição diminuiu a níveis de muitas décadas atrás, a vida animal se recuperou e até mesmo espécies extintas deixaram a lista de formas de vida ameaçadas.
Mesmo os cientistas estão surpresos com a forma como o planeta se recuperou, diante da quarentena forçada da raça humana.
Com a descoberta de uma vacina e o final do confinamento, todos voltamos a dar duro no trabalho, pois a recessão e penúria econômica são uma realidade triste agora. Mas a calmaria não durou para sempre.
Ataques terroristas coordenados passaram a ocorrer, ceifando vidas em várias cidades pelo mundo, especialmente em locais ocupados por instituições financeiras e órgãos públicos. Após uma semana repleta desses assassinatos em massa, eis que um vídeo começou a circular.
Achei que os absurdos relatados na troca de mensagens dos amigos sobre Greta Thunberg seriam algo do qual estaríamos livres aqui. Como me enganei!


Pois sua duplo, em meu mundo, ocupou boa parte dos noticiários dizendo que estava liderando os ataques para proteger o mundo da “praga humana”, como a chamou.
Naturalmente todos os governos, aqueles civilizados bem entendido, se lançaram à caça dela e de seus comparsas. Infelizmente sua lábia, ou melhor dizendo a habilidade dos que escrevem seus discursos, é muito envolvente, e mais e mais pessoas acabam convencidas disso.
Guerra civil, pura e simples, já explode em vários países. Não tenho como descrever o absurdo que é a atitude desses “defensores do planeta” que conseguem argumentar a favor de assassinato em massa em nome de sua “causa”. Está difícil escrever ficção, quando a realidade já mostra algo tão inacreditável assim.

De: Jair
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Caro Otávio e amigos, a recessão, como descreveram, chegou forte e devastadora a meu mundo, e ainda estamos em meio à pandemia. A guerra civil, ao que parece, também já eclodiu aqui em meu Brasil.
O estopim não foi nenhum acontecimento de alcance global como os que descreveram. Foi algo ao qual até já estávamos acostumados aqui, como a população de muitos outros Brasis dos amigos também está. Falo da exploração a qual a sociedade é submetida pelos “donos do poder”, e que chegou a níveis absolutamente doentios aqui.
O ápice se deu há três dias. O irmão mais velho do ministro do Supremo Tribunal Federal Sandro Mayarovsky foi acometido pelo vírus e deu entrada na emergência do principal hospital do Rio de Janeiro. Todos os leitos de UTI e respiradores já estavam ocupados por vítimas do vírus, porém Mayarovsky emitiu uma medida cautelar ordenando que os médicos internassem seu irmão no leito de um paciente que tivesse poucas chances de recuperação.
Os médicos do hospital se recusaram terminantemente, claro, mas o juiz não se deu por vencido, mandou que agentes federais, sob o comando de um delegado velho amigo seu, obrigassem os médicos sob mira de armas a tirar do leito uma mulher que apontaram a esmo.
O irmão do juiz foi colocado ali, e a mulher morreu poucas horas depois. O nome dela era Helen Abreu, era uma professora e muito conhecida por ter protegido seus alunos de um assalto sofrido por sua escola.
Esse fato foi a gota d´água para a população.
O condomínio de luxo onde morava Mayarovsky foi invadido, ele foi arrancado de casa por uma turba enfurecida e linchado no meio da rua ali mesmo. Outros ministros do STF, aqueles alinhados com ele, estão sendo caçados pela população em várias cidades, e os tumultos estão crescendo em todo o país. Vários congressistas que foram contrários ao uso de suas verbas públicas de propaganda eleitoral estão aparecendo mortos e também linchados.
O exército está nas ruas, muitos soldados estão mudando de lado e lutando ao lado da população. Não se faz a menor ideia de para onde isso vai.

De: Judith
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Otávio e amigos da Lista, já digo onde isso vai parar. A guerra civil já chegou aqui.
A recessão econômica ainda durante a pandemia tornou ainda mais escandalosos os privilégios dos políticos, juízes e funcionários públicos.
A câmara de deputados de São Paulo aumentou os próprios salários. Isso foi o estopim. A população só poupou aqueles que votaram contra a medida. Os corpos daqueles que aprovaram o abuso foram estendidos diante do prédio da câmara.
Lá em Brasília os tumultos começaram já violentos. O presidente do Senado, Eduardo Barnardes, que se manifestou várias vezes contra o uso da verba do fundo eleitoral no combate à epidemia, foi assassinado em casa, e seu corpo arrastado pelas ruas. O presidente da Câmara, Sergio Novais, que repetidamente afirmou que o fundo eleitoral era “essencial para manter a democracia”, foi encontrado no próprio Congresso, espancado e depois empalado diante do prédio.


O presidente do Supremo Tribunal Federal, Enzo Tavares, que deu seguidas declarações sobre a necessidade de manter as altas despesas, salários e privilégios dos juízes como forma de “garantir a harmonia entre os poderes e o bom funcionamento da justiça”, foi linchado e seu corpo colocado diante da estátua da Justiça, na frente do STF.
A população enlouquecida está caçando todo político, juiz ou pilantra privilegiado do setor público para fazer justiça com as próprias mãos. Não me alegro com tamanha violência, e um “mas” é a pior palavra que se pode acrescentar agora. Mas eles poderiam ter feito a parte deles, e preferiam se mantiver como uma classe à parte.

De: Célio
Para: A LISTA
Assunto: Re: A doença que veio da China

Meus amigos, estou horrorizado com os fatos que descrevem. É estarrecedor constatar como eventos como esses parecem transcorrer de forma quase simultânea em muitas das paralelas. Seria essa uma lei do Multiverso que ainda não conhecemos?
Seria a descoberta dessas leis que regem a totalidade da Realidade um dos objetivos do Moderador e da própria Lista?
Pois em meu mundo uma epidemia igualmente grassou, e foi particularmente devastadora. A mortandade entre a população das grandes cidades foi terrível, e ver corpos largados nas ruas, nas fotos ou vídeos da TV e internet, absolutamente chocante.
Aqui, como em outras realidades, aqueles pequenos candidatos a ditador de sempre se aproveitaram da situação para tentar implementar políticas totalitárias de controle.
Houve violência, houve caos.
Muitas ruas ainda estão tomadas por corpos.
Mas estamos sobrevivendo. Muitos governos centrais foram dizimados pela pandemia, e o comando em muitos países, incluindo o Brasil, recaiu sobre uma coalizão de líderes de pequenas cidades.
Limpar ou não as grandes cidades para uso futuro não tem sido a prioridade. Agora o importante é garantir nossa sobrevivência, e enviamos nossos emissários para as metrópoles apenas para trazerem de volta o que é absolutamente necessário para reconstruirmos.
Os benefícios do controle das pequenas comunidades parece que está se tornando mais e mais evidente, inclusive mundialmente. Uma maior e mais ampla cooperação está se estabelecendo, em níveis inimagináveis antes da pandemia.
O vírus, ao menos, teve esse benefício. Ele levou embora maus líderes, que faziam a guerra ou nunca se preocuparam com a humanidade como um todo.
Inevitáveis disputas e desavenças surgem, mas diante do estado de penúria global deixado pela pandemia, acredito que estamos nos saindo bem. As notícias sobre pessoas passando fome diminuíram consideravelmente nas últimas semanas.
Escritores como eu estão cada vez mais celebrados, pois nossas obras têm auxiliado as pessoas nestes tempos difíceis, mostrando mundos melhores, sonhos que valem a pena sonhar.
Continuo preocupado, e mandando os melhores votos a todos os colegas da Lista, para que também encontrem um caminho para reconstruir e viver em paz.
E alguém tem notícias do Elton?

A Lista retornará.


Gostaram de mais essa série de As Mensagens dA Lista, o spinoff de seu Multiverso preferido? Manifestei aí um dos melhores lados de ser um escritor, os entendidos entenderão.

Nos acompanhem: @renatoa.azevedo, @mlzotarelli e @corujiceliteraria.

A Lista tem outras histórias neste blog, os marcadores abaixo estão aí para serem usados. E não deixem de conferir os ebooks disponíveis:



Até a próxima!

Um comentário:

  1. Parabéns! Uma criatividade literária misturada com uma distopia contemporânea que estamos vivendo.. metalinguagem vibrante����✍��

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