Prosseguindo o resgate dos melhores textos publicados no antigo Escritor com "R" da Uol, apresento aos leitores mais três contos dA Lista. Lembro com muitas saudades os bons tempos em que estas histórias saíam na revista Sci-Fi News, pelo que sempre serei grato aos amigos Paulo, Silvia, Lu e Fabio. Lembro ainda que nos tempos dessa saudosa publicação ainda houve a tentativa da Sci-fi News Contos, porém as mesmas intriguinhas e egos inflados que ainda hoje atrapalham a Ficção Científica Brasileira atuaram fortemente para destruir essa louvável iniciativa.
Como seria bom se tal energia fosse utilizada positivamente, para compor boas histórias e para os escritores (ao menos os autênticos) se auxiliarem mutuamente. Entre outras coisas, não falariam tanto em crítica social, algo inerente à Ficção Científica desde seus primórdios, como se fosse uma descoberta atual. Talvez devessem ler mais, praticar a tolerância que eles mesmos defendem, esquecerem ideologias que só produziram fome, miséria e morte, e assim quem sabe a FC estaria em melhor situação entre nós. Só podemos especular ou sonhar com a realidade que teríamos hoje, caso a Sc-Fi News Contos tivesse sobrevivido...
Entre os contos que aqui apresento está A Lista 4, o primeiro realmente trágico deste multiverso, e que teve importância fundamental no trabalho de escrita do livro dA Lista, ainda inédito. O tema deste conto é a liberdade e a luta contra a opressão, neste caso em prol da liberdade total de criação, que deve ser o único elemento a pautar toda e qualquer obra. E interessante, a respeito do apartheid cultural ali descrito, uma figura execrável de nossa política, um pouco depois da publicação deste conto, alertou contra a "invasão de produtos culturais americanos". Ou seja, para certas mentes degeneradas até a cultura deve ser controlada, um absurdo total e completo. E recentemente outra figura execrável, produto da glorificação da ignorância, falou barbaridades contra Elvis Presley, quase como é descrito no conto.
Nesses momentos dá um certo receio ser escritor, confesso...
A Lista 5 discute a praga dos famigerados reality shows, que ainda hoje nos aflige. E em Guerreiros pela primeira vez coloquei algumas referências aos universos que inspiraram a mim e a vários colegas escritores.
A Lista 4
“- E nem parece que já faz mais de um ano!”, pensou Michelle.
A moça, encolhendo-se sob seu guarda-chuva, andava em ritmo apressado por aquela rua de Brasília.
Era mulata, e muito bonita. Já havia ouvido comentários nada publicáveis pouco antes, ao passar pela ronda policial. Muitos foram os que manifestaram o desejo de vê-la em uma roda de samba.
Mas Michelle nunca faria aquilo. Odiava samba.
Odiava muitas outras coisas que haviam acontecido naquele ano, desde o Seminário Brasileiro de Conteúdo.
A chuva apertou, e o guarda-chuva não estava mais dando conta. Ela parou sob uma marquise, fechou-o, e ficou olhando o aguaceiro, sabendo que era pouco prudente atrasar-se naquele final de tarde.
Seu celular tocou, era Marcelo:
- Onde você está?
Ela conseguiu sorrir, e respondeu:
- Oi para você também! Estou a uns dois quarteirões de casa.
- Pois vá logo! Pegaram Adolfo, e ele não resistiu, contou tudo! Um de nossos amigos dentro do sistema acabou de me ligar, eles estão indo atrás de todos! Maldito Suriaçuna! Ainda vou matar ele!
O veterano escritor Ariovaldo Suriaçuna foi o responsável direto por aquele estado de coisas. No referido seminário, no ano anterior, fizera uma defesa apaixonada do que considerava a verdadeira cultura brasileira. Sua pregação contra tudo que fosse estrangeiro acabou inspirando mudanças na política cultural do governo. O presidente Luíz Dirceu acatara projeto de seu ministro para a área, Belmiro Gil, que proibia toda e qualquer manifestação artística estrangeira, ou de origem estrangeira, em todas as mídias brasileiras.
Em tempos de fúria ideológica como aquele, as consequências foram gravíssimas. Michelle, quase chorando, perguntou:
- E Adolfo, conseguiu alguma notícia?
Marcelo suspirou, e depois de torturantes segundos respondeu:
- Não consigo mais contato com nosso informante... Escute, Michelle, acho que vou sumir por uns tempos...
Repetiu que iria matar Suriaçuna. Michelle já não sabia se a sensação molhada que sentia no rosto eram as lágrimas ou a água da chuva. Disse:
- Sabe, quando esse absurdo dessa medida foi publicada, todo mundo riu. Imagine, fazer um apartheid cultural como esse! Passeatas e eventos de protesto... A quantos fomos, Marcelo!
- Até o show, aqui mesmo em Brasília, com as bandas de rock locais... Parecia que os bons tempos da Legião Urbana e Cazuza estavam de volta!
Eles se lembravam do que houve a seguir. O show nunca fora aprovado pelas autoridades, e forças policiais já entraram atirando primeiro e perguntando depois. Diziam estar agindo em defesa da cultura nacional, e uma abominação musical importada, como o rock, não tinha mais lugar. Bem, isso é o que a mídia saiu publicando...
- Elvis, como podem considerar Elvis Presley um lixo americano, jogado aqui para nos dominar?
Michelle agora chorava. Amava o Rei, suas músicas, a influência dos ritmos negros que ele introduziu na música branca americana, e a revolução cultural que isso representou. Marcelo respondeu, com raiva:
- Nada disso importa, para esses nazistas! Especialmente para seu guru, o maldito Suriaçuna! Esse calhorda diz que Stálin foi um herói, apoiou a repressão chinesa em 1989, e até mesmo os fuzilamentos em massa em Cuba! Tudo por sua ideologia caduca! Maldito!
Eles eram escritores, e fãs de vários seriados americanos, todos proibidos e banidos da televisão. Possuir DVDs de alguma produção estrangeira era crime grave, dando no mínimo quinze anos de prisão, enquanto a maioria dos traficantes de drogas não ficava preso nem um quinto desse tempo. Todos os fã clubes haviam entrado para a clandestinidade, e gêneros como a fantasia ou a ficção científica, acusados de estrangeiros, oficialmente banidos.
No terreno musical, apenas ritmos nordestinos, sertanejos, pagode e funk carioca eram aceitáveis. As gravadoras tinham a obrigação de denunciar as autoridades qualquer gravação que recebessem, de qualquer música que não se enquadrasse nesses gêneros.
- Michelle, preste atenção, disse Marcelo. Corra até em casa, arrume suas coisas, e suma!
Ela saiu correndo, em meio a chuva, mas ainda falando com o namorado:
- E você, o que vai fazer?
- Irei para algum dos pontos de encontro. Me procure em Belo Horizonte ou Rio de Janeiro. São cidades maiores, deve ser mais fácil de se esconder...
Nisso, Michelle ouviu o que pareciam batidas na porta. Marcelo disse apenas:
- Chegaram!
Gritos foram ouvidos, e a seguir tiros. Michelle tentava uma resposta, mas não obteve nenhuma. A ligação, finalmente, caiu.
Chorando, ela correu pelo resto do caminho. Chegou finalmente a seu apartamento, nem ligando para o fato de estar ensopada.
Tinha que contatar a Lista. Reconhecida como uma das melhores autoras do movimento de resistência, ela havia arquivado centenas de obras de seus amigos, e agora precisava enviá-las para a Lista.
Enquanto aguardava o computador inicializar, jogou em um canto a roupa molhada, enxugou-se e vestiu outra. Ainda sentia uma sensação estranha ao trocar mensagens pela internet com aquela gente, que dizia estar em outros mundos, outras Terras diversas da sua. De qualquer forma, a haviam ensinado a despistar os severos controles de censura da rede, implantados por sugestão de Suriaçuna, e frequentemente trocavam obras com ela.
Michelle via na Lista uma forma de não deixar aquelas expressões de arte morrerem, diante da selvageria nacionalista do governo. Até mesmo pronunciar palavras estrangeiras na rua rendia multas pesadíssimas. As emissoras piratas de televisão multiplicavam-se, e do exílio, milhares de artistas brasileiros tentavam vencer aquele horror motivado pela ideologia aplicada a cultura.
Finalmente ela conseguiu conexão, e começou a enviar para a lista todo seu arquivo. Era muito grande, o que deu-lhe tempo de redigir uma rápida nota para os colegas. Dizia-lhes que conheciam a situação, e que estavam vindo atrás dela. Terminava com um certo otimismo, dizendo que os contataria assim que possível.
Ainda não tivera tempo de chorar por Marcelo, mas primeiro a missão, sempre, como ele costumava dizer.
- Maldito Suriaçuna, maldito Dirceu, malditos todos!
Sua fúria não tinha limites, enquanto acompanhava a lentidão agonizante com que os arquivos eram enviados. Letras de músicas, partituras do bom e velho rock and roll, poemas, contos e livros inteiros falando de dragões, viagens espaciais, vampiros, magos e alienígenas. Tudo estaria salvo, uma vez que chegasse a Lista.
- Agentes do Ministério da Cultura, Departamento de Pureza Cultural, abra a porta!
Michelle já previa isso. Chorou mais ainda, mas um sorriso resoluto afinal ficou estampado em seu rosto. Apanhou a submetralhadora e a pistola, e com a primeira atirou em direção a porta. Gritos lá fora lhe ordenavam que se rendesse, mas ela não se importava.
Tudo que importava era a missão. Enviar os arquivos para a Lista.
Eles atiraram de volta, mas Michelle era uma lutadora. Abriu fogo mais uma vez, decidida a levar alguns membros daquela Gestapo com ela.
O envio da mensagem estava quase no fim...
Mais alguns instantes de troca de tiros, e a submetralhadora ficou sem balas. Michele apanhou a pistola e apontou-a para a porta.
Atirou uma vez, no primeiro cara que apareceu através dela.
Uma segunda vez, e derrubou outro agente.
Continuou atirando, mas de repente, eram em muito maior número que sua destreza, ou a quatidade de balas que tinha...
Um dos agentes checou o pescoço da mulher, depois levantou-se e fez um sinal negativo com a cabeça. Um dos colegas olhou para Michelle, e disse:
- Pena, mulatinha gostosa, ela...
O líder os silenciou com um olhar, e ordenou que evacuassem os feridos, e cuidassem dos mortos também. Sentou-se a seguir defronte ao computador, mas algo estranho estava acontecendo.
Os arquivos estavam sendo apagados. Tentou de tudo, e por fim estendeu a mão em direção ao cabo que conectava a máquina a linha telefônica. Foi quando uma voz saiu dos auto-falantes:
- Não perca seu tempo, não há mais nada aí. Eu apaguei todos os arquivos.
O oficial gritou para dentro do microfone:
- Quem é você? Saiba que está cometendo um crime, pela Resolução de Pureza Cultural número...
- Você soa exatamente como qualquer pequeno ditador, acreditando em sua loucura existir essa alegada pureza. Pois digo que a cultura, a verdadeira cultura, é muito mais forte que todos vocês juntos. Seu regime não tem futuro, e eu e aqueles sob minha supervisão iremos garantir isso.
- Quem é você?
O agente exibia um suor nervoso, constatando, desolado, que os arquivos haviam sido todos apagados. Não tinham qualquer prova daquele crime, o que os obrigaria a forjar alguma coisa, a fim de justificar a morte da garota. Finalmente, a voz respondeu:
- Sou o Moderador.
No mesmo instante, faíscas pularam do computador, que por fim pegou fogo. Em instantes, estava inutilizado.
Dois dias depois, Marcelo finalmente pôde conectar-se a Lista, onde recebeu as condolências de todos. Havia sabido de Michelle no mesmo dia em que matara os dois agentes que vieram procurá-lo.
- Os desgraçados sabiam que era Michelle que guardava os arquivos.
- Agora é você o portador dos mesmos, Marcelo. Cuide bem deles.
Aquela foi a última mensagem do Moderador.
Marcelo retirou o DVD recheado de arquivos, abarrotado de preciosidades, obras as mais diversas que tinham que ser preservadas. Muita coisa ali tinha Michelle como autora. Era uma forma de ainda estar junto a ela.
Publicado na edição 85, de março de 2005, da Revista Sci-Fi News.
A Lista 5
Naquele dia, a Lista estava tomada por discussões acerca de certas aberrações televisiva que haviam tomado as tvs de assalto em inúmeros Brasis.
As variações dos chamados reality shows eram quase tão numerosas quanto as incontáveis realidades paralelas. Nas alternativas mais avançadas, os shows eram produzidos até mesmo em estações espaciais, ou outras luas e planetas.
Um participante da Lista, de um desses Universos mais evoluídos, narrou a produção de um show de sobrevivência em um dos locais mais extremos, Io, satélite de Júpiter, o corpo com o maior vulcanismo do Sistema Solar!
A audiência foi recorde. Infelizmente, parecia que também multiplicavam-se pelas incontáveis paralelas o hábito preguiçoso de pouco usar as faculdades mentais... Os participantes do programa, em trajes especialmente projetados, praticavam vários esportes, andavam de bicicleta, escalavam, e até faziam saltos radicais aproveitando a pouca gravidade.
Havia uma semana que o contato fora perdido. Agora era a audiência de telejornais cobrindo os acontecimentos que disparava.
Finalmente uma expedição de resgate conseguiu chegar até a lua, encontrando poucos vestígios de produção e participantes. Haviam sido atingidos por uma erupção violenta de um dos vulcões de Io, exatamente o que pretendiam escalar e que os especialistas do programa afirmavam ser terreno seguro.
A “competência” demonstrada não ficava muito atrás da vista em outras realidades. Claro que, entre as alternativas, havia mundos em que a tv era proibida ou desconhecida, ou que só transmitia reality shows. E claro, muitos manifestaram o desejo de mudar-se para outras realidades em que esse tipo de programa popularesco, e absolutamente abominável, era proibido.
Contudo, Anah, uma jornalista, narrou a passagem mais incrível.
Havia um programa chamado Emparedados, candidatos fechados em uma casa, fórmula bem conhecida. Grande audiência, anunciantes satisfeitos, quando o sinal foi cortado e entrou no ar o anúncio do plantão jornalístico.
Um conhecido jornalista apareceu, narrando com sua poderosa voz algo inacreditável:
- Senhoras e senhores, o que irão ver está de fato acontecendo, a imagem não é editada...
A imagem passa para um fundo negro, e logo se vê que a câmera está instalada no exterior da Estação Espacial Internacional, e o comentarista volta a falar:
- Nessa imagem obtida na órbita da Terra, os senhores podem observar um imenso objeto aproximando-se. Cientistas e governos em todo o planeta estão reunidos desde a divulgação das primeiras imagens, e seguidos comunicados pedem que a população mantenha a calma.
Anah descreveu um cenário absolutamente caótico, fanáticos religiosos conclamando a guerra santa, membros de seitas dizendo que era o fim do mundo, malucos por discos voadores dizendo que os visitantes vieram para nos salvar... Claro, sem faltar o estado de alerta máximo em todas as forças armadas.
Uma transmissão, aparentemente vinda da nave alienígena, foi captada ao mesmo tempo que outro objeto, diferente e muito menor, aproximava-se e penetrava na atmosfera, pousando em Brasília, na Praça dos Três Poderes. Do mesmo, desceram um homem e uma mulher, que rápida e discretamente foram recebidos por autoridades brasileiras, enquanto enviados de vários países chegavam a cidade.
Na noite do quarto dia após a entrada em órbita da imensa nave, finalmente a mensagem decodificada foi apresentada. Uma imagem mostrou o comandante da nave, um sujeito magro e de corpo pequeno, com uma grande cabeça oval e olhos negros imensos. Era careca, vestia um longo manto e estava sentado em um tipo de trono. Apresentou-se como comandante da nave, e a mensagem dizia:
- Nossa civilização está morrendo, e como última medida desesperada, percorremos o espaço a procura do conhecimento de outros povos buscando uma forma de nos salvar. Acompanhando suas transmissões no espectro eletromagnético, descobrimos quais de seus semelhantes são os mais capazes e com as maiores habilidades, os mais importantes de seu planeta. Elaboramos uma lista de tais indivíduos que irão nos ajudar, e que vocês devem nos entregar. A recusa em cooperar acarretará um ataque a seu mundo.
Na lista de centenas de nomes havia apenas um e outro cientista ou político. A maioria absoluta era composta por apresentadores dos mais populares programas de tv, e participantes dos reality shows presentemente sendo exibidos nos países mais desenvolvidos.
A jornalista continuou, dizendo como o casal que pousou em Brasília alertou que os outros visitantes eram na verdade conquistadores, cuja estratégia era acompanhar as transmissões de rádio e tv dos mundos visados, exigindo a seguir a entrega dos melhores cérebros dos planetas para ajudar sua civilização decadente. Na verdade o conhecimento dos indivíduos de que se apossavam era usado para atacar e dominar o planeta alvo.
O prazo dado era curto, e uma correria frenética teve lugar por todo o planeta. Vários dos listados eram pessoas com muitos recursos, alguns conseguiram forjar a própria morte, outros simplesmente suicidaram-se, vários dos apresentadores dos programas mais repudiados pela crítica tentaram fugir por todas as formas, mas um número surpreendente de indivíduos, especialmente entre os participantes de reality shows, concordou em ir por livre e espontânea vontade.
Respondendo a pergunta de alguns, Anah disse que, pela concepção dos alienígenas, estes consideravam que nos meios de comunicação apareciam apenas os feitos das pessoas mais importantes. O próprio casal de alienígenas disse que era assim no mundo deles, as transmissões eram ocupadas apenas por grandes estadistas, cientistas e artistas.
Afinal, os escolhidos foram reunidos, e levados para bordo da grande nave por um tipo de teletransporte. Rapidamente e sem qualquer sinal de despedida, a mesma afastou-se e desapareceu em um lampejo luminoso. Havia entrado no chamado hiperespaço, de acordo com os outros visitantes. O casal, naturalmente, ofereceu seus préstimos a fim de ajudar a resistência da Terra contra os alienígenas, que fatalmente voltariam.
“- E o que aconteceu?”, perguntaram a Anah. Ela ficou alguns minutos sem escrever, e alguns repetiram a pergunta, até que a mensagem da jornalista apareceu na Lista:
- Não sabemos o que houve. O casal extraterrestre ficou meses como hóspede do governo brasileiro, e muitas de suas naves chegaram para nos ajudar. Mas esperamos, esperamos, e nada!
Ela disse que, na ausência do tipo de pessoas que costumava aparecer e apresentar as tais atrações ditas “populares”, outros programas foram concebidos. Assim, aquela realidade experimentou uma onda criativa como há muito não era vista. Uma renovação salutar, e foram muitos os que respiraram aliviados por isso.
Por fim, o casal de alienígenas decidiu retornar para seu planeta, deixando aos cuidados de todos os líderes mundiais instrumentos de defesa e comunicação, a fim de poderem ser contatados sem demora no caso dos invasores voltarem.
Muitos na Lista já riam abertamente, e Anah, por fim, completou:
- Mas eu e muitas outras pessoas consideramos que, levando em conta a capacidade e habilidade dos indivíduos que os invasores levaram, de acordo com suas próprias palavras, é improvável que eles apareçam novamente...
Aquela Terra, ao menos, parecia estar a salvo!
Publicado na edição 86, de abril de 2005, da Revista Sci-Fi News.
A Lista, Guerreiros
“E assim que tomou o poder e instituiu a ditadura nazista, Hitler rapidamente tratou de implantar suas políticas, tirando judeus e outras minorias de suas casas, os enviando a campos de concentração.
A invasão da Polônia, em 1939, serviu para a Inglaterra e a França declararem guerra a Alemanha. Entretanto, rapidamente a máquina de guerra nazista devastou a Europa, a França caiu e a Inglaterra se viu isolada, e pela primeira vez ameaçada por um perigo que parecia invencível!”.
Sara parou de escrever e releu suas palavras até ali. Tinha que apressar-se, e retomou o texto:
“O mais surpreendente movimento do ditador, entretanto, foi sua decisão de propor conversações de paz com a Inglaterra e os países que a apoiavam. Numa iniciativa que deixou todos atônitos, concordou em destruir os campos, e a destinar um imenso montante em recursos para financiar a criação de um enclave judeu na Palestina.
Em pouco tempo, com o armistício, o novo estado de Israel foi estabelecido, para o ódio da comunidade de estados árabes da região, que se declararam inimigos de Hitler.”.
Sara parou de escrever no momento em que o bombardeiro, carregando a mais poderosa arma nuclear até então desenvolvida, levantou vôo com os reatores a jato a toda potência. Com o coração apertado e lágrimas nos olhos, ela viu a aeronave comandada por seu marido desaparecer nos céus.
A guerra no Pacífico fora de qualquer forma desencadeada, como em muitas outras realidades com as quais ela travara contato na Lista, com o ataque japonês a Pearl Harbour. E teve o mesmo final, em Hiroshima e Nagazaki, de tantos outros mundos. É verdade que em vários outros o desenvolvimento da guerra fora tão diverso, quanto as infinitas realidades que existiam.
Um equilíbrio tenso manteve as armas silenciadas na Europa. Secretamente, mesmo que se enfrentassem no campo ideológico, Estados Unidos e Rússia, combinados com algumas nações européias, mantinham os nazistas sob vigilância. Os árabes, por sua vez, combatiam tanto Israel como os nazistas, utilizando-se de táticas terroristas. O que se descobriu depois foi que Hitler abastecia a guerrilha árabe, e afinal, pouco antes de sua morte no começo da década de oitenta, o plano foi revelado.
De uma só vez, as forças do general Bernd Schumacher atacaram Israel. Imediatamente, vários dos fanáticos ditadores árabes apoiaram os nazistas, entrando na guerra.
Só não contavam com a traição nazista. Enfraquecidos pela luta com os israelenses, os árabes foram presas fáceis quando o sucessor de Hitler, Von Eklelston, ordenou ao general Schumacher a passagem a segunda fase do plano, o extermínio dos árabes, começando pela destruição de Jerusalém.
O desenvolvimento tecnológico do mundo de Sara havia sido tremendo, uma das consequências do permanente estado de beligerância. Já no final dos anos setenta havia computadores e internet. A jornalista Sara foi uma das primeiras participantes da Lista. O objetivo da mesma, de propagar os ideais da liberdade por todas as realidades, não poderia ter encontrado defensora mais dedicada naquele mundo.
Como em muitas outras realidades que lutaram e venceram a tirania nazista, todos acabaram deixando de lado suas diferenças para combater o inimigo comum.
E isso era exemplificado pela tripulação do bombardeiro. O marido de Sara, Mordechai Sharon, tinha como companheiro o navegador Yassin Abbas. Um israelense judeu e um palestino muçulmano, em cujas mãos estava a esperança de todos os povos.
O bombardeiro era o mais moderno dos Aliados, capaz de subir mais alto que qualquer dos interceptadores nazistas. Estes, seguindo fielmente a ideologia de seu insano líder, usavam fartamente de propaganda para dizer que os Aliados jamais atacariam Berlim.
O bombardeiro finalmente sobrevoava a capital do Reich, sendo recebido pelos caças nazistas que não conseguiam aproximar-se de sua altitude e velocidade. Os pilotos faziam os últimos procedimentos para o lançamento da bomba.
Foi quando perceberam que o radar anunciava uma imensa formação de caças a frente. Inúmeros mísseis foram lançados pelos mesmos, e os avisos sonoros comprovaram que havia perigo considerável.
Uma explosão, bem perto deles, fez multiplicar os alertas de perigo. Abbas fez uma verificação dos sistemas.
Logo, uma péssima notícia chegava ao controle da missão. O dispositivo de liberação da bomba fora danificado. Só havia uma única possibilidade de levar a missão a cabo.
Sara não conseguia conter as lágrimas, enquanto se lembrava das apressadas despedidas feitas pelo rádio. Juntos, Sharon e Abbas ainda fizeram uma prece, antes de finalmente acionar o dispositivo nuclear.
Tudo o que puderam saber foi que Berlim fora tomada por uma imensa bola de fogo. Os informes iam chegando freneticamente, as vezes contraditórios, mas finalmente parecia que a maré da guerra, graças ao sacrifício de Sharon e Abbas, virava a favor dos Aliados.
Leorc Sauegg teve pouco tempo de ler aquilo. Não era propriamente um soldado, apenas um controlador auxiliar da base montada naquela lua.
Acima, o gigantesco planeta enchia o céu. Ele não conhecia a Terra, que pelo que aprendera na Lista, nem sequer ficava em sua Galáxia. Mas conhecia a luta contra a tirania.
Era o que estavam fazendo ali, enquanto a colossal arma de guerra do inimigo se aproximava, inexorável.
Os pilotos decolaram em seus caças, e Leorc invejava sua coragem. Especialmente daquele rapazinho recém-chegado, que tinha tanta vitalidade.
Por sua tela de controle, ele pôde acompanhar grupo após grupo de atacantes, engalfinhando-se com os defensores da imensa estação bélica. Assombrava-se com o número de baixas. Em seus fones de ouvido, ordens eram gritadas a todo instante.
Sentiu que a hora da verdade havia chegado para eles.
Finalmente, grupo após grupo, atacaram a trincheira onde ficava o alvo, o único ponto vulnerável daquele monstro que já havia destruído todo um planeta. Sauegg, com mudo desespero, viu seus pilotos caírem um a um.
Com o canto dos olhos, viu todas aquelas figuras importantes do movimento de resistência, mal sendo capazes de dizer uma palavra. O medo era comum, ali, todos sentiam que suas vidas estavam nas mãos e na habilidade daqueles pilotos.
Finalmente, o jovem recém-chegado, um dos últimos a decolar com seu caça, fazia a corrida. Leorc acompanhava em seu monitor a aproximação dos inimigos, já alvejando seu piloto. Parecia ser o fim.
Como um milagre, o mercenário que trouxera o jovem até a base surgiu com sua nave, livrando-se dos inimigos e deixando o caminho livre para o rapaz.
Instantes depois, um tiro certeiro! Assim que as naves sobreviventes se afastaram, o colosso de guerra explodiu.
A primeira e mais importante vitória dos que defendiam a liberdade!
E tudo graças a um jovem e intrépido piloto.
A luta contra o cruel regime que oprimia a Galáxia poderia continuar!
Publicado na edição 87, de maio de 2005, da Revista Sci-Fi News.
A primeira publicação dA Lista em livro foi no Volume Laranja de A Fantástica Literatura Queer, da Tarja Editorial (a capa está na coleção de obras das quais participei na imagem de fundo do blog, aí acima). Infelizmente agora esgotado, mas creio que podem procurá-lo em sebos ou na Estante Virtual. Estou considerando uma republicação de meu conto A Lista: Letras da Igualdade, e enquanto isso, fiquem com as resenhas muito legais que estão aqui e aqui.
Como e-book, convido vocês a conhecerem A Lista: Fenda na Realidade, uma de minhas histórias preferidas, e A Lista: Nêmesis.
Na próxima quarta-feira mais uma parte da série de artigos sobre Fantomius, o Ladrão de Casaca.
Até a próxima!
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