segunda-feira, 13 de julho de 2020

Vó Nena e os Caçadores: A Placa do Fusca Azul

Nota do autor: Este conto de terror com muita violência e sangue é dedicado a todos que já tiveram o dissabor de ter seu querido Fusquinha levado por vagabundos. Espero que seja ao menos um pequeno e catártico consolo.

Aquela dupla seguiu discretamente e a distância o Fusca Azul impecável logo que o viu passar na pequena estrada rural. Estacionaram antes de uma curva, e na posição em que estavam conseguiam ver, em meio às árvores e vegetação que cobriam as laterais da via, quando o carro estacionou e uma velha apoiada em uma bengala e um casal de jovens desceram.
Esperaram alguns instantes, e então voltaram a mover seu veículo, parando atrás do Fusca.
- Caraio, véio, está inteirão!
- Não tô gostando, já ouvi muitas histórias sobre Fuscas assombrados nesta região...
- Tá com medinho, é? Vai lá que a gente leva esse aí, ninguém mandou deixarem dando sopa!
O outro saiu, olhando para todos os lados, enfiou a ferramenta entre o vidro e a porta e conseguiu entrar no Fusca. Depois de fazer ligação direta o motor pegou, e os dois ladrões saíram em velocidade pela via de terra.


Dentro da propriedade Daniel ia à frente conversando com a proprietária do lugar, e enquanto sentia no caminho arborizado e florido as energias estranhas que pareciam mover os bizarros acontecimentos, razão pela qual haviam sido chamados, Tatiana segurou o braço de Vó Nena e cochichou:
- Vó, acho que ouvi barulho do motor do Fusca...
- Filha, garanto que isso não vai ser problema. Vamos resolver o que nos trouxe aqui, depois a gente vê.

O desmanche da quadrilha ficava a menos de oito quilômetros do lugar onde haviam roubado o Fusca, que agora era estacionado no meio de um grande galpão atulhado por peças de carros, carrocerias completas de um lado, e motores do outro. Mais cinco homens vieram receber os dois recém-chegados.
- Olha só que beleza, fazia anos que não via um desses!
- Caramba, acho que é um 1962 monocromático.
- Beleza, vamos começar a desmontar...
- Deixa de falar merda, moleque! Inteiro esse carro pode valer muito mais!
- Tem razão! Liga aí pro seu contato, aquele colecionador lá!
O que havia recebido a ordem apanhou o celular do bolso e logo começou a falar com um sujeito que frequentava o meio dos colecionadores de carros. Descreveu o Fusca Azul enquanto dava voltas ao redor do carro, depois parou diante dele.
- Ele tá perguntando a quilometragem.
O que dera a ordem de ligar para o colecionador, e que era o líder do bando, enfiou a cabeça pelo vidro da porta, que havia sido deixado aberto pelo ladrão que o trouxera, e observou o velocímetro.
- Diz pra ele que o hodômetro tá marcando... que merda é essa?
O líder do bando ficou espantado e imóvel por um instante, ao ver que os instrumentos do painel subitamente brilharam em um tom vermelho vivo.
E depois sentiu só uma dor terrível e súbita, antes de não sentir mais nada.
Os demais bandidos imediatamente começaram a gritar em pânico, vociferando palavrões e termos desconexos enquanto se afastavam do carro. Nem repararam que o motor havia ligado sozinho.
Estavam todos concentrados em contemplar a cena horrenda do corpo de seu chefe decapitado pelo rápido fechamento do vidro da janela, que desabou ao chão e ficou imóvel depois de poucos espasmos.
A porta do Fusca, tingida de sangue, abriu, e o horror deles aumentou quando viram sobre o banco a cabeça do sujeito exibindo uma expressão de terror nos olhos arregalados. O líquido vermelho gotejava pingando do assento.


Uma força invisível lançou a cabeça sobre os dois ladrões que estavam ao lado do Fusca. Dois dos que estavam na frente do carro sacaram as armas e atiraram nele enquanto gritavam.
- Mas que merda é essa? Caralho, o que essa coisa fez com o Mané?
Os tiros furaram a lataria do Fusca e estilhaçaram os vidros. Quando as armas ficaram descarregadas, para espanto de todos os seis ainda vivos, os vidros se refizeram após os estilhaços voarem de volta para o carro, e sua lataria fechou os buracos, ficando como nova.
- Olha... olha a placa! NEN 42...
- Que merda você tá falando?
O Fusca acelerava, arrastando um pouco os pneus. Seus faróis brilhavam em um intenso tom de vermelho.
- NEN 4 parece Nena... Tem uma lenda na região sobre uma bruxa chamada Nena, que dirige um Fusca amaldiçoado! Não pode ser...
O Fusca arrancou, avançando contra os dois que haviam atirado. Um deles não teve tempo de correr, e os demais viram como se fosse em câmera lenta o terrível impacto atingi-lo, dobrando-o ao meio e partindo seu crânio sobre o capô do Fusca.
O cadáver escorregou lentamente e caiu ao chão, deixando o capô e o para-brisa cobertos de uma mistura de sangue e miolos.
O impacto atingiu um guincho que segurava um pesado motor de caminhão. O outro bandido que atirara, atônito com a cena horrenda que presenciou, mal teve tempo de olhar para cima antes de ser atingido e esmagado pelo motor.
Restavam outros quatro ali, imobilizados pelo horror e pelo pavor. Uma televisão sobre uma escrivaninha ligou de repente, e movidos por uma força incompreensível eles se voltaram para ela.
Em uma cena em uma prisão, após derrubar outro prisioneiro, um personagem diz aos outros:
- Vocês não entendem. Eu não estou trancado aqui com vocês. Vocês estão trancados aqui comigo!
Os ladrões olharam para o Fusca Azul. O tom vermelho vivo de seus faróis ficou ainda mais intenso, o motor acelerou e o carro amaldiçoado avançou contra eles.

Quem estivesse fora do galpão naquele momento, em meio às luzes minguantes do crepúsculo, teria ouvido gritos aterrorizantes de puro horror e dor, o som de um motor roncando alto e pneus guinchando, e objetos de todos os tamanhos sendo derrubados.
Em segundos tudo ficou em silêncio. Os gritos emudeceram, dando a certeza de não haver mais nada vivo dentro do galpão.
O ruído de motor foi ouvido de novo, e com um impacto as portas do galpão foram abertas. O Fusca Azul saiu e parou, e pouco da tonalidade em sua carroceria era visível, já que em grande parte estava tingida de sangue.
Vidros de janelas e faróis se consertaram, a lataria voltou a ficar alinhada, e o sangue que cobria o carro começou a desaparecer, como se sugado para dentro do metal. Uma mão decepada com somente quatro dedos e outros restos humanos no para-brisa foram varridos para o lado pelos limpadores.
O Fusca saiu lentamente pelo caminho de terra, mas depois de alguns metros parou. A antena instalada à frente da coluna esquerda do para-brisa começou a ser recolhida devagar.
Um olho fincado em sua ponta desceu junto com a antena, e quando esta desapareceu dentro de sua base ele caiu e rolou pelo chão.
O olho ficou observando enquanto o impecável Fusca Azul se afastava pela estrada de terra, suas luzes traseiras logo desaparecendo na noite.

Daniel, Tatiana e Vó Nena voltavam pelo caminho da propriedade, satisfeitos por mais um caso resolvido. O rapaz já ia dar pela falta do Fusca Azul, quando o carro veio devagar e parou diante do portão.
Os três entraram nele, o moço no banco traseiro e as duas na frente. Nena pediu a Tatiana para dirigir.
A jovem vidente, desde a primeira vez que andara naquele carro, sentia coisas terríveis relacionadas a ele. Daquela vez definitivamente havia algo, mas ela notou que a alma penada que o assombrava a impedia de ver tudo.
Vó Nena percebeu, colocou a mão sobre a de Tati, e disse:
- Não se preocupe, filha. Este carro safado sabe muito bem que ai dele se fizer mal a uma pessoa boa. Nem se preocupe com isso, até acho que de vez em quando ele precisa se divertir um pouco. Quem sabe se essa sina dele não faça com que ele preste algum bom serviço, não é mesmo?
Tatiana olhou para ela, sorriu, e virou a chave. Fez o carro dar uma volta e retornaram pela estrada de terra. A viagem de volta para casa terminou sendo bem agradável, ouvindo causos de Vó Nena.

Vó Nena e os Caçadores retornarão.


Espero que tenham gostado deste conto de terror! Se quiserem saber mais a respeito do universo de Vó Nena e os Caçadores confiram pelas tags abaixo. E claro, leiam como tudo começou com o carro mais assombrado do Brasil em VÓ NENA E OS CAÇADORES: O FUSCA AZUL.


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