Depois da primeira publicação o universo, ou melhor dizendo o multiverso dA Lista foi se ampliando. Como a próxima edição da Sci-Fi News sairia em dezembro, foi natural buscar contar uma história natalina. Depois o conto 2 seguiu muito o contexto político da época, ao passo que o de número 3 já discutia o racismo bem antes de, por exemplo o excepcional filme Pantera Negra.
A respeito deste, aliás, os nomes dos personagens principais foram alterados quando outra história da Lista, Letras da Igualdade, foi publicada na antologia A Fantástica Literatura Queer da Tarja Editorial em 2011. Conto que, aliás, foi o mais elogiado do Volume Laranja.
Ainda vale comentar que entre meus projetos atuais está o de escrever roteiros para uma série de televisão dA Lista, e o primeiro é baseado no primeiro conto, já publicado aqui no novo Escritor com "R". Boa leitura!
A Lista, Natal 2004
Com o final de ano, a Lista foi tomada por mensagens sobre o Natal. Nessa época as diferenças vividas pelos participantes eram das mais acentuadas.
O mundo de Bárbara, por exemplo, havia abolido as religiões organizadas. Mas as datas mais importantes de cada uma delas eram sempre lembradas.
Serguei, cronista de um mundo em guerra havia anos, contou em uma longa e emocionante mensagem como as pessoas, mesmo diante da brutalidade da guerra e violência, esforçavam-se para celebrar a esperança. Nem mesmo os escassos recursos, a ausência de entes queridos, a saudade de casa, eram obstáculos. Por uma noite ao menos, esforçavam-se para sonhar.
Era estranho para os que conheciam o Natal explicar seu significado para os que viviam em outras realidades em que, por variados motivos, nunca houve Natal. Os mais religiosos certamente sentiam um calafrio diante disso.
Ana era escritora em um mundo cruel e tirânico, dominado pelo Império Romano, e onde não existia nenhuma noção de amor ao próximo, compaixão e irmandade. Tais qualidades eram sinônimo de fraqueza, e alguns infelizes chegavam a terminar seus dias na escravidão. Outros mundos eram semelhantes e em alguns, entre os quais o de Ana, as mensagens da Lista haviam sido espalhadas e muito bem recebidas por um surpreendente número de pessoas.
Houve violência quando os que dominavam tais mundos sentiram seu poder ameaçado. Muitos mártires foram criados, mas a mensagem da fraternidade, ao contrário do desejo dos poderosos, apenas se tornou mais forte.
Samuel, desde que se unira a Lista, era um de seus mais elogiados poetas. Seus versos falavam em liberdade, fraternidade e amor ao próximo, valores sempre prestigiados naquele meio, e muito comentados naqueles dias.
Ele conectou-se naquela noite, respondeu as mensagens e ainda teve tempo para conversar com o pessoal antes de ser obrigado a desligar. Aquilo, tristemente, soava muito familiar a vários dos participantes. Todos eram profissionais ou entusiastas das Letras, escritores, cronistas, poetas, jornalistas, editores, professores, todos ligados a leitura e escrita, aos livros e ao conhecimento. Exatamente a classe de pessoas que em incontáveis regimes totalitários eram as primeiras a serem caçadas e caladas.
Samuel era um desses. Ele vivia em um mundo onde a religião fora proibida. Deuses e deusas, orações e cultos, tudo fora abolido após tragédias ocasionadas por fanáticos, que engolfaram sua Terra em guerras sem fim.
Samuel desconectou, cobriu o equipamento com um pano e deixou o porão, subindo com cuidado a pequena escada que conduzia de volta a sala de estar de sua casa. Rezava todos os dias para nenhum agente do governo descobrir a ligação clandestina. Fechou com cuidado a porta e colocou sobre a mesma um tapete, apoiando sobre o mesmo uma mesinha de centro.
Samuel suspirou. Pensou na ditadura que oprimia seu Brasil. Em outros países já existiam movimentos pela volta da democracia, algumas vezes de forma mais ou menos livre, em outras sendo brutalmente reprimidos. Ele esforçou-se para imaginar aqueles outros Brasis, verdadeiros caldeirões culturais, em que os vários credos coexistiam em harmonia.
Olhou para a esposa e a filha de sete anos, prontas para sair.
Desafiando o toque de recolher chegaram à casa de um amigo. Foram recebidos com alegria, e se dirigiram ao porão. Cerca de vinte pessoas aguardavam. Os recursos eram escassos, mas havia peru e castanhas, e um padre para rezar a Missa do Galo. Após a meia noite todos trocaram presentes.
José vivia em uma Lisboa quase medieval. As autoridades, no sermão de várias missas nos últimos dias, lembravam do Natal e pediam o expurgo dos infiéis.
E ele não gostava dessa deturpação. A Europa vivia imersa em conflitos, pobreza e guerra, o Oriente permanecia isolado, e as Américas, África e Oriente Médio muçulmanos experimentavam prosperidade que parecia não ter fim, com espaço até mesmo para a convivência entre religiões. Ele era professor, e fora várias vezes advertido por seus métodos de ensino. Seus superiores não admitiam que ele ensinasse valores que não fossem os aprovados pelas autoridades. Especialmente que lembrasse com frequência aos alunos as liberdades pagãs dos países infiéis.
Ele questionava se o entendimento pelos muçulmanos de que o mundo, como obra de Deus, tinha que ser estudado a fundo para a compreensão de sua Obra, não deveria ser seguido.
E acima de tudo, questionava quais motivos levavam a elite religiosa a afastar-se das palavras de Jesus, que sempre pregavam a tolerância, a irmandade e o respeito, especialmente com as diferenças.
Roberta, jornalista numa realidade que jamais conhecera o Natal, leu todas as mensagens, respondeu as mais pertinentes e desconectou.
Suspirou pensando nos outros mundos, onde seria noite de festa. Ao mesmo tempo sentiu-se aliviada, pois onde vivia tampouco existia um regime totalitário, como os descritos por vários colegas.
Vestiu um casaco, pegou a bolsa e saiu. Demorou para conseguir um táxi, e chegou a se irritar com o trânsito pesado da hora do rush. Não queria chegar atrasada.
De início acompanhou aquele homem por puro dever jornalístico. Mas havia algo especial nele que a cativava. A ela e a um número sempre crescente de pessoas.
Chegou enfim ao bar onde ele se apresentava, e conseguiu entrar.
Encontrou-o já sentado em seu banquinho, com o violão apoiado numa das pernas. Vestia-se com simplicidade, calça jeans e camisa branca. Ele fazia questão de sorrir para todos os que apareciam, e com ela não era diferente. Aliás, toda pessoa que falava com o homem sentia-se tratada de forma absolutamente especial.
Ele começou cantando, sempre com sua voz potente e melodiosa, profunda e clara. O bar abarrotado ouvia com verdadeira devoção.
E ele, depois de terminar, colocou o violão de lado, alisou os longos cabelos e começou a falar. Roberta e o restante da audiência ouvia com toda atenção. Ela continuava escrevendo sobre aquele homem para o jornal, e sabia que por dever profissional tinha que ser imparcial. Mas era muito difícil, pois as coisas que ele falava...
Coisas sobre amor ao próximo, perdoar para ser perdoado, amar para ser amado. Alguns o chamavam de profeta, outros de agitador, mas ninguém ficava indiferente. Suas aparições em todas as mídias, cada vez mais frequentes. Seus seguidores aumentavam, um fenômeno que já preocupava os poderosos.
Ela, como os demais ali, não ligava para nada daquilo. Só ouvia. E suas palavras finais naquela noite foram:
- Ouvir minhas palavras e as praticar, assemelha-se a um homem que planta os alicerces da casa que constrói na rocha. Nem a pior tormenta pode então derrubá-la. Mas ouvir minhas palavras e não as praticar, equivale a um homem erguer uma casa sem alicerces; a tormenta se abateu, e a casa ruiu.
Dedicado a minha querida amiga e madrinha Silvia, que me deu a idéia para este conto.
Publicado originalmente na edição 82, de dezembro de 2004, da revista Scifi News.
A Lista 2
Jorge estava furioso, e mal chegara do curso noturno, foi logo destilando todo seu ódio em seus contos macabros.
Em suas histórias, lobisomens, vampiros e outras bestas eram sempre mortíferas, sombrias e sanguinárias. Ele mantinha um site, que recebia freqüentes visitas de fãs do gênero terror.
Quase meia noite, e ele decidiu ver os e-mails. Rapidamente deletou os que não tinham importância, e finalmente resolveu conferir as mensagens da Lista.
O Moderador havia atuado, e era a primeira vez que Jorge tinha a oportunidade de vê-lo. Então, ele existia mesmo! Até tentou obter sua localização, mas foi impossível.
O Moderador sempre respondia aos e-mails que lhe enviavam de forma reservada, mas nunca deixava pistas sobre sua localização. E muito menos explicava qual, afinal, era o objetivo da Lista.
Jorge achava que era o mais louco PBEM de que já participara, e enquanto ia lendo as mensagens, esquecia-se por completo do visto que o Consulado dos Estados Unidos lhe havia negado.
- Pronto, eu tinha que lembrar, maldito Bush!
Odiava aquele governo, mais que tudo. Bem quando já estava com a passagem para o intercâmbio na mão, os documentos da família americana que o hospedaria, tudo certinho... E mais uma vez aquele gringo nojento do consulado negava-lhe o visto!
Todo aquele papo de guerra contra o terrorismo... Para Jorge, os maiores terroristas eram os EUA e seus aliados, isso sim! Por que tivera que concordar com aquele intercâmbio? O pior é que isso contaria pontos na sua nota final, quando terminasse o colegial.
Resolveu contar isso na lista, quem sabe aparecesse alguém com idéias interessantes, ou ao menos, algum assunto que o fizesse esquecer. E, depois de poucos minutos, um de seus conhecidos, Ramon, apareceu:
- Jorge, por que tanta zanga?
- É esse país maldito! Odeio esse Bush, bem que poderiam mandar outro avião, na cara dele!
- Você não deveria xingar assim. Só porque lhe negaram o visto? Mas quanta gente está muito pior que você?
- Eu não devia ter concordado com esse intercâmbio! Poderia ter feito como outro colega, ir pegar onda e umas “minas” na Nova Zelândia! Aquilo é que é país, com a vantagem que não ficam te fichando como se fosse um Zé ninguém!
Ramón era poeta, e vivia no Caribe. Nunca precisara exatamente onde, o que no fundo pouco interessava Jorge. Ele gostava de trocar mensagens com o amigo, sempre paciente, sempre dando conselhos valiosos.
- Jorge, lendo tudo que mandou, sua História, vejo que você reclama de barriga cheia. Imagine se os EUA não tivesse atuado na Segunda Guerra?
- Não teriam cometido assassinado em massa com as bombas atômicas, em primeiro lugar!
- Aquilo era uma guerra, Jorge, e guerras nunca são bonitas. Que tal lembrar dos civis mortos pelos países do Eixo? Ou mesmo das outras vítimas dos bombardeios aliados? Parece que aí só lembram das bombas sobre o Japão.
- Você quer dizer, Ramón, que os EUA são sempre os bonzinhos?
A resposta do amigo demorou um pouco, e Jorge aproveitou para ler algumas de outras mensagens. Quando o sinal sonoro anunciou a chegada de novo e-mail, ele logo viu que era de Ramón, e finalmente leu:
- Em relações internacionais, amigo, nunca existem santos. Acha mesmo que teria sido melhor que os nazistas houvessem vencido a guerra? E quanto a Guerra Fria? Você preferiria o comunismo? A Alemanha Oriental, por exemplo, de acordo com os arquivos que mandou, era um estado policial, vigiando todos os cidadãos! Você conseguiria viver num lugar assim?
- É, você tem razão... Mas mesmo assim, não gosto desse Bush!
Ramón demorou um pouco, e finalmente Jorge pôde ler:
- Hehehehe, conhece aquele ditado, “há males que vêm pra bem”? E, mudando de assunto, como andam seus contos?
Jorge comentou que estava escrevendo muito, e a série sobre os lobisomens estava quase pronta. Ramón pediu que os enviasse, mas apenas na noite seguinte, pois tinha muito o que fazer. Depois de uma rápida despedida, ambos desconectaram-se da Lista.
Ramón sorriu, acendeu um cigarro, e soltou largas baforadas. Os amigos sempre lhe diziam para largar o vício, mas ele nunca atendia. Dizia que ajudava a pensar, a liberar as idéias e ampliar a percepção de sua mente. E isso era necessário, ainda mais naqueles tempos tão difíceis, tão decisivos.
Olhou pela janela, para a noite. Havana era muito bonita, toda iluminada, capital do último lugar livre do Caribe, o local mais ao sul da Terra ainda não controlado pelas forças ditatoriais.
Ramón suspirou fundo. O mundo de Jorge seria um paraíso, para ele e para bilhões de outros seres humanos de seu mundo. E talvez fosse por isso que ele, Ramón, fora chamado para a Lista.
Por todos aqueles meses, desde que começara a participar da mesma, recebera tantas mensagens de esperança, de tantos outros lugares, outros mundos, alguns melhores que o seu, e uma grande parte muito pior... Ramón suspirou fundo, e redigiu o e-mail:
“Senhores, não podemos mais esperar. Os Estados Unidos têm que ser chamados, de uma vez por todas, a responsabilidade! Aquilo que esta grande nação negou ao mundo, quando foi decidido não tomar parte na Segunda Guerra Mundial, agora tem que ser feito, com a maior presteza possível.
A Europa Nazista, deixada livre para atuar, estendeu seus tentáculos por todo o planeta. Hoje, apenas Rússia e China, além de Estados Unidos, Canadá e alguns poucos países, mantêm-se livres do jugo nazista.
Os presidentes anteriores, todos eles a partir dos anos 1950, escolheram a coexistência, mas o mundo pagou um alto preço por essa negligência. Lamentavelmente, meus amigos, existe apenas uma única e dolorosa resposta. A guerra.
Felizmente, nossos cientistas não descansaram, e hoje, todos nós acreditamos, os Estados Unidos estão com seu arsenal pronto! Os contínuos conflitos em seus territórios enfraqueceram os nazistas, e nós mesmos temos auxiliado secretamente a Resistência, em todos os pontos do Globo onde a mesma pode ser ajudada.
Por isso, venho por meio desta, em uma mensagem de esperança, incentivar todos os nossos amigos a aconselharem o presidente Bush a atacar, de forma rápida e certeira, o Reich. É pena que apenas agora, os Estados Unidos têm um presidente que não teme fazer escolhas duras e difíceis.
As mesmas são, nada menos, que o grande teste de qualquer estadista. Meus amigos, tempos ainda mais escuros se aproximam de nós, mas se Deus nos ajudar, nossos filhos irão nos agradecer!”.
Ramón enviou a mensagem. Esperava que levassem um bom tempo para decidir. Qual não foi sua surpresa quando, no meio da madrugada, foi acordado por uma série de rugidos. Quando abriu a janela, divisou na escuridão da noite incontáveis rastros de mísseis nucleares.
Um misto de alegria e temor apossou-se dele no mesmo instante. Torcia desesperadamente para que a libertação do mundo houvesse finalmente começado.
Publicado originalmente na edição 83, de janeiro de 2005, da revista Scifi News.
A Lista 3
William esforçava-se para caminhar com tranqüilidade, enquanto percorria os corredores da prisão. Os mesmos sempre lhe pareciam intermináveis.
Passou pela revista, com detectores de metal, e finalmente teve permissão de sair. A segurança ali era sempre rígida, adequada a um estabelecimento que só comportava inimigos do Estado.
E esse era o caso de seu irmão, Emerson. Um famoso e premiado escritor, talvez o mais festejado do ocidente. Os irmãos eram descendentes da tribo Guarani, e já haviam desfrutado de uma vida confortável.
William lembrou-se dos velhos tempos com um misto de saudade e tristeza. Era editor e crítico cultural, e havia desistido de lutar pela libertação do irmão. Infelizmente, como em quase tudo, na área dos direitos humanos o Brasil ainda engatinhava.
Finalmente ele chegou em casa, depois de tomar dois ônibus, intercalados por uma viagem de metrô. O padrão de vida da família havia caído com toda a confusão envolvendo Emerson e suas obras, e William acabou pagando um preço muito caro por defender o irmão e suas idéias.
Haviam até mesmo sido obrigados a se mudar para uma área menos nobre da cidade, próxima ao gueto dos brancos. A violência e pobreza ali, tão perto de casa, eram assustadoras, muito mais do que a mostrada pelos telejornais.
Resignado, William sentou-se defronte ao computador, e pôs-se a escrever, escrever sem parar por horas. Uma vez por semana, era aquela sua sina.
Por que fazia isso? Amaldiçoava-se sempre, por defender o irmão, coisa que quase lhe havia custado a prisão, também por ir contra as políticas oficiais.
“Os brancos são inferiores, nos subjugaram por séculos, são violentos e incapazes, a única opção é seu controle, confinando-os aos seus guetos!”, mais de uma vez ele ouviu.
Toda sua vida aquilo pareceu perfeitamente normal. Após a Abolição, e principalmente depois de proclamada a República, os antigos escravos uniram-se aos índios, e logo o país inteiro era engolfado pela guerra civil.
Poucos milhões de mortos e vinte anos depois, um novo regime tomava o poder. Desde então, aos brancos cabia um único papel, o de cidadãos de segunda classe.
Apenas negros e índios podiam votar, eleger-se para qualquer cargo, freqüentar universidades, viajar pelo país e ao exterior... Até mesmo, nos tempos recentes, gravar um disco, publicar um livro, e utilizar a internet, tudo, era privilégio da classe dominante!
Ao contrário do que pudesse parecer, o Brasil era um país próspero e em franco crescimento. Até mesmo a guerra, entre o final dos anos 70 e início dos 80, com a África do Sul, que tinha um regime similar, mas cuja classe dominante era a dos brancos, contribuiu para a prosperidade.
Aquele país fora completamente subjugado, e tornara-se a porta de entrada para os produtos e ideologias brasileiros no continente africano. Ali, também, os negros e índios eram agora os líderes.
Europa e Estados Unidos, temerosos, acabaram adotando a política da boa vizinhança. Viram que não era sábio contrariar os interesses de um bloco muito mais numeroso, e em plena fase de crescimento, como nunca antes se vira na História!
William pensava em tudo isso, enquanto amaldiçoava sua memória fotográfica. E também seu caráter, seus ideais de democracia e igualdade, que o levavam, toda semana, a divulgar a obra do irmão.
Nas visitas semanais a prisão, muito pouco eles falavam a respeito de família, da vida em geral. Emerson simplesmente ditava o que imaginava ou escrevia, e William apenas ouvia, gravando em sua mente novos contos, ou capítulos de livros inéditos, palavra por palavra. Tinham a lei ainda a seu lado, pois aquelas conversas eram privadas.
William publicava os textos do irmão em um site na internet, hospedado em um provedor localizado nos Estados Unidos. O governo brasileiro já fizera furiosos pronunciamentos, junto a tentativas de derrubar aquele servidor, para impedir a difusão daquelas idéias que tanto haviam marcado a obra de Emerson. Que, aliás, estava toda ela proibida.
Ele pregava, em seus romances e contos, nada menos que uma sociedade de iguais, os mesmos direitos para todos. Se aquilo era visionário ou apenas fruto de uma mente ingênua e infantil, William não sabia dizer. Só sabia que, por algum motivo, era importante que fosse divulgada.
Sabia que a obra de Emerson jamais fora ingênua e infantil. Enquanto conformara-se com as políticas oficiais, fora um dos autores mais prestigiados, pela mídia e alta sociedade. Quando começou sua pregação pelos direitos humanos, tornou-se do dia para noite um pária, alguém contrário aos interesses vigentes.
Mas, e William sabia disso, aqui e ali já se ouviam débeis ecos de concordância no Brasil e no mundo. Na Europa, o lugar que liderava a luta pelos direitos humanos, já que até nos Estados Unidos ainda existiam políticas segregacionistas, exilados brasileiros, de todas as raças, pregavam a libertação de Emerson. Um e outro líder fora assassinado, certamente por agentes do governo brasileiro, mas as vozes contrárias ao regime aumentavam em número e intensidade.
William sabia ler nas entrelinhas, e via a situação chegando a um ponto sem retorno. Se o governo iria ceder, ou se um conflito com potencial de transformar-se em guerra eclodiria, ele não sabia dizer.
Já de madrugada, finalmente ele havia terminado mais dois capítulos. Aquela visita havia sido muito proveitosa, e seus contatos nos Estados Unidos como sempre deram os retoques finais ao site. William ficou impressionado com os dígitos do marcador de visitas, que chegavam a correr celeremente.
Ainda triste, mas satisfeito, acendeu um cigarro e soltou largas baforadas. Hesitou um pouco, mas finalmente conectou-se, entrando na Lista.
Sendo um dos mais antigos membros, convidado diretamente pelo Moderador, ainda se admirava com o que lia ali. Outros mundos, outras realidades, outros Brasis. Havia até aquelas variantes que eram quase um oposto ao país em que vivia!
Ia respondendo algumas das mensagens, e logo recebia outras, de vários de seus amigos, situados a uma distância tão inimaginável quanto uma galáxia distante, muitas vezes também medida apenas pela espessura de um fio de cabelo. Os companheiros gostavam muito dele, e também e especialmente, das obras de seu irmão.
As mesmas, segundo sempre lhe diziam, eram um permanente e poderoso incentivo. Tanto aonde desfrutava-se liberdade, quanto onde a mesma era negada. E ali, William sabia que a mensagem embutida nas histórias de Emerson era sempre entendida, sonhada e praticada, privilégio que escritores como eles faziam questão de compartilhar com todos.
Publicado originalmente na edição 84, de fevereiro de 2005, da revista Scifi News.
Até a próxima!
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