Por uma série de fatores, o Escritor com "R" anterior situado na Uol será desativado nos próximos dias. Este é o novo Escritor com "R", e para iniciar as postagens publico o primeiro conto de um de meus trabalhos mais conhecidos, a série A Lista. Estas histórias foram publicadas pela primeira vez na saudosa revista Sci-Fi News entre 2004 e 2006, e depois renderam vários outros contos e noveletas, publicados em antologias que em breve divulgarei aqui.
Este é um novo começo, e espero que gostem e sigam com regularidade!
A Lista 1
Walter chegou em casa tarde, depois de ficar um tempo andando pela orla de Copacabana. Gostava de relaxar um pouco quando saía do serviço, e a praia era o melhor para isso.
Chegou em casa, tomou um banho e comeu alguma coisa. Era o segundo ano que morava sozinho, e até que estava indo bem. Ajudava um pouco o fato de morar no apartamento antes ocupado pelo inquilino de seus pais.
Já passando das nove da noite, conectou-se e verificou as mensagens do e-mail. Resolveu deixar a história que estava escrevendo para mais tarde, pois estava cansado. A primeira mensagem que recebeu foi um novo convite para juntar-se a Lista, um grupo de discussão e troca de mensagens como incontáveis outros pela internet.
Walter já era membro de dois outros grupos, mas estava para sair de ambos. Sempre discutia temas muito específicos, e ele não gostava de classificar sua produção literária de forma convencional. Preferia, isso sim, experimentar, sempre, o que era uma excelente válvula de escape naqueles tempos.
Era a terceira vez que recebia o mesmo convite, e por fim decidiu experimentar. Cadastrou-se, e menos de dois minutos depois, recebeu uma mensagem de confirmação, pedindo ao mesmo tempo que se apresentasse.
Ele escreveu um pouco a seu respeito, sua vida, e seus planos, nada muito específico. Não gostava de abrir sua vida a desconhecidos, já conhecendo vários casos de gente ingênua que se deu muito mal na rede.
Em pouquíssimo tempo, ele já recebia uma mensagem endereçada com seu nome. Era de uma mulher, Patrícia, que se dizia autora de vários livros premiados. Leu e releu o nome completo dela, mas não se lembrou de qualquer menção que já tivesse lido. Walter, por fim, foi respondendo, e a troca de mensagens, praticamente instantânea, assemelhava-se a uma conversa:
- Oi, Patrícia, foi muito bom receber sua mensagem! Essa lista parece movimentada, quantas mensagens! Conhece alguns dos demais participantes?
- Oi, Walter, não, apenas um ou dois, somente. Mas me diga, o que você escreve?
- Romances policiais, gosto muito daqueles filmes mais noir, conhece?
- Claro que sim, é um de meus gêneros preferidos!
Walter estava gostando da conversa, e ia teclando sem parar. Perguntas e respostas chegavam quase em tempo real.
- E você, Patrícia, o que escreve?
- Ah, um pouco de tudo! Poesias, romances, ficção científica. Gosto de inovar e experimentar, sempre! É uma das poucas liberdades que desfrutamos neste mundo, ainda que alguns desejem tirá-la de nós, muitas vezes a força e sem cerimônia.
O tempo parecia passar sem que Walter sentisse. Estava adorando o papo. Contou que morava no Rio de Janeiro, trabalhava em um escritório de contabilidade, e que gostava de quase todo tipo de música. Patrícia também foi se abrindo, e para espanto dele disse que havia se exilado em Nova York, depois de ser perseguida pelo governo brasileiro por causa de sua obra.
- Mas por quê, perguntou Walter.
- É a mesma coisa de sempre, com essa turma de Brasília. Eles dizem que eu e muitos outros, muitos mesmo, somos subversivos, uma ameaça ao regime e a revolução... Sua amada, santa Revolução!
Walter não entendia mais nada. Que lugar era esse mesmo, que ela dizia? Brasília? Ele nunca havia ouvido falar! E que diabos era aquela revolução que ela mencionava?
Por um momento, pensou ter entrado no meio de um PBEM, o chamado play by e-mail. Em algumas listas de discussão, muitas vezes cria-se um jogo, um participante começa uma história, outro escreve uma continuação, e assim por diante. Walter já havia participado de alguns, mas mesmo assim, aquilo que Patrícia contava era muito estranho.
- Do que você está falando, mesmo, escreveu ele. Que lugar é esse, Brasília? E que revolução é essa? Temos que ter cuidado, pois o governo, as vezes, fica bisbilhotando a troca de mensagens na internet.
Patrícia demorou um pouco para responder, mas quando o fez, foi de forma a tranqüiliza-lo:
- Desculpe, Walter. Pensei que, se você foi convidado para a Lista, já devia saber do que se tratava...
Ele teve ganas de se descadastrar e desconectar, e até mudar de e-mail. Já passara por poucas e boas algumas vezes, e não desejava repetir a experiência. Se suspeitavam de algo, os agentes imperiais costumavam perseguir qualquer um, por mais inocente que parecesse.
Walter, finalmente, acalmou-se e leu o restante da mensagem de Patrícia:
- Então, desculpe, Walter. Deixe-me aproveitar e falar mais um pouco de onde eu vim. O Brasil, o país que eu conheço, é um pouco diferente do seu. Para começar, aqui o presidente Lula venceu as eleições em 1989, instituindo imediatamente o socialismo.
Patrícia continuava sua descrição. Afirmou que aquele sistema de governo experimentou um ânimo renovado no mundo, e as relações do Brasil com a União Soviética estreitaram-se, e a Guerra Fria com os Estados Unidos voltou a esquentar. Mas a situação durou pouco.
- A União Soviética entrou em colapso, lançando as economias emergentes ao abismo. Preocupados com o caos econômico, os Estados Unidos acabaram assinando tratados de livre comércio, a despeito de seus regimes, com a China e Brasil. Sabe, claro, que nessas horas todo o papo sobre democracia e direitos humanos é convenientemente varrido para debaixo do tapete...
Walter estava apavorado, e escreveu:
- Patrícia, isto é um PBEM? O que está contando não faz o menor sentido!
A resposta dela foi:
- Hehehehe, relaxe, Walter! Não há o menor problema. A lista está em um provedor imune a qualquer tipo de censura. Quanto ao que disse, fará sentido, não se preocupe!
- Esse Lula, por acaso é o líder dos metalúrgicos?
- Ele mesmo, não é incrível?
- O mais incrível é que ele está cumprindo prisão perpétua, desde 1982, por haver conspirado contra o regime de Sua Excelsa Majestade!
Patrícia escreveu mais poucas linhas, e disse que voltaria a teclar com ele em breve. Disse que não sabia por que a Lista funcionava daquela forma, nem ao menos o Moderador explicava. Na verdade, segundo ela, esse personagem aparecia pouco.
Rogando-lhe que continuasse escrevendo, e dizendo estar atrasada para um compromisso, Patrícia não enviou mais mensagens aquela noite.
Walter desconectou e desligou o computador, estupefato. Gostava, realmente, de algumas obras de ficção, mas como aquela...
Lá fora, um barulho de hélices chamou sua atenção, e ele correu até a janela. Imponente, imenso, o Dirigível Imperial, trazendo sua Alteza o Imperador Don Pedro VI, chegava ao Rio de Janeiro, a Capital do Império.
Publicado originalmente na edição 81, de novembro de 2004, da revista Scifi News.
Conheça também A Lista: Fenda na Realidade, e A Lista: Nêmesis.
Até a próxima!
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