Participação especial: Carlos Miranda, o Vigilante Rodoviário.
A
manhã estava ainda em sua metade e Samuel organizava ferramentas no barracão
que servia como oficina na propriedade de Vó Nena, quando ouviu uma buzinada.
Foi
até a porta de madeira entreaberta e olhou para a direita ao longo do terreno,
que ascendia até o portão. Diante deste estava estacionado um carro antigo, e o
rapaz arregalou os olhos ao reconhecê-lo.
Era
um Simca Chambord amarelo e preto, nas cores da Polícia Rodoviária.
O
jovem Caçador andou até o portão, e então viu o ocupante do carro sair deste e
se aproximar.
—
Bom dia, meu rapaz!
—
Bom dia.
—
Pode me dizer se a Nena está?
—
E o senhor é?
O
homem idoso, vestindo um uniforme cáqui complementado por jaqueta de couro,
tirou o quepe, sorriu para Samuel e depois de alguns instantes respondeu:
—
Carlos Miranda.
O
rapaz, que já exibia uma expressão de espanto, abriu um largo sorriso e
comentou:
—
Vendo o carro eu já desconfiava, agora tenho certeza: o senhor é o Vigilante Rodoviário!
O
olhar de admiração de Sam seguramente trouxe muita alegria a Carlos, que sorriu
mais e disse, modestamente:
—
Já fui, meu rapaz.
—
O senhor sempre será! Sou fã da série e de seu trabalho!
—
O que me deixa muito feliz, meu jovem!
O
moço finalmente se lembrou e, depois de abrir o portão, disse:
—
Aliás, me chamo Samuel, sou neto de Nena.
Carlos
estendeu a mão e eles se cumprimentaram. O ator e militar respondeu:
—
Achei mesmo que havia uma semelhança.
Nisso,
três pessoas se aproximaram após sair da casa principal.
—
Carlos, há quanto tempo!
Vó
Nena demonstrou estar animada, deixou que Tatiana segurasse sua bengala de
pau-brasil e abraçou o amigo. Daniel admirou o Chambord parado, e inquiriu Samuel
com o olhar.
—
É o Vigilante Rodoviário — cochichou o irmão mais novo.
—
Daquela série antiga?
—
Puxa, Dan — disse Tatiana, — até eu sei! Que máximo, Vó Nena o conhece?
Carlos,
afinal, entrou e manobrou o Simca, estacionando-o próximo a casa, ao lado do
Fusca Azul. Desceu e perguntou:
—
Este é o mesmo Fusca, Nena?
A
Caçadora se aproximou, ainda com um sorriso no rosto, e respondeu:
—
O próprio. E que sabe bem que precisa respeitar o carro dos convidados, claro!
Deu
uma batidinha no pneu do Besouro com a bengala.
Acomodaram-se
na sala. Nena e Carlos narraram aos jovens como haviam se conhecido.
—
Foi naquele episódio da menina que caiu na margem do riacho — comentou a
Caçadora.
—
Sim, tentava encher um balde, perdeu o equilíbrio e caiu — confirmou Carlos.
Sam,
mais que depressa, teclou em seu laptop e abriu um vídeo.
—
Terras de Ninguém é o título — disse ele. — Grileiros tentam roubar as terras
de um artista.
—
E o riacho que aparece é um trecho do Ribeirão das Neves — acrescentou Nena.
—
Filmaram aqui em Boa Graça? — perguntou Tatiana.
—
Sim — respondeu Carlos. — Os produtores descobriram que esta cidade tinha uma
variedade de cenários que eram ideais para a série, além de ser rodeada por
estradas de variados tipos.
—Mas
como você se envolveu, Vó? — perguntou Daniel.
A
Caçadora se mostrava feliz com a visita do amigo, eles se entreolharam, e ela
respondeu:
—
A mocinha que fazia a menina, enquanto ensaiavam a cena em vários trechos do
Ribeirão, de repente ficou apavorada. Disse que tinha visto uma mão verde
saindo da água.
—
Cuca — disseram os três jovens.
—
Isso — comentou Miranda. — Um assistente da produção, que era daqui mesmo,
disse que a cidade tinha muita assombração, e recomendou que procurássemos um
Caçador, Benedito.
—
O nosso bisavô!? — espantou-se Sam.
—
Pois é, meu neto. Infelizmente meu pai havia falecido dois anos antes, então
quando a produção veio aqui encontrou a mim e seu avô Rubens. Ele já sabia de
minhas atividades de Caçadora, já que nem fui besta de ocultar dele. Na época
tinha me afastado, mas diante da insistência da produção...
Os
amigos trocaram mais olhares. Tatiana, sorrindo, adiantou um pouco o vídeo para
um close em Carlos, e disse:
—
E também seu Carlos era bonitão, né, Vó? Ainda é, na verdade!
Todos
riram, e Nena prosseguiu com a história.
—
Reuni um pessoal, até o Barnabé lá da Comunidade Ashia, e ficamos de vigia
enquanto trabalhavam. Espantamos os cucas e a filmagem voltou a entrar no
cronograma.
—
Mas a avó de vocês ainda ajudou muito mais em outros episódios! — Disse Carlos.
— Lembro bem do Homem do Realejo!
Ele
contou rapidamente sobre a trama, envolvendo o roubo de um furgão que
transportava dinheiro, e como o homem do realejo ouviu os planos dos malfeitores.
Porém, quando tentou alertar as autoridades ninguém acreditou nele.
—
Boa Graça já tinha seu centro bem urbanizado — comentou Nena, — e servia para
uma grande variedade de cenas.
Samuel
já colocara o episódio no ponto, e a Caçadora prosseguiu:
—
Essa cena foi em um restaurante que fechou anos depois. E a do esconderijo dos
bandidos foi filmada onde hoje é a cachaçaria daquele safado do Ramalho.
Os
dois comentaram mais a respeito, e então Daniel perguntou:
—
Mas então por que precisaram da Vó nesse episódio?
Carlos
sorriu para o rapaz e respondeu:
—
A questão é que o periquito do realejo ficava tirando mensagens para os atores
e equipe, mas o que vinha escrito era assustador. A atriz que fazia a vilã
ficou tão nervosa com o que leu certo dia que ameaçou abandonar as filmagens.
—
Examinamos cada um dos papéis do realejo, e estava tudo normal, coisa bem
inocente — continuou Vó Nena. — Mas era começar a filmar e mais mensagens
pavorosas, prometendo morte e coisas ruins, voltavam a aparecer.
Os
dois estavam adorando recuperar aquelas memórias. Finalmente, depois de até
mesmo Esmeralda, avó de Tatiana, se envolver, descobriram o culpado.
—
Era o periquito mesmo! — confirmou Miranda. — Estava possuído, aí você o
exorcizou, não é, Nena?
—
Pois é, e achei que não conseguiria e teríamos que chamar o padre. Mas deu tudo
certo. Lembrei de uma cena em que os atores mirins tinham que transportar o
pássaro em uma gaiola e não conseguiam, pois estavam morrendo de medo.
—
E não havia outro periquito treinado para trabalhar no realejo! — acrescentou
Carlos.
Os
dois falaram a respeito de O Mapa Histórico e O Garimpo, outros episódios
filmados na região de Boa Graça. Neste último também usaram locações no
Ribeirão das Neves, e de novo houve problemas com cucas, mas de menor monta.
—
Finalmente, em Ladrões de Automóveis — lembrou Carlos, — seus avós ajudaram
ainda mais.
—
Por quê? — Samuel ficou mais interessado.
Nena
riu, mas deixou que o amigo contasse a história.
—
Todos na produção, nas filmagens aqui em Boa Graça, passaram a gostar muito da
cidade. Bem organizada, tínhamos tudo de que precisávamos. E apesar das histórias
de assombrações, o trabalho prosseguia bem. Mas nesse episódio tivemos um
problema: o roteiro descrevia o roubo de um Fusca quase no final, e não
achávamos um exemplar que fosse como o descrito.
Os
jovens prestavam o máximo de atenção e Nena sorria. Miranda prosseguiu:
—
O avô de vocês, por outro lado, tinha um que serviria perfeitamente. E o cedeu
para as filmagens com muita generosidade.
Samuel
já havia encontrado o episódio e o colocou na tela do computador. Localizou a
cena e disse:
—
Então esse Fusca era do Vovô!?
—
Era sim! — comentou Vó Nena. — Depois daquele primeiro azul de duas janelinhas
ele tomou gosto e comprou mais esse.
O
rapaz não cabia em si de espanto e se lembrou de outra coisa. Pediu licença,
correu para seu quarto no andar superior da casa, e logo voltou com uma
revista.
—
Nossa, faz muito tempo que não vejo uma dessas! — disse Carlos.
Sam
trouxera uma revista em quadrinhos do Vigilante Rodoviário, número 2, na qual
estavam publicadas adaptações dos episódios com a história de Lobo, seu fiel
pastor alemão, e dos ladrões de carro. E em várias páginas desta aparecia o
Fusca, inspirado no do avô.
—
Comprei em um sebo faz algum tempo. O senhor autografaria para mim? — perguntou
Samuel.
—
Com uma condição, meu jovem — sorriu Miranda.
O
rapaz ficou na expectativa, e o ator acrescentou:
—
Não precisa usar o “senhor”, combinado?
Samuel
fez que sim, e Carlos escreveu uma caprichada dedicatória no canto da página,
perto da figura de seu personagem. Dedicou a Samuel, Nena, Tatiana e Daniel, e
assinou. O jovem Caçador era puro contentamento.
Todos
conversaram por mais um bom tempo. Carlos contou sua história, como se dedicou à
carreira de patrulheiro rodoviário após o final do seriado, ao mesmo tempo em
que não perdera o contato com sua amiga.
—
Ao longo dos anos Nena e eu ajudamos um ao outro em vários casos.
Os
moços insistiram e eles contaram mais causos, alguns relacionados a
guerrilheiros comunistas envolvidos com magia negra.
—
E o trabalho como ator, deixou de lado? — perguntou Tati.
—
Tínhamos muitas ideias para mais episódios, até abordando alguns temas de
mistério e paranormais, inspirados nas histórias daqui da cidade — ele comentou.
— Infelizmente não conseguimos. Mas fiz o Vigilante mais uma vez, em 1967, e
também aqui em Boa Graça. E junto com o Lobo, meu fiel amigo, o melhor
companheiro de cena que tive. Saudades dele!
Outra
série estava sendo produzida nessa época, Águias de Fogo, fazendo muito
sucesso, e seu episódio número 9 teve um crossover em uma rápida cena com o
Vigilante Rodoviário.
—
Ah, lembrei desse — animou-se Sam digitando no laptop. — Aquele em que o
senhor, Carlos, dirige o Gavião!
A
cena foi exibida na tela enquanto o rapaz explicava:
—
Esse era uma versão do Uirapuru, esportivo brasileiro lendário dos anos 60. Só
foi feito um, não é, seu Carlos?
—
Só Carlos, meu rapaz. Sim, e era uma beleza! Foi incrível pilotá-lo nesse episódio,
mas infelizmente ele sumiu pouco depois. Ninguém conhece seu paradeiro.
—
E a cena foi rodada no aeroporto de Boa Graça — comentou Nena. — Claro que
Carlos nos convidou, mas não teve absolutamente nada de estranho acontecendo,
felizmente. Escolheram filmar aqui para não perturbarem a programação em algum
aeroporto maior.
—
Foi desativado pouco depois, não é? — perguntou o ator.
—
Sim, e hoje é só mato, uma pena.
Depois
de muito conversar a Caçadora disse que iria fazer o almoço, e pediu:
—
Carlos, espero que depois conte o que mais veio fazer aqui, né?
—
Quer dizer, além do evento de carros antigos deste sábado?
—
Claro!
O
Vigilante Rodoviário olhou para a amiga.
—
A Vó disse que seria bom eu ir!
—
Pode ser perigoso, Tati.
—
Mais perigoso que enfrentar um vampiro logo que conheci vocês?
—
É que não sabemos o que pode acontecer... tenho medo que você se machuque!
Tati
sorriu, e então abraçou Dan.
—
Tão feliz com você, amor! Que bom que se preocupa comigo! Mas sabe que sei me
cuidar.
Daniel
curtiu o abraço. Estavam juntos há quase um ano, e já sabia que Tatiana era o
amor de sua vida. Era sempre especial quando estava com ela, jamais sentira
nada parecido.
Eles
se olharam. O rapaz, então, disse:
—
Tá bem, eu que não vou contrariar você e minha avó ao mesmo tempo.
Tati
sorriu para ele, que acrescentou:
—
Não quer se trocar? Lembre que vamos a um ferro-velho, cheio de metal, objetos
afiados soltos...
Percebeu
nesse momento que aquela sugestão não fora boa ideia. Tatiana pôs as mãos na
cintura e ficou olhando séria para ele. Ela vestia camiseta branca, short com
estampa de camuflagem e tênis brancos.
—
Lembra, amor, quando nos conhecemos, o caso do vampiro, a Vó contou a história
do Fusca Azul, e eu até ajudei um pouco, como era mesmo minha roupa?
—
Você e seu amigo vieram de uma festa, a garota que estava com ele foi levada
pelo sanguessuga. E você estava linda, com um vestidinho branco...
—
E...? — perguntou Tati examinando Dan de alto a baixo. Ele vestia camiseta, uma
bermuda larga que cobria os joelhos e tênis. O rapaz finalmente respondeu:
—
Desculpa, não foi certo o que falei, claro que você pode fazer o que quiser,
amor!
Ele
olhou para a namorada com expressão que implorava perdão. Ela ficou mais um
tempo séria, então finalmente abriu um sorriso irônico e respondeu:
—
Ah, bom... e sim, te amo!
Deu
um beijo rápido nos lábios dele, e acrescentou:
—
Vou trocar os tênis pelos coturnos de ontem, que tal?
Daniel
a abraçou, dizendo:
—
Melhor ainda! Seu treinamento na noite passada, no bosque dos fundos...
Tati
sorriu e acrescentou:
—
Eu sei, depois nós dois... tão bom!
Trocaram
mais um beijo e ela saiu andando para falar com Vó Nena. Poucos passos adiante
olhou por sobre o ombro para o namorado, com uma expressão ao mesmo tempo séria
e sedutora.
Dan
admirou suas formas femininas enquanto se afastava, os longos cabelos ondulados
soltos e esvoaçando na brisa, suspirou e disse, de si para si:
—
Essas duas juntas são um perigo!
—
Meu amor — começou Vó Nena, — isto aqui é para você.
Deu
a Tatiana uma pequena cruz de madeira presa em um cordão. A garota sorriu e a
pendurou ao pescoço. A Caçadora acrescentou:
—
Sua avó Esmeralda era uma artesã de mão cheia, e fez um monte dessas cruzes.
Ainda devo ter algumas, na verdade. E ela fez essa especialmente para você.
—
Ela sempre me fazia bonecas de pano, cada uma mais caprichada que a outra —
disse Tati, emocionada. — Guardei todas e sempre me fazem companhia, e me
lembram dela.
A
moça abraçou Vó Nena e disse:
—
Obrigada, Vó!
A
anciã deu um beijo no rosto da garota e prosseguiu:
—
A cruz é de pau-brasil, e como você já sabe, essa madeira tem poder contra
assombrações e coisas ruins como vampiros e outros. Garanto que, se socar um
sanguessuga com ela fechada na mão, o monstrengo voa longe!
Tati
sorriu, e Nena acrescentou:
—
Também funciona se tiver alguma coisa assombrada, é só encostar que o espírito
ruim vai embora. Mas tem um detalhe: precisa ter fé, combinado?
A
garota fez que sim, e elas se abraçaram de novo. Depois respondeu com os olhos
marejados:
—
Obrigada de novo, Vó!
Carlos
chegou nesse momento, trocou sorrisos com a jovem vidente, e esta saiu da
cozinha. Ele se aproximou da amiga e comentou:
—
Vi a cruz no cordão da moça, também feita por Esmeralda?
—
Como não? — disse Vó Nena.
O
Vigilante sorriu, abriu um botão da camisa e mostrou a sua, desgastada pelos
anos.
—
Sempre disse para minha esposa que a recebi de umas amigas.
Os
dois sorriram com as lembranças daqueles tempos.
—
Você sabe, querido, que estou planejando montar um registro das aventuras de Vó
Nena e os Caçadores! Então quero ir com a Vó e seu Carlos no Fusca, ouvir mais
das histórias deles!
Tati
disse isso e se acomodou no banco de trás do carro azul. Nena olhou para os
netos e assumiu o posto de motorista, com Miranda a seu lado.
Os
dois irmãos se entreolharam, e conformados entraram no Dodge Charger R/T
branco.
—
Eu já cansei de te dar conselhos sobre a Tati!
Samuel,
no assento do passageiro, admirava a paisagem da Fernão Dias enquanto conversava
com o irmão. Daniel, por sua vez, permanecia preocupado.
—
Lembra quando comentei, estudei com ela desde o primário até o colegial. No
começo era gordinha, acredita?
—
Já me contou essa história.
—
E estou contando de novo. Daí, na sétima e oitava séries ela começou a se
cuidar mais, cresceu, e então veio o colegial, primeiro dia e ela surgiu linda!
Emagreceu, fez ginástica, balé, até artes marciais. E claro, passou a não levar
desaforo pra casa.
—
Basicamente, uma Vó Nena mais jovem.
—
E gostaria dela se fosse toda frágil e dondoca?
—
Claro que não! Eu a amo como é!
Samuel
olhou para o irmão, sorriu e finalizou:
—
Então a valorize, brother. E sempre deixe claro o quanto é louco por ela!
Daniel
devolveu o olhar, e momentos depois sorriu.
—
Passamos tanto por aqui e nunca desconfiamos de nada! — comentou Vó Nena. — Igor
Mendes, aquele filho da...!
Ela
não terminou o xingamento, mas mesmo assim Carlos olhou para a Caçadora
espantado, depois para Tati, e a moça fez sinal para ele não ligar. A vidente
já havia percebido que a líder da equipe continha sua linguagem diante de
algumas pessoas, e não se surpreendeu pelo amigo ser uma delas.
—
Quem foi esse, Vó? — perguntou ela.
—
Era um desses playboys, nascido em família rica, mimado — começou a Caçadora. —
Conheceu gente na faculdade cara na qual estudava lá por 1965 ou 66, e acabou
aderindo à luta armada.
—
Em uma ocasião, Nena e eu rastreamos um grupo de terroristas que raptavam
pessoas para tirar sangue delas — comentou Carlos. — Isso, claro, aumentou
ainda mais as lendas urbanas de Boa Graça e região. “Os vampiros da estrada”,
não era como chamavam?
—
Isso mesmo. Os salafrários seguiam pessoas que dirigiam sozinhas à noite ou de
madrugada na estrada, as obrigavam a parar e realizavam a coleta de sangue, às
vezes com rituais de magia negra. Desbaratamos a quadrilha, mas o líder, que
era Mendes, escapou.
Vó
Nena disse que esse sujeito acabou por se tornar um dos mais requisitados magos
da guerrilha comunista, mas suas práticas eram tão bizarras e absurdas que os
próprios terroristas tinham medo dele.
—
Um boato que eu segui na época foi de que ele formou uma quadrilha para roubar
carros de pessoas famosas e autoridades. Pretendia invocar demônios ou
espíritos ruins para possuí-los e deixar que a polícia encontrasse os veículos.
Depois estes matariam os donos, e os guerrilheiros ao mesmo tempo lançariam uma
guerra de narrativas, de que estavam combatendo os inimigos, a ditadura, aquele
lengalenga de sempre dessa cambada. As pistas que seguimos deram em nada.
—
E eu recebi esses dias, mesmo tendo me aposentado há anos — acrescentou Carlos,
— um chamado de um velho amigo ainda na ativa, de que encontraram finalmente o
ferro-velho onde esse Igor Mendes tramava seus planos.
Tatiana
havia ligado para Daniel e mantinha o celular em viva-voz, a fim de que os
meninos acompanhassem a história. Então o namorado comentou:
—
Eu lembro de ver uma notícia de que encontraram um lugar misterioso, cheio de
carros raros, bem nesta região. Você lembra, Samuel?
—
Sim, vou pesquisar aqui e já mando para a Tati.
Momentos
depois ela recebeu o link, o abriu e mostrou a Carlos e Nena. As fotos aéreas
mostravam um local amplo, abarrotado de lixo, máquinas enferrujadas e dezenas
de carros em variados estados de deterioração.
Com
a orientação de Carlos, Nena tomou uma entrada à direita, uma via de terra que
seguiu por pouco mais de dois quilômetros. Finalmente parou nas proximidades de
quatro viaturas, duas da Polícia rodoviária e duas da Polícia Militar. Alguns
metros adiante havia um grande e enferrujado portão de ferro. Carlos desceu do
Fusca depois de pedir que esperassem, enquanto os rapazes estacionavam o Dodjão
atrás.
Depois
de conversar com os policiais, incluindo seu amigo da corporação, Carlos
retornou para perto dos Caçadores.
—
Eu os havia prevenido para não entrarem antes de chegarmos, mas três dos
homens, incluindo o comandante, decidiram fazer um reconhecimento.
Subitamente,
tiros foram ouvidos à distância. Todos desceram dos carros e a primeira coisa
que fizeram foi se armarem.
Vó
Nena pegou uma bolsa de pano e a pendurou no ombro, depois estendeu uma pistola
para o amigo.
—
Está com balas de prata, Carlos. Deve funcionar com qualquer coisa que
encontremos lá.
Deu
uma para Tatiana também. A garota vinha praticando na propriedade da Caçadora,
ainda se sentia insegura em seu manuseio, mas a segurou, verificou a trava e a
enfiou na cintura do shorts.
Sam
e Dan igualmente se armaram. O irmão mais novo também trazia uma bolsa de pano
na qual colocara três livros de feitiços indicados pela avó. Depois conduziu o
mais velho para o porta-malas do Charger, o abriu, e disse:
—
Vó Nena acha que podemos topar com carros ou outros objetos assombrados. O
ideal seria atacá-los com fogo, mas não tínhamos garrafas e combustível para
fazer coquetéis molotov. Então lembrei disso aqui...
Daniel
olhou para o irmão com um misto de incredulidade e zombaria. Depois tirou do
porta-malas o artefato.
Era
um galão de quatro litros, acoplado por uma mangueira a uma arma de água comum,
que se compra em lojas de brinquedos.
—
Deixa adivinhar: água benta?
—
Eu e a Vó demoramos um pouco por isso, ela estava abençoando a água.
Daniel
examinou a arma, e disparou um jato curto na vegetação próxima. O alcance e a
largura do fluxo podiam ser regulados.
—
Água benta também funciona com objetos assombrados — explicou Sam. — E, se
ficar cansado de carregar, o galão tem rodinhas.
Daniel
fez cara de pouco caso, passou a alça do recipiente no ombro e o carregou. Os
Caçadores passaram pelos oficiais alarmados e um tanto incrédulos, e o irmão
mais velho comentou:
—
Tomara que tenhamos pensado em tudo, mesmo.
Os
policiais ficaram a postos depois de orientados por Carlos, que foi com a
equipe. E o espanto dos homens da lei aumentou quando o Fusca Azul, a um
assobio de Nena, manobrou sozinho e os seguiu. Todos passaram pelo portão em
silêncio.
Depois
de algum tempo os disparos recomeçaram. Os Caçadores se abrigaram atrás de
entulho acumulado e árvores que ladeavam o caminho, mas eles não eram o alvo.
Avançaram, e depressa descobriram o que estava acontecendo.
À
esquerda deles os policiais se ocultavam em uma depressão na margem do caminho.
Estavam no ponto em que este desembocava em um grande espaço aberto, ocupado
por montes de entulho e as primeiras carcaças de carros. E era do monte de
lixo, peças de metal e outros resíduos que voavam objetos na direção deles.
Os
policiais atiravam em uma grande roda de caminhão que, andando sozinha, rolava em
sua direção, acompanhando a chuva de destroços. Diante da reação dos homens a
coisa se afastava, mas tornava a avançar.
O
Fusca Azul, a um sinal de Nena, acelerou e voltou-se contra a roda. A atingiu
de frente, fazendo com que voasse longe, e depois ficou diante dos policiais,
recebendo o impacto dos objetos. Então os Caçadores puderam se aproximar.
—
Comandante Assis, policiais, o que houve? — perguntou Carlos assim que se
abaixou ao lado deles.
Assis
explicou rapidamente o sucedido. Um dos policiais fora atingido na perna e eles
improvisaram um torniquete. Tentaram retornar mas foram impedidos pelo que quer
que fosse que os estivesse atacando.
—
E agora essa roda que anda sozinha! — comentou o comandante. Acrescentou que,
em um casebre próximo, haviam encontrado um corpo decomposto.
O
Fusca ainda recebia impactos, e a roda de caminhão parecia espreitar na
distância. Nena trocou olhares com Samuel, que se ergueu apontando a pistola, e
disparou na coisa.
Suas
balas de prata a atingiram, e a roda se afastou depressa.
—
Parece que têm pouco efeito, Vó — comentou o jovem.
—
É melhor que nada, meu neto. Pegue os livros e comece a experimentar com
feitiços. Antes de começarmos quero ver aquele casebre de que o comandante
Assis falou.
Daniel
e Tatiana foram com ela. A construção estava do outro lado, então o rapaz as
protegeu apontando a arma enquanto atravessavam. Foi difícil entrar, já que
também estava tomada por entulho.
Nena
se aproximou do cadáver, apoiado em uma cadeira junto a uma mesa. Era quase só
ossos e restos de roupas, mas um anel enferrujado em um dos dedos deu a pista
que faltava:
—
É o filho da puta do Mendes. Quem convivia com ele dizia que usava um anel igualzinho
a esse, a caveira de um demônio.
Diante
do casal uniu as mãos após tirar da bolsa a tiracolo um terço. Rezou, recitou
versos de um feitiço, e terminou dizendo:
—
Igor Mendes, eu te prendo e amarro, e nunca mais você poderá fazer suas
maldades. Que a justiça seja implacável sobre seu espírito.
Os
tiros lá fora recomeçaram.
Os
três retornaram, com Tatiana respirando aliviada. Comentou com os demais que o
que sentiu dentro do casebre quase fora demais para ela. Só poderia descrever
como “pura maldade concentrada”, e sentia sinais parecidos onde estavam, abrangendo
todo o lugar. Como era aberto, entretanto, não a afetavam tanto.
A
roda de caminhão havia encontrado mais um objeto igual, e agora tentavam atacar
o grupo de duas direções diferentes.
—
Daniel, acho que você terá que se aproximar e usar a arma de água benta —
comentou Samuel.
—
É sério isso? — perguntou um dos policiais. — Tenente Carlos, agradecemos por
ter vindo, mas essas pessoas...
—
Não se preocupe, rapaz, vamos salvar o seu rabo — disse Vó Nena com
impaciência. — Daniel, faça isso!
O
neto mais velho assentiu, lançou um olhar para a namorada, e avançou. Uma das
rodas se aproximava de novo, e ele se agachou junto ao para-lama do Fusca.
Preparou a arma, ajustando o jato para maior alcance.
Quando
a roda aumentou a velocidade e se aproximou até uns dez metros, ele disparou. A
água benta atingiu a coisa, que seguiu rolando inerte e perdendo velocidade,
até bater e entortar o para-choque traseiro do Fusca.
A
peça de metal rangeu, e no momento seguinte retomou o formato original. Assis,
que observou o fenômeno boquiaberto, se virou para Carlos e Vó Nena e
perguntou:
—
Quem é a senhora?
A
anciã apenas sorriu.
A
roda de caminhão jazia inerte e molhada no chão. Porém, o outro objeto,
parecendo saber o que ocorrera, deu uma volta e veio pelo outro lado. Ao mesmo
tempo, a chuva de entulho continuou.
—
Não consigo uma posição para atirar! — disse Daniel se protegendo.
Carlos
empunhou a arma dada por Nena e fez alguns disparos, mas a roda amaldiçoada
prosseguiu suas manobras. Mais peças e lixo caíam perto deles. Tati se juntou
ao Vigilante e disparou também. Eles atingiram alguns tiros, mas balas de prata
se revelaram mais eficientes contra criaturas, não objetos assombrados.
—
Da próxima vez vou montar uma arma de prótons — comentou Samuel.
Olhou
para os policiais. Dois abriram sorrisos, e o jovem comentou:
—
Sempre é bom quando alguém entende a referência!
A
jovem vidente, então, teve uma ideia. Deu sua arma a Carlos e foi para o outro
lado, junto à dianteira do Fusca. Disse a Daniel:
—
Quando eu correr, atire na coisa assim que ela me seguir.
—
Tati, não, pelo amor de Deus!
—
Amor, eu vim pra ajudar. Confia em mim, tá?
Disse
isso segurando a cabeça dele entre as mãos e olhando em seus olhos. Dan
suspirou e disse:
—
Eu te amo.
—
Eu te amo tanto! — ela disse depois de um beijo.
Deu
mais uma olhada através das janelas do Fusca. O lado direito do carro era
atingido pelos objetos lançados da pilha de entulho, seus vidros quebrados eram
reconstituídos apenas para se estilhaçarem novamente, mas o carro assombrado
resistia bravamente.
A
garota aguardou mais uns instantes, e então saiu correndo.
A
estratégia funcionou. A roda se desviou e passou a perseguir Tatiana. Daniel,
então, seguiu adiante o mais depressa que o pesado galão pendurado em seu ombro
permitia.
Tati
se esquivou duas vezes da roda, outras tantas dos objetos lançados, e correu
novamente, virou-se e foi na direção da pilha de destroços. Aproximou-se de
Dan, que fez pontaria na roda assombrada assim que a amada passou por ele.
Finalmente
a coisa foi atingida pela água benta. Ele depois se virou e lançou o jato na
direção do entulho com o máximo alcance.
Desviou-se
da roda inerte que passou por ele, e da massa de lixo os projéteis pararam de
ser lançados.
Tati,
ofegante, se aproximou do namorado. Ele largou a arma e a abraçou.
—
Funcionou, amor! — suspirou com alivio.
Dava
pra sentir o coração da garota acelerado. Ela o abraçava forte e eles se
viraram para os demais.
Assis
e o outro policial se apressaram a carregar o colega ferido na direção da
entrada. Nena e Samuel viravam as páginas dos livros, enquanto Carlos acenava
para eles. O Fusca permanecia a postos, de novo com aparência impecável.
Entretanto,
o Vigilante logo apontou com expressão atemorizada para um local à direita do
casal. Eles se viraram, e se surpreenderam.
Havia
uma fileira de carros em variados graus de deterioração, e vários dos veículos
começaram a balançar e se mover. Quase nenhum tinha rodas ou pneus, e não
conseguiram avançar muito.
Porém,
de outra pilha de destroços mais próxima, mais uma roda de caminhão emergiu.
Foi acompanhada por uma segunda roda, que estava acoplada a um enorme eixo ainda
com diferencial.
Após
a primeira roda se encaixar, o conjunto entrou na pilha de lixo. Os Caçadores
se aproximaram, com Daniel empunhando a arma de água benta. Tatiana lamentou
ter deixado sua pistola, e observava o movimento antinatural cada vez mais
atemorizada.
Finalmente
uma coisa disforme emergiu da pilha de entulho e se ergueu diante deles.
Apoiada no eixo de caminhão se formou uma estrutura composta por várias peças,
possuindo um tronco principal, um braço que terminava em uma pinça mecânica, e
mais dois do outro lado.
Uma
cabeça disforme formada por faróis quebrados amontoados completava a coisa.
—
Só pode estar brincando!
Daniel
gritou isso enquanto voltava a disparar sua arma.
A
coisa apanhou uma peça, parecendo um capô de caminhão, e se protegeu. O rapaz
continuou atirando, até que a arma não funcionou mais. A água benta havia
acabado.
—
Corre, Tati!
Ela
não queria se separar do namorado, mas não tiveram escolha. A coisa veio para
cima deles com velocidade pouco maior que o passo apressado de uma pessoa. Cada
um deles correu para um lado.
—
Este aqui é nossa última esperança — comentou Samuel tirando o terceiro livro
da bolsa.
Nena
rapidamente o abriu, enquanto o neto guardava os outros volumes. Miranda olhou
ao redor e perguntou:
—
Pararam de nos atacar, por que será?
—
Deve ter sobrado somente um coisa-ruim — explicou a Caçadora. — E como nada
aqui deve estar em condições de funcionar e nem ter combustível, o monstro
precisa usar sua própria energia para mover as coisas.
—
Ele está concentrado então somente em Daniel e Tatiana? — perguntou Samuel.
A
avó lançou um significativo olhar para ele. Os dois se apressaram a folhear e
ler os feitiços no livro.
Não
tiveram que procurar muito.
—
Vó, este aqui! — apontou o jovem Caçador.
Ela
leu:
—
Abrange toda a propriedade onde atua o espírito das trevas... toda e qualquer
possessão terá fim, e o espírito invocado retornará para o lugar de onde veio.
Olhou
para os dois e comentou:
—
É bem poderoso, e não sei se terei forças de recitá-lo inteiro... um bruxo com
anos de experiência não teria problema.
E
então olhou para o neto.
—
Tem que ser você, Sam. É jovem e forte.
Ele
apanhou o livro e se levantou sorrindo, e então Vó Nena acrescentou:
—
Mais uma coisa...
Apoiou-se
na bengala e se aproximou do Fusca, que ainda os protegia.
—
Vai lá para o começo do caminho que traz até aqui. Você ainda pode ser útil
para nós por uns bons anos.
O
carro acelerou, deu pequenos arranques como se hesitasse, mas por fim fez um
cavalo de pau e se afastou, rumando para o portão.
Nesse
momento os primeiros detritos caíram ao chão próximo a eles.
—
Ele sabe o que pretendemos fazer — comentou Sam. — Carlos, leve minha avó para
fora do portão.
Dito
isso saiu correndo.
Tatiana
corria entre as fileiras de carcaças abandonadas. Agradeceu em pensamento pela
ideia de calçar os coturnos, já que as inúmeras peças e objetos de metal
espalhados pelo chão teriam reduzido seus tênis a fatias.
A
coisa de três metros de altura a perseguia. Era bizarra, pois perdia pedaços
conforme se movia, depois apanhava outros pelo chão para substituí-los, ou
então peças soltas rolavam e se uniam à estrutura possuída.
Ela
tentou se concentrar para descobrir onde Daniel estava, mas não conseguiu. Uma
segunda tentativa fez com que se distraísse e escorregasse em uma das peças que
estava pelo chão. Perdeu o equilíbrio, apoiou-se em um carro todo enferrujado e
ralou um dos joelhos no chão.
Agora
vão me perguntar em casa o que andei aprontando, pensou.
Olhou para trás e viu o monstro se aproximando. Com a queda e substituição de peças já parecia diferente, e não era muito rápido, mas Tati sabia que não se cansaria, ao contrário dela.
A
garota seguiu por um corredor estreito, e viu a sua esquerda uma velha e
enferrujada Kombi furgão. Teve a ideia de se esconder ali e recuperar um pouco
do fôlego.
Entrou
e se agachou no interior escuro e sujo.
Respirou
fundo o mais silenciosamente que conseguiu. Abraçou as pernas nuas e fechou os
olhos. Concentrou-se em Daniel, em seu amor por ele, nas lembranças daquele
relacionamento que significava tudo para ela.
Parecia
sentir as mãos do amado em sua pele, seus lábios encostando nos dela, os
momentos íntimos que já haviam experimentado. Não pôde evitar um sorriso e um
sentimento de desejo, e enquanto se concentrava nele surgiu finalmente a imagem
de Dan andando cautelosamente pelo terreno. O rapaz então ergueu o rosto e
pareceu olhar para ela, e Tati sentiu então que ele se aproximava de onde
estava, o que renovou sua confiança.
Som
de metal subitamente a tirou de sua concentração. Abriu os olhos e viu a ponta
de um braço metálico disforme atingir o chão próxima da porta da Kombi.
O
som de metal se intensificou, e Tatiana percebeu o teto do furgão sendo
amassado. Soube então que o monstro subira em seu esconderijo e o estava
esmagando sob seu peso. Ela cobriu a boca com uma das mãos e sentiu lágrimas se
formando em seus olhos.
Daniel
amaldiçoava a si próprio por haver deixado Tatiana. Praguejou ainda mais por
não ver o monstro em parte alguma.
Avançou
cautelosamente pelos corredores do ferro-velho, e pensou em chamar a namorada.
Desistiu no mesmo instante, pensando que isso poderia colocá-la em perigo.
De
repente, sentiu como se Tati estivesse próxima a ele. As lembranças de seu amor
inundaram sua mente, seu carinho, seu toque, e Dan experimentou mais um momento
de pura felicidade com o amor de sua vida.
Ergueu
então o olhar, e vislumbrou uma massa disforme por um vão entre as carcaças
abandonadas.
Correu
para lá o mais que pôde.
Tatiana,
ainda agachada em seu esconderijo, sentia o teto se abaixar mais a cada
instante. O braço do monstro ainda bloqueava a saída, e ela sentiu o pavor
ameaçando dominá-la.
Fechou
os olhos e se concentrou de novo. Pensou em sua avó Esmeralda, em Daniel,
Samuel e Vó Nena, em todas as coisas incríveis e maravilhosas que havia
experimentado nos últimos meses. Em todos os medos, todos os perigos que
enfrentara com eles.
Uma
lágrima rolou por sua face, e ela se sentiu bem. Soube então que já havia se
tornado parte integrante daquela equipe, daquela família. Sabia que viriam em
seu auxílio. E sabia de mais uma coisa.
Que
era uma Caçadora.
A
moça se concentrou mais. Pensou de novo em Daniel, seu amor, e lhe transmitiu
tudo de bom que sentia por ele.
O
teto do furgão baixou mais, e então Tati se sobressaltou.
Ouviu
tiros, e uma voz gritando:
—
Estou aqui, monstro dos infernos!
Daniel
atirou na coisa. Sabia que as balas de prata tinham pouco efeito contra objetos
possuídos. E aquilo era uma coleção deles. Mas distraiu-o o suficiente para que
viesse em sua direção.
O
rapaz não tinha ideia de porque sabia que Tati estava ali, mas deu graças ao
sentimento.
Apressou
o passo, com o monstro logo atrás. Olhando sobre o ombro viu a namorada saindo
do que restara da Kombi amassada, e respirou aliviado.
Porém,
assustou-se ao vê-la correr atrás da coisa.
Tatiana
viu Daniel à distância, ao mesmo tempo tirando do pescoço a cruz que Vó Nena
lhe dera.
Ela
aproveitou um momento em que o namorado olhou novamente para trás para apontar
para a direita. O rapaz entendeu, pois virou subitamente para aquele lado. O
monstro parou e demorou um pouco para virar, e nisso Tatiana, oculta por um
monte de entulho, encostou a cruz em uma das rodas.
A
coisa se moveu em seguida, indo atrás de Daniel.
A
jovem vidente sentou-se no chão, ofegante. Tinha feito como Vó Nena havia
ensinado.
Então
se lembrou.
Fé.
A cruz não tinha qualquer efeito sem que acreditasse.
Tatiana
buscou dentro de si mais uma vez. Lembrou-se das férias na casa de sua amada
avozinha, de como adorava ir à igreja com ela.
De
novo sentiu os olhos marejados.
Ela
se ergueu, respirou fundo e, fechando a cruz em sua mão, voltou a correr.
Daniel
se virou e não viu Tatiana. Preocupado, pensou em despistar a coisa e ir
procurá-la. Contudo, o monstro surgiu de novo, passando por cima de uma
montanha de destroços, jogando um monte de peças e detritos para o lado com os
braços disformes. Também havia percebido que pedaços caíam dele e eram
substituídos, alterando sua aparência mas mantendo a monstruosidade.
Ele
sacou de novo a pistola e atirou. Mirou em vários pontos, incluindo no que
seria a cabeça. Algumas peças caíram, outras se quebraram, mas o monstro ainda
vinha.
A
coisa se aproximou, barrando seu caminho com o braço maior. Daniel foi obrigado
a correr para o outro lado.
O
jovem Caçador prosseguiu em sua fuga, dobrou mais uma esquina entre fileiras de
carcaças, olhou para trás e viu a aberração possuída atrás dele. Daniel não se
importou, já havia enfrentado outras coisas malignas antes, e tinha confiança
de que venceria aquela também.
E,
especialmente, o que importava para ele é que Tati estivesse segura.
Passou
correndo por uma abertura entre as fileiras de carcaças, e de relance viu a
namorada abaixada ali. Virou-se, e nisso o monstro se aproximou ainda mais
dele.
Observou,
entre espantado e admirado, a garota que amava se aproximar por trás da coisa,
esgueirar-se e encostar a mão no eixo de caminhão que a sustentava.
O
monstro parou no mesmo instante. Depois de um momento que parecia de hesitação,
as peças que o formavam simplesmente desmoronaram.
O
estrépito foi grande, e Daniel se afastou instintivamente. Uma nuvem de poeira
se ergueu do chão de terra batida, e ele ficou sem enxergar por alguns
momentos.
—
Tati! — chamou.
Uma
sombra surgiu em meio a poeira, passando por cima dos destroços. Ela se
aproximou, e ele abriu um sorriso enorme ao reconhecer as formas curvilíneas da
amada.
Correu
até ela. Abraçaram-se. Daniel pensou que nunca sentira tanto alívio e tanto
amor ao abraçar Tatiana.
Ela
tremia e o apertava. Ele correspondeu, e finalmente se beijaram.
Aquele
beijo fez com que se esquecessem de todo o resto. O universo naquele instante
se resumiu somente a eles.
Momentos
depois, ainda trêmula, Tati olhou para Dan.
—
Eu te amo!
—
Eu te amo!
Ela
o apertou mais dizendo:
—
Tive tanto medo! Mas então pensei em você, e estou tão feliz agora!
Eles
se olharam longamente, ele reparou no joelho ralado, e a moça acrescentou:
—
Tá bem, talvez eu devesse ter ficado em casa, mas no fim deu certo, né?
Daniel
olhou para ela e comentou:
—
Teve um momento em que as lembranças de tudo que já vivemos inundaram minha
cabeça, e daí eu soube onde você se escondia.
Tatiana
finalmente sorriu, o beijou de novo e respondeu:
—
Acho que aprendemos mais uma!
Daniel
retribuiu o beijo, depois a olhou nos olhos e disse:
—
Quero ficar com você o resto da vida!
Ela
o olhou a princípio surpreendida, e em instantes exibiu um sorriso de pura
felicidade. Abriu a boca para dizer algo quando barulho nas proximidades
alarmou o casal. Os dois se viraram ao mesmo tempo.
Uma
escavadeira, ainda exibindo partes da pintura amarela em meio á ferrugem, os
quatro enormes pneus murchos, tremeu inteira no lugar que ocupava em uma
fileira de carros relativamente intactos.
Depois
de mais rangidos começou a se movimentar, erguendo a grande pá dianteira. Virou-se
na direção deles e avançou aos trancos.
—
De novo!? — gritou Daniel.
Samuel
correu em meio às fileiras de carros abandonados e carcaças apodrecidas. Com
agilidade conseguiu se desviar de peças que voavam, portas que se abriam
repentinamente e outros obstáculos.
Ouviu
gritos vindos da direção em que seguia. Soube, então, que o irmão e a namorada
ainda enfrentavam a coisa.
Decidiu
que não podia perder mais tempo. Tinha noção de estar próximo ao centro da
propriedade, garantindo que o feitiço a preenchesse por completo.
Olhou
para os lados, postou-se entre duas carcaças carcomidas e abriu o livro.
Começou a ler em voz alta.
A
escavadeira era mais rápida que a coisa disforme. Tatiana e Daniel correram e o
veículo os seguiu, batendo nas sucatas dispostas nas fileiras laterais e
fazendo um estardalhaço.
Os
dois não sabiam mais para onde ir, quando subitamente ouviram tiros.
Pararam,
se protegeram atrás de um velho caminhão, e olharam para trás. A escavadeira
havia parado, e depois de mais disparos a atingirem começou a manobrar.
Avançou
contra carros carcomidos estacionados, amassando vários, depois deu ré e fez o
mesmo com os do outro lado. Então ficou entalada entre dois montes de ferrugem,
e forçou o movimento para frente para se libertar.
Moveu
a pá traseira, menor e presa em um braço articulado. O metal enferrujado rangeu
de forma estridente, e o casal aproveitou para se posicionar no caminho. Então
viram.
Carlos
Miranda, com a arma entregue por Vó Nena, mirava cuidadosamente e disparava na
coisa. Os três trocaram olhares à distância, e então todos tiveram a mesma
ideia.
—
Vem aqui, coisa ruim! — berrou Daniel agitando os braços.
Carlos
atirou mais uma vez. O veículo possuído não conseguia se desvencilhar das
sucatas que ficaram encalacradas em sua traseira, e parecia não saber qual inimigo
enfrentar.
Tatiana
contornou um amontoado de entulho e surgiu do outro lado, tentando chamar a
atenção da coisa para uma terceira direção.
Samuel
prosseguiu a leitura do feitiço. Agachou-se quando uma peça de metal passou
zunindo perto de sua cabeça, ajeitou os óculos que haviam escorregado pelo
nariz, e seguiu pronunciando as palavras do encantamento.
Depois
de mais ataques e de um tempo que pareceu uma pequena eternidade, finalmente
chegou ao parágrafo final:
—
Coisa maligna que assombra este lugar,eu te abomino! Te condeno! Vai-te
embora, demônio, para o inferno de onde vieste, e nunca mais volte! Vai-te
embora para sempre!
O
rapaz experimentou um sentimento indefinível quando as energias místicas foram
emitidas do lugar que ocupava. O que pareceu uma forte brisa soprou como uma
onda pela realidade, afastando-se em círculos concêntricos a partir de onde Sam
e o livro estavam.
Tatiana
foi a primeira a sentir e se agachou, bem a tempo de escapar de uma barra de
metal lançada pela pá traseira da escavadeira. Ela sentiu seus cabelos serem
acariciados por uma brisa, e especialmente as energias que tomaram o lugar.
No
veículo assombrado o efeito foi imediato, mas muito mais intenso do que o ocorrido
com o monstro de metal. Daniel, com a visão desimpedida, observou um brilho
estranho, inegavelmente maligno e abominável, tomar a escavadeira. Esta tremeluziu,
suas formas pareciam se liquefazer, e em uma explosão silenciosa que ergueu
rolos de poeira e terra do chão, a coisa parou de se mexer.
O
Vigilante também se protegera atrás de uma carcaça próxima, e quando tudo
aquilo passou se ergueu, aproximando-se ainda com a pistola apontada, em passos
vagarosos.
Os
três se encontraram próximos à escavadeira. A contornaram cautelosamente, e
Tatiana decidiu arriscar. Encostou a mão no braço mecânico da pá traseira e
fechou os olhos.
Não
havia mais nada ali. Ela olhou para os demais, sorriu e disse:
—
Acabou.
Samuel
ficou zonzo, e se apoiou em uma das sucatas ao lado. A tontura passou em
instantes, ele olhou ao redor e viu tudo quieto. Fechou o livro e correu na
direção do som dos disparos.
Os
três ouviram passos apressados se aproximando. Viraram-se e deram com Sam,
trazendo um livro na mão. O rapaz perguntou:
—
E aí, todos bem?
Dan
e Tati se olharam, depois correram para ele, abraçando-o.
O
irmão desarrumou seu cabelo, e a namorada deu-lhe um beijo no rosto, dizendo:
—
Parabéns, Sam, você salvou o dia!
Quando
desfizeram o abraço viram Miranda próximo a eles. Trocaram apertos de mão, e
Samuel disse:
—
Obrigado, Vigilante Carlos!
Os
quatro caminharam até o portão gradeado, e ali encontraram Vó Nena e os demais
policiais. Uma ambulância havia chegado para levar o que havia sido ferido, e o
reencontro de toda a equipe foi alegre.
—
Agora acabou — comentou Vó Nena.
Daniel
olhou ao redor e perguntou:
—
Cadê o Fusca? Não vão dizer que...
Uma
buzina o interrompeu. O veículo azul se aproximou sozinho, parando logo atrás
do Dodge Charger.
Carlos
trocou algumas palavras com os policiais, enquanto os Caçadores arrumavam suas
coisas nos dois carros.
Depois
o Vigilante se aproximou deles e comentou:
—
Diante da estranheza de tudo que aconteceu, e que eles testemunharam, decidiram
omitir dos relatórios nosso envolvimento.
—
Ainda formamos uma boa equipe, hein, meu amigo? — disse Vó Nena, brincalhona.
Os
policiais os cumprimentaram, apanharam suas viaturas e entraram no ferro-velho.
Já a ambulância manobrou e seguiu pelo caminho de terra, rumo à estrada.
Nisso,
todos olharam para Tatiana. Ela saiu andando, passou pelos dois carros e seguiu
em frente. Daniel se apressou e, quando chegou a seu lado, perguntou:
—
Tati, o que foi?
—
Tem mais alguma coisa...
O
rapaz fez movimento instintivo para apanhar uma arma, mas não carregava
nenhuma. A moça segurou seu outro braço e disse:
—
Não, nada perigoso... acho...
Parou,
olhou ao redor, e finalmente se virou para sua esquerda. Moveu algumas plantas
da vegetação, e viu que havia vestígios de uma trilha ali.
Seguiu
em frente. Daniel a acompanhou depois de olhar para trás e confirmar que os
demais vinham até eles.
Após
alguns passos o casal encontrou uma pequena elevação. Tatiana estendeu a mão e
segurou em um ponto que chamara sua atenção.
—
Dan, é uma lona cobrindo alguma coisa. Ajuda aqui.
Eles
seguraram em dois lugares e puxaram. O rapaz chamou o irmão para ajudar.
Com
esforço tiraram o grosso e imundo pano, descobrindo o que logo identificaram
como um carro. Samuel, depois de lançar os olhos sobre ele, meditou por alguns
segundos e finalmente exibiu uma expressão incrédula e um largo sorriso.
—
Não acredito! Esperem, vou pegar um cabo e enganchar no Fusca, vocês livrem um
pouco essa parte aqui na frente!
Todos
estavam impressionados. O carro, coberto por sujeira e com vários pontos de
ferrugem, ainda exibia linhas impressionantes. A frente era longa, com os dois
faróis redondos milagrosamente intactos, e a traseira curta era truncada, como uma
pequena perua. Vestígios de pintura amarela e preta, e também de insígnias, eram
visíveis.
—
É o Gavião!
Samuel
não conseguia disfarçar o quanto estava maravilhado. Carlos, por sua vez, que
dirigira aquele carro, acompanhava o rapaz enquanto não se cansavam de andar ao
redor dele.
O
Fusca Azul arrastara o Gavião para fora da mata, e agora podiam admirá-lo.
Mesmo imundo e desgastado, o interior bastante comprometido, ainda exalava o
arrojo dos anos 1960, uma realização incrível da nascente indústria automobilística
brasileira da época.
Vó
Nena, de novo com sua bengala de pau-brasil, observava satisfeita a cena.
Daniel e Tatiana, abraçados, sentiam-se felizes por resolverem mais um
mistério.
Carlos
e Samuel se abraçaram, e depois o Vigilante se aproximou do casal. Apertou
efusivamente as mãos de Daniel, e quando se voltou para Tatiana a abraçou
forte.
—
Obrigado, menina linda! — ele disse em meio a lágrimas. — Você foi maravilhosa
hoje, ajudando este velhote a resolver um enigma de décadas!
Também
emocionada, Tati apertou mais o abraço, e respondeu com voz embargada:
—
O prazer e a honra foram todos meus, Carlos querido! Estou tão feliz!
Os
demais se aproximaram, comovidos. Mal os dois se largaram, e Vó Nena
surpreendeu a todos puxando a jovem vidente para mais um abraço.
—
Minha querida, estou tão orgulhosa de você! Você hoje superou qualquer
expectativa que eu pudesse ter, meu amor!
Olhou
para ela. Tati chorava, mas exibia um lindo sorriso. A Caçadora acrescentou:
—
Desde o começo eu sabia que seria parte desta família, Tatiana. Saiba que sua
avó teria um orgulho imenso de você, minha querida, além até do que já sentia
em vida. Você é uma luz que veio se unir a nós, uma luz que brilha e nos
protege das trevas!
Emocionada,
Tati chorou mais e a abraçou de novo. Samuel sorriu e se virou para o irmão.
Percebeu como estava de olhos marejados, e seu queixo tremia de leve. Deu uma
cotovelada nele e apanhou seu celular. Satisfeito por encontrar sinal, aguardou
que Tatiana e Vó Nena desfizessem o abraço. A garota agarrou o namorado a
seguir, e os demais se afastaram do casal, quando o neto mais jovem perguntou:
—
O que vamos fazer agora, Vó? Com o Gavião, digo.
—
Isto aqui, fora do portão que marca o terreno, não é propriedade de ninguém,
pelo que sei — comentou Carlos. — Podemos simplesmente levá-lo, para todos os
efeitos ainda é propriedade da Polícia Rodoviária.
—
E o Gavião merece ser restaurado, não é? — perguntou o jovem Caçador. Mostrou a
tela do celular para a avó.
—
É, sei que esse nosso amigo também é fã das aventuras do Vigilante Rodoviário.
Ele vai ter um treco!
Satisfeito,
Samuel clicou para uma chamada telefônica depois de ter enviado as fotos que
batera do carro para o contato.
O
evento de carros antigos, ao longo de todo o sábado, foi um estrondoso sucesso.
Até
mesmo o Fusca Azul se comportou, mas o mesmo não se pode dizer das pessoas,
especialmente adolescentes, que passavam diante dele e trocavam socos. O carro
impecável foi muito admirado, assim como o reluzente Dodge Charger branco.
Claro,
o Simca da Polícia Rodoviária e seu famoso piloto atraíram a maior parte da
atenção.
À
noite, depois do evento, Carlos fez questão de acompanhar os Caçadores até a
casa de Vó Nena. Conversaram um bom bocado mais, até que o veterano Vigilante disse
que precisava ir. Cumprimentou longamente a todos um por um e, sem nunca deixar
de exibir seu cativante sorriso, entrou no Simca Chambord, acenou e saiu pela
estrada.
Eles
observaram o carro desaparecer após a curva, e mantiveram silêncio por algum tempo.
Vó Nena, então, se virou para entrar em casa e preparar algo para comerem,
quando viu Daniel e Tatiana abraçados. Ela tinha lágrimas nos olhos.
—
Que foi, Tati? — perguntou a Caçadora com tom carinhoso.
A
moça enxugou os olhos, olhou para ela e a abraçou dizendo:
—
A vidência... me passou a impressão que não veremos Carlos mais...
Nena
a abraçou mais forte, depois fez com que ela a olhasse:
—
Querida, pelo tempo que passei com minha amiga, sua avó, e foi bastante tempo,
sei bem a melancolia que a vidência pode trazer às vezes. Não se preocupe com
isso!
Abraçaram-se
de novo. Os rapazes observavam comovidos a cena.
—
Tati, na vida o que importa é o caminho que percorremos, as amizades que construímos,
o amor que vivemos. É o quanto marcamos a vida um do outro, mesmo que a
convivência não tenha sido longa.
Daniel
se aproximou e agarrou a namorada. Samuel passou o braço pelos ombros da avó,
que completou:
—
As histórias de que participamos na vida é que são importantes, meus amores. E
com Carlos tivemos uma boa e bonita história, não é?
Todos
concordaram. Depois caminharam para a casa e entraram, enquanto os sons da
noite tomavam a propriedade.
Dezesseis
meses depois...
A
Oficina Entremundos, conhecida em Boa Graça por ser um ponto de encontro de
carros clássicos, sem deixar de atender também aos modelos novos, estava em sua
hora de fechar.
Nicolau,
o velho português dono do lugar, acariciou as formas arrojadas. A pintura nova
estava impecável, e ele somente lamentava que o amigo dele e de Nena não poderia
ver como o carro ia tomando forma.
A
porta que dava para aquele pátio interno se abriu, e a garota baixinha e magra,
mais nova funcionária, se aproximou dele.
—
Precisa de mais alguma coisa, seu Nicolau?
O
veterano mecânico olhou para ela. Sorriu de leve e respondeu:
—
Não, não, obrigado, Luísa. Por hoje podemos encerrar.
A
moça sorriu e se virou. Então deu meia volta e se aproximou dele, olhando para
o carro que estava sendo restaurado.
—
Nossa, estou aqui há poucas semanas e ainda não tinha visto este!
O
velho mecânico contou rapidamente a história, e a garota se admirava cada vez
mais.
—
Nossa, seu Nicolau! Então dona Nena e a turma resgataram o carro?
—
Sim, minha filha. É pena que nosso amigo não esteja mais aqui para vê-lo. Mas é
um prazer fazer isso em sua memória!
Luísa
sorriu, pôs a mão em seu ombro e disse:
—
Se precisar de ajuda, seu Nicolau, conte comigo!
Ele
pousou a mão sobre a dela, olhou em seus olhos castanho-esverdeados e
respondeu;
—
Obrigado, querida. Agora vá, acho que alguém vem te buscar hoje, não é?
A
garota abriu um sorriso adorável e fez que sim. Eles se despediram por gestos e
ela se afastou. Nicolau ainda disse:
—
Ele é um bom rapaz. Estou feliz por vocês dois.
Luísa
se virou exibindo de novo um sorriso, e desapareceu pela porta.
Nicolau
sorriu, emocionado pelas lembranças, e feliz por aqueles jovens. Depois puxou a
lona e voltou a cobrir o Gavião.
Vó Nena e os Caçadores retornarão.
Eis
então mais uma história para vocês, caros leitores, e espero que tenham
gostado. Como ficou evidente, é uma modesta homenagem ao saudoso Carlos Miranda
(29/07/1933 – 17/02/2025) nosso eterno Vigilante Rodoviário!
A
homenagem foi uma sugestão do amigo e leitor Dalton (@daltonica), e demorei um
pouco para completar o conto porque estava finalizando o e-book A Última
Escrava (ainda não leram???). A ideia se mostrou tão legal que assisti vários
episódios no excelente canal Tela Nacional, a fim de entrar no clima do
seriado.
Antes,
a respeito das imagens dos personagens. Foram feitas com a IA Dream by Wombo, a
exemplo das que ilustram histórias anteriores. Já o monstro de ferro-velho teve
melhores resultados na Meta AI no próprio Whatsapp.
Evidentemente
tomei várias liberdades criativas, como ambientar as filmagens de alguns dos
episódios em Boa Graça, a cidade de Vó Nena. E, como detalhe final, uma
possível resposta para o mistério em torno do magnífico Brasinca Gavião,
derivado do legendário Uirapuru.
Bons
tempos em que carros eram desenhados para agradar aos olhos!
Deixo
aqui eternos agradecimentos ao inesquecível Carlos Miranda. Foi um prazer
imenso assistir aos episódios, tanto quanto colocar seu personagem para
interagir com os meus. Saudades!
Houve
mais um fato incrível ligado a esta história. Como fã, leitor e escritor, em
tantas e incansáveis buscas pela rede, descobri em um sebo online o livro
Inspetor Carlos, O Eterno Vigilante, por um preço muito bom. E, quando chegou,
a enorme surpresa.
Está AUTOGRAFADO!
Já
se tornou, evidentemente, um dos tesouros de minha coleção.
Ah,
e sobre Rubens, o já falecido esposo de Vó Nena, sua aparência foi sugestão de
outro amigo e leitor, Duda (@dudaflagger) e claro que ficou tudo a ver! Vocês reconheceram
o ator homenageado, certo? Querem histórias com ele? Usem os comentários!
Sobre
a cena final entre Seu Nicolau e Luísa, explicarei rapidamente que são novos
personagens que fazem sua estreia no novo livro, VÓ NENA E OS CAÇADORES: AÚLTIMA ESCRAVA.
Nicolau
é dono de uma oficina, atendendo tanto carros modernos quanto clássicos, e que
cuida de veículos assombrados também. Ou seja, é um valioso aliado dos
Caçadores. Aproveitando, mais pro começo da história, quando Vó Nena menciona
Barnabé (eis mais uma referência) e a Comunidade Ashia, estes também são
apresentados no novo e-book.
Luísa,
que já apareceu algumas vezes em posts em meu perfil do Instagram
(@renatoa.azevedo, nas tags #vonenaeoscaçadores e #vonenaeoscacadores) acaba de
ser contratada por Nicolau. Essa cena, de fato, antecede o epílogo do e-book,
imediatamente antes de um encontro entre ela e... leiam, leiam! Alimentem os
autores nacionais! E sim, ela terá destaque cada vez maior em novas histórias.
De novo, estão convidados a ler o novo livro!
Obrigado
mais uma vez. Foi um prazer e uma honra escrever esta história, e espero que
gostem e comentem. Logo teremos mais, muito mais!
Dedicado
a Carlos Miranda, nosso eterno Vigilante Rodoviário.
Até a próxima!
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